Foi ou não criado um vazio pelo MpD nos anos 90 em várias áreas?
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Foi ou não criado um vazio pelo MpD nos anos 90 em várias áreas?

REFLEXÃO: se é reconhecido por todos que os ganhos do país nas áreas de educação e saúde é o resultado da acumulação que fizemos a partir do que foi construído durante o período do “Partido Único” até ao presente, então, não é válido analisar também o impacto que as eliminações de estruturas sociais tiveram, como os casos de milícia e tribunais de zona? Qual é o complexo? Onde está o fantasma?

1. É hora de reafirmamos a tese: a forma como o MPD surge, em 1990, e a sua opção deliberada pela aniquilação de estruturas sociais e económicas encontradas, entre as quais a milícia e os tribunais de zona – sem que o MPD tenha apresentado absolutamente nada em alternativa – cria um “vazio social” em termos de autoridade, sobretudo a “autoridade de proximidade ou comunitária”. Vazio esse que acaba por ser um dos fatores determinantes para o grau de incivilidade, insegurança e criminalidade que hoje se vive nos principais centros urbanos do país, com a cidade da Praia, à cabeça;

2. É fundamental que se perceba que o “vazio” criado pelo MPD é um dos resultados da saga destruidora e do projeto de eliminação do PAICV que o MPD pôs em prática e que é mais facilmente ilustrativo através da observação da destruição em massa das empresas do Estado, tais como a Empresa Pública de Abastecimento (EMPA); a de transportes urbanos (TRANSCOR) detentora de uma frota de autocarros da marca Volvo; a de transportes marítimos de cargas e passageiros (Arca Verde) que garantia o transporte regular entre todas as ilhas; entre várias outras empresas e estruturas socioeconómicas – construídas durante o período do "Partido Único (1975-1991) – que o MPD encontrou no país quando chegou ao poder em 1991 e que destruiu, quer pela via da privatização, quer pela simples aniquilação. Processo destruidor que o MPD retoma em 2016: exemplos: extinção de “Casas de Direito” e lista de privatizações (B.O. nº46 de 3 agosto 2017 - anexo em baixo);

3. Se olhar para o “vazio” deixado pela eliminação de milícias e tribunais de zona pode ser mais difícil de se sentir e de se perceber, já não se pode dizer o mesmo quanto à situação que enfrentamos até aos dias de hoje no transporte marítimo de cargas e passageiros entre as ilhas de Cabo Verde. Qualquer um pode ver que depois da destruição da empresa estatal Arca Verde, nunca mais o país se recuperou, persistindo até aos dias de hoje o déficit nacional, com várias ilhas a sofrerem com situações de isolamento, como os casos mais grave de São Nicolau e Brava;

4. É consensual a ideia de que o desenvolvimento é um processo cumulativo, uma corrida de estafetas, em que cada um, cada governo, faz a sua parte, que se vai acumulando. Por isso, é que falamos neste “vazio”. É que o MPD destruiu, não construindo nada em alternativa, deixando um “vazio”, sim. Notemos duas áreas, a educação e a saúde, onde ao contrário do que fez com a milícia e os tribunais de zona, o MPD somou, dando seguimento ao processo de desenvolvimento. Somou ao abrir mais hospitais e mais escolas, aos encontrados em 1991 e, por isso, mais tarde, quando o PAICV volta ao poder em 2001, dá continuidade ao processo e, atualmente, Cabo Verde tem indicadores mais satisfatórios ao nível da educação e da saúde – fruto de um processo contínuo de investimento;

5. Jamais diríamos que, três décadas depois, a extinção histórica da milícia e dos tribunais de zona é a única causa do crescimento da incivilidade, insegurança e criminalidade na nossa sociedade. É que, segundo uma das lições mais básicas da sociologia, nenhum fenómeno social tem “causa única”. Mas, não temos a menor dúvida de que a dupla extinção da milícia e dos tribunais de zona contribuiu, sim, para agravar as raízes da situação problemática que vivemos hoje. Tanto que, temos assistido a várias tentativas de busca de formas de substituir a “proximidade” que a milícia e os tribunais de zona garantiam. Afinal, o que são as “Casas de Direito” e os “Juízes de Paz” se não essa busca de "autoridade de proximidade"?

6. REFLEXÃO: se é reconhecido por todos que os ganhos do país nas áreas de educação e saúde é o resultado da acumulação que fizemos a partir do que foi construído durante o período do “Partido Único” até ao presente, então, não é válido analisar também o impacto que as eliminações de estruturas sociais tiveram, como os casos de milícia e tribunais de zona? Qual é o complexo? Onde está o fantasma?

Artigo original publicado pelo autor no facebook

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine

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