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Juristas defendem que ausência de reuniões ordinárias leva câmara de São Vicente à situação de ilegalidade
Política

Juristas defendem que ausência de reuniões ordinárias leva câmara de São Vicente à situação de ilegalidade

A Câmara Municipal de São Vicente encontra-se na ilegalidade porque há cinco meses que não realiza as reuniões ordinárias, que deveriam acontecer quinzenalmente, contrariando o artigo 91º do Estatuto do Municípios, dizem juristas entrevistados pela Inforpress.

Conforme o advogado Eder Brito, esta situação acontece devido à “falta de maturidade política” dos autarcas em “lidar com o equilíbrio de poderes nesta autarquia”.

Segundo a mesma fonte, de acordo com a lei, a câmara é constituída pelos vereadores e pelo presidente, tem a competência de fiscalização e também é um órgão deliberativo onde se forma a política municipal, que será executada pelo presidente.

Neste sentido, explicou que a reunião realizada a 02 de Janeiro deste ano, apenas com a presença dos três vereadores do Movimento para a Democracia (MpD), mesmo partido do presidente da câmara, deve ser considerada nula à luz do artigo 47º dos Estatutos dos Municípios.

Lembrou que, de acordo com o referido estatuto, as reuniões quinzenais carecem de convocatórias, normalmente feitas pelo presidente e enviadas a todos os vereadores, com a ordem do dia.

E, acrescentou, por ter sido com uma reunião que contou somente com os três vereadores do MpD e do presidente, não houve quórum (50 por cento dos vereadores mais um) porque faltavam ainda cinco vereadores.

“Fez-se uma convocatória para a reunião, a maioria não compareceu. Ou seja, não se teve quórum, cancela-se imediatamente essa reunião e tem-se 48 horas para fazer uma nova convocatória para uma nova reunião”, explicou o jurista, para quem, se na segunda reunião não houver quórum aí sim pode-se deliberar com um terço dos presentes.

“Uma deliberação tomada sem quórum, sem a maioria dos presentes é nula, porque não está em consonância com o que diz o Estatuto dos Municípios. A informação é que não se fez a convocação, não teve ordem do dia, não teve quórum, ou seja, é uma reunião que não poderia ter ocorrido”, defendeu justificando com o artigo 149 º do mesmo estatuto.

Na mesma linha, o advogado Geraldo Almeida lembrou que nos termos do artigo 83º do mesmo estatuto, a câmara municipal é constituída por um presidente e por vereadores eleitos por sufrágio directo, universal, livre, igual e secreto, e que o número dos seus membros é de nove para os municípios de população superior a 30. 000 habitantes.

Neste sentido, explicou que nos termos do artigo 47º, do mesmo estatuto, “os órgãos municipais só podem funcionar e deliberar em primeira convocação com a presença da maioria do número legal dos seus membros”, pelo que, “no caso de São Vicente, a câmara municipal só poderá funcionar com pelo menos cinco dos seus membros”.

Todavia, lembrou que o nº.  2 deste mesmo artigo estabelece que “não comparecendo a maioria do número legal dos seus membros, será convocada uma nova reunião, com o intervalo de, pelo menos 48 horas, com a presença de qualquer número de membros, desde que superior a um terço”.

“Segue-se, portanto, que a Câmara Municipal de São Vicente pode funcionar com pelo menos quatro vereadores. Na verdade, se o número de membros da câmara é de nove, um terço deste valor é igual a três. Portanto, o número de membros imediatamente superior a três é de quatro”, analisou Geraldo Almeida.

Assim, para este advogado, “numa situação em que faltam seis vereadores, a câmara municipal não poderá funcionar visto que nem preenche os requisitos para funcionar em primeira convocatória, tão pouco preenche os requisitos para funcionar em segunda convocatória”.

Para o também jurista Hélio Sanches, a situação reinante na Câmara Municipal de São Vicente é política e a solução deve ser política.

Ou seja, clarificou, deve ser resolvida através de diálogo e negociações para o bem do município de São Vicente, mas, não havendo esse diálogo e entendimento político, o Governo poderá dissolver os órgãos municipais, caso existam ilegalidades graves.

E uma das causas da dissolução dos órgãos municipais, pontuou Hélio Sanches, é a existência de ilegalidades graves como é o caso da “não realização periódica das sessões da assembleia e das reuniões das câmaras, nos termos legais ( art. 134º, nº 1, b) dos Estatutos dos Municípios, conjugado com o art. 133º, nº 1, b, todos do mesmo estatuto.

A seu ver, a reunião da câmara municipal ocorrida no dia 02 de janeiro, um domingo, “é, seguramente, muito estranha, embora a lei não proíbe a realização dessa reunião num domingo”.

“Isto, pressupõe-se que a câmara municipal teria sido convocada pelo presidente, quem tem a competência para o fazer, dois dias antes, ou seja, no dia 31 de Dezembro de 2021 e que, na falta de quórum, nos termos legais, esse órgão veio a reunir- se, de novo, 48 horas depois e tomou decisões, com a presença dos vereadores presentes, independentemente de quorum”, adiantou.

Conforme Hélio Sanches esta situação “embora legal, é anómala” e demonstra que “existe, de facto, uma crise política” na Câmara Municipal de São Vicente.

Apesar disso, os três advogados têm leituras diferentes sobre as deliberações tomadas pelos cinco vereadores da oposição, três dos quais da União Cabo-Verdiana Independente e Democrática (UCID) e dois do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), numa reunião no mês de Abril, sem a presença do presidente e dos vereadores do MpD.

Na visão de Eder Brito essas deliberações são válidas lembrando que o 3º parágrafo do artigo 47º do Estatuto dos Municípios estabelece que “a assembleia pode deliberar validamente se iniciar a reunião nos termos do número 1 do mesmo artigo” (ou seja se houver quórum) mas, “no decurso da mesma deixar de existir por abandono de uma parte dos membros”.

“A informação que eu me lembro é que o presidente estava presente, mas abandonou a reunião. Inicialmente tem-se a presença do quórum, mas a partir do momento que ocorrer um abandono, com a reunião já iniciada, na minha perspectiva pode a assembleia deliberar”, sustentou Eder Brito, defendendo que a deliberação foi tomada com a maioria dos presentes, independentemente de ser de um partido ou de outro.

“O que realmente importa é que foi a maioria no que respeita à deliberação tomada. Ou seja, se ocorreu uma convocatória, se foi apresentada a ordem do dia, teve quórum inicial, mas depois membros abandonaram a reunião, as deliberações que foram tomadas mantém-se. É isso que está de acordo com o Estatuto dos Municípios”. precisou Brito.

O mesmo lembrou que o artigo 64º que reza sobre “Omissão do Presidente” também estabelece que quando o presidente de um órgão não efectuar a convocação do mesmo, nos casos em que seja obrigado a fazê-lo, nos termos da lei, poderá qualquer dos membros do órgão fazê-lo, com a invocação da omissão do Presidente, publicitando a convocatória pela sua afixação nos locais habituais e pela sua difusão nos órgãos de comunicação social.

No entanto, para Geraldo Almeida a lei prevê que as reuniões serão convocadas e dirigidas pelo presidente. Portanto, explicou, a lei pressupõe que o presidente “deve estar sempre presente”.

“Faltando o presidente ele é substituído pelo vereador que ele designar.  Na falta de designação, o presidente é substituído por um vereador da lista da candidatura do presidente. Se esta reunião não preencher essas condições a deliberação tomada por esses cinco vereadores é inválida”, sustentou.

Hélio Sanches também assegurou que a reunião da Câmara Municipal de São Vicente promovida pelos vereadores da UCID e do PAICV, que são maioritários nesse órgão, sem a presença do presidente, “parece ser ilegal”, porquanto, lembrou, só o presidente pode convocar e dirigir as reuniões da câmara municipal e fixar a ordem do dia, nos termos do artigo 91º, nº1, dos Estatutos dos Municípios.

“A câmara municipal deve funcionar ordinariamente, quinzenalmente e extraordinariamente, sempre que convocada pelo presidente ou a pedido da maioria dos vereadores, não podendo, neste caso, ser recusada a convocatória – art. 91º, nº 3 dos Estatutos dos Municípios”, sintetizou Hélio Sanches.

Augusto Neves, candidato do Movimento para a Democracia (MpD), foi reeleito presidente da Câmara Municipal de São Vicente no dia 25 de outubro de 2020, com 11.126 dos votos expressos, mas não conseguiu manter a maioria absoluta que trazia do mandato anterior.

Porém, o resultado dessas eleições ditou uma câmara pluralista, sendo que o MpD elegeu quatro vereadores para o executivo camarário, a UCID três e o PAICV dois, totalizando os nove autarcas possíveis de serem eleitos no município, tal como indica o Estatuto dos Municípios.

Para a Assembleia Municipal, o MpD elegeu nove deputados, UCID, sete, PAICV, quatro e Movimento Más Soncent, um.

A Sessão Solene da instalação dos órgãos municipais (câmara e assembleia) arrancou no dia 17 de Novembro de 2020 mas prolongou-se pelo seguinte, por causa de desentendimentos dos três partidos sobre quem deveria ser eleito presidente da Assembleia Municipal.

O clima de desentendimento também se manteve na distribuição dos pelouros e delegação de competências aos vereadores.

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