É a minha sincera opinião; o cristianismo falhou em África. Na Europa o cristianismo foi uma das fontes que impulsionaram virtudes como a moral, a política e até a ciência. Como o avanço dos séculos, sentiu-se a necessidade de se separar a religião das decisões partidárias, e bem, pois ganhou-se consciência da urgência de decisões com bases em análises específicas, abrangendo sociedades cada vez mais complexas e diversas. Mas o cristianismo, católico ou não, foi espetador ativo e incontestável no desenvolvimento da capacidade Ocidental.
Chagado à Era moderna, o cristianismo já se tinha espalhado por grande parte do globo e, por isso, teve que ganhar mais e novas ramificações, e características, que o fizesse representar a visão dos diversos crentes. Por exemplo, o catolicismo português moldou-se para ser entendível por pessoas em condição histórica, económica e política diferente. Se na Europa a religião era o conselheiro da “conquista do mundo”, na África moderna o cristianismo assemelha-se, em simultâneo, a um ombro de consolo contra a precariedade eminentemente, e a um moralista do passado que se demonstra insensível aos problemas atuais.
Veja-se as constantes preces do camponês que pede chuva pelas mãos de Deus, e a falta de resposta das igrejas em relação a assuntos — que não existiam no dicionário dos exploradores ocidentais— como a xenofobia, a saúde ou o planeamento familiar. No passado a igreja promovia a educação com o intuito de aculturação de escravos, hoje o instituto religioso deixou os estudos académicos para a escola e não se preocupa com incentivos que façam os crentes concluir a escolaridade ou ir à universidade. O ensino religioso, sem a formatação imperialista, fechou-se na sua matriz base — os ensinamentos bíblicos — esquecendo-se dos problemas da realidade que cada africano vive no seu país ou na diáspora.
Não estou a lamentar a separação entre religião e Estado. Apenas quero referir que, sendo o cristianismo importante para as decisões morais e inconscientes de muitas pessoas, as religiões em África devem não perder a política de vista, e modernizar pessoas para problemas locais. Assim como as culturas ganham novas correntes pelo mundo, em Cabo Verde ou Angola, o cristão deve trabalhar novas narrativas, que a par com os percursos bíblicos, valorizam a realidade do negro, mestiço ou branco africano.
Lembrei-me de escrever sobre isto depois de perceber o quão a homofobia é, em Cabo Verde, justificada com a suposta vontade de Deus. Um deus que requer amor desmedido, mas que abre excepções contra os que amam desmedidamente pessoas com o mesmo órgão sexual; é um deus que perdeu a capacidade de priorizar as novas dinâmicas e exigências sociais — a família tradicional foi também desmantelada por ser demasiadas vezes construída sobre a submissão feminina, a violência doméstica ou precariedade infantil, e não será a liberdade de dois homossexuais que fará piorar a degradação da sociedade. Todas as pessoas merecem respeito, e é dever das religiões reforçar esta máxima moderna e imprescindível.
Uma religião que não sirva para a sociabilidade, também não servirá para as individualidades. Limitar as igrejas só para fins de promessas de salvações individuais parece-me estar-se a jogar com o próprio egoísmo das pessoas, realçando-o. A salvação deveria ser sempre no plural. Todos, incluindo os padres, deveriam se preocupar com o povo no geral, mesmo que isso signifique tolerar diferenças inofensivas. O castigo pessoal e divino não é pior que o castigo social que assola a realidade africana. Independentemente da veracidade bíblica, antes do ingresso no paraíso está a necessidade de se deixar terreno fértil para as gerações vindouras; é necessário segurança e ambição por melhorias. A igreja não pode desistir do presente. O paraíso não pode ser desculpa para se ignorar a sujeira na terra. Se o sagrado valoriza a moral dos humanos, então que se aplique este termo à construção da ética e comunidades justas. Que, em última instância, Deus aprecie quem não só pensou nos seus pecados íntimos, mas também pensou na sua contribuição para pecados sociais. O civismo é urgente. Que crer no reino de Jesus signifique crer num país estável e competitivo. Que o consolo individual dê lugar ao conforto comum. Que Praia, Luanda ou Maputo sejam espiritualmente sagrados que nem Belém ou Meca, e fisicamente importantes como Londres ou Paris. Desejo que a religião sirva o povo moderno, pois o passado nunca foi perfeito, ao contrário do que conservadores pregam.
Precisa-se de bispos e sacerdotes que se preocupem com a gravidez precoce, o desemprego, a corrupção política ou a criminalidade, sem se prenderem em superficialidades constituídas pela beleza de Cristo. É necessário que, por serem as instituições mais próximas de cidadãos de idade avançada, isolados e pobres, as igrejas assumam a responsabilidade de inserir pessoas na atualidade social. Tendo em conta os totalitarismos africanos, a democracia deveria ser o primeiro mandamento — se o povo assim quiser ser politicamente ativo.
Cabo Verde e África precisam de um cristianismo, ou Islão, político-africano de suporte a crentes e os seus Estados.
O interesse religioso não pode continuar a ser de cunho imperial e europeu se não serve para fazer africanos verem para a África. É incompreensível esta participação religiosa sem resultados práticos nas vidas de pessoas. É inaceitável a prioridade de conversão a um reino divino incapaz salvar tantos jovens presos à inevitabilidade de insuficiências africanas.
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