João Cardoso serve de guia por entre quatro blocos que deviam servir de zonas comerciais, na Praia, no meio de um bairro de habitação social, a Vila Vitória, mas que mais parecem uma zona de guerra.
É fácil entrar: as caixilharias foram arrancadas e pisam-se vidros estilhaçados por todo o lado, por entre loiças sanitárias arrancadas do chão e partidas, sinais de vandalismo em Vila Vitória, Achada Limpo, uma urbanização da última década.
“Recebi denúncias dos residentes sobre a degradação deste espaço, para ver se alguém faz alguma coisa”, descreve o engenheiro civil de 62 anos que desde 2016 gere uma página no Facebook designada “Provedor da Praia CV”.
“Não sou provedor, sou administrador de uma página que tem a designação de Provedor da Praia, mas a verdade é que as pessoas chamam-me provedor”, explica à Lusa, ao cabo de 18 meses numa nova etapa como associação sem fins lucrativos, com o mesmo nome e princípio: “Cidadania sem política”.
“Tem sido gratificante, tenho visto resultados e sinto-me realizado” de cada vez que uma situação é resolvida, depois de denunciada na página, “fruto da contribuição dos moradores”, diz.
Hoje, o provedor consagrado pelas redes sociais espera fazer a diferença nos blocos abandonados e vandalizados de Vila Vitória, porque “o país não se pode dar ao luxo de desperdiçar aqui dinheiro à toa. Nem um país rico, quanto mais Cabo Verde, que depende muito de ajuda de parceiros internacionais e que continua a ter necessidade de habitação condigna”.
O bairro foi construído no âmbito do projeto “Casa para Todos”, dinamizado por fundos portugueses, desde 2010, e que entregou cerca de 5.000 fogos para combater o défice habitacional em Cabo Verde.
Isolindo Costa, 58 anos, vive com a mulher e um filho na Vila Vitória há quatro anos e assistiu à degradação dos espaços, que nunca chegaram a ser ocupados, até que “os meninos começaram a estragar o que havia”.
Sem segurança, nem outra intervenção, hoje restam as paredes, que também pedem arranjos: “Mais valia terem feito um campo de futebol”, sugere.
“Agora, podem dividir os blocos” em casas e “entregá-las a outras famílias que precisam de habitação”, acrescenta o morador.
Ao lado, um jardineiro municipal que limpa o mato junta-se à conversa para reforçar a ideia: alguém devia fazer alguma coisa.
Fonte da Imobiliária, Fundiária e Habitat (IFH, imobiliário estatal) diz à Lusa que foram testadas várias fórmulas para entregar os espaços, sem resultado, e que manter segurança privada é inviável, lamentando que a comunidade não os tenha conseguido preservar.
Entretanto, foi criada uma solução de arrendamento subsidiado para organizações não-governamentais (ONG), organizações religiosas e câmaras, que deverão conduzir à entrega dos blocos de Vila Vitória nos próximos meses, acrescentou a mesma fonte – entretanto, a experiência fez com este tipo de blocos comerciais já não sejam construídos nos novos empreendimentos de habitação social.
A página do Provedor da Praia promete continuar atenta às denúncias de quem reside ali e no resto da capital: uma das últimas publicações remete a atenção para a outra ponta da cidade, na zona da Cidadela, onde camiões cheios descarregam entulho de obras em frente a blocos habitacionais.
“A deposição de escombros começa logo pela manhã e continua ao longo do dia, até ao cair da noite e os residentes não podem abrir as portas ou janelas das suas casas”, queixa-se o provedor, ao republicar vídeos que retratam a situação em flagrante.
Mas, na página, há também assuntos mais simples, como um sinal de trânsito tapado por uma árvore ou um taipal de obra que perturba a circulação de peões, problemas que, segundo mostra, costumam ficam resolvidos depois de publicados.
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