O ex-primeiro-ministro guineense Aristides Gomes defende que não se pode esperar de Portugal um papel “relativamente romântico” de defesa dos direitos humanos na Guiné-Bissau, quando tem de defender uma existência própria em termos de influência no mundo.
Em entrevista à agência Lusa em Lisboa, o ex-governante refere que a postura ideal de Portugal face à Guiné-Bissau devia ser uma “intervenção na base dos grandes princípios humanistas” e da “defesa dos direitos humanos”.
No entanto, “Portugal está inserido num sistema, numa ordem internacional, num sistema de relações internacionais” em que os países procuram “ter alguma influência”.
“Sendo realistas, nós não podíamos esperar que Portugal estivesse fora de tudo isto e que tivesse um papel relativamente romântico, enfim, defendendo direitos humanos […] de forma sistemática sem ver a questão da sua existência própria em termos de influência”, diz.
Esta é a razão, defende, pela qual Portugal acabou por reconhecer Umaro Sissoco Embaló como Presidente guineense, quando ainda decorria um contencioso eleitoral apresentado pelo líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira.
“Será que Portugal não teria a necessidade de, para manter a sua influência, ter de alinhar-se com os outros países no reconhecimento e no apoio a Sissoco, apesar de todas as vicissitudes que nós estamos a ver do regime” do Presidente?, questiona.
Aristides Gomes considera que “infelizmente, Portugal, como todos os outros países, são levados a estudar a sua intervenção, a ver se defendendo determinados princípios que podem ser princípios justos de forma humanitariamente falando, moralmente falando, essas posições não podem comprometer, em certa medida, o princípio realista de ter alguma influência”.
No entanto, o ex-primeiro-ministro salienta que a posição de Portugal é comum a muitos outros países e exemplificou com a França, que inicialmente teve “um discurso radical” e se recusou a reconhecer Sissoco Embaló como Presidente, mas a estratégia mudou, tendo mesmo o chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, visitado o país, em julho do ano passado, a primeira deslocação na história de um Presidente francês à Guiné-Bissau.
“Há um mistério que o Sissoco teria algum poder de atração”, ironiza Aristides Gomes, considerando que se trata sim de geoestratégia de França, que tenta obter apoio de vários países africanos face à crescente influência da Rússia, sobretudo no Sahel, região das suas ex-colónias, e da China.
“Para que a França possa existir como uma potência média, tem necessidade de continuar a exercer a sua influência nessa zona do mundo”, acrescenta.
O ex-governante guineense defende que não existe uma comunidade internacional, mas várias, porque “existem os interesses de vários blocos, de vários países”.
“A comunidade internacional nunca desenvolveu um país, […] nunca resolveu os problemas fundamentais de um país” e estes têm de ser resolvidos “primeiramente no plano interno”, diz.
Aristides Gomes refere que “quando há coincidência com a via de solução interna no país, a coisa funciona, mas quando não há essa coincidência, o país fica ao Deus-dará”, notando que no caso da Guiné-Bissau não existe a coincidência entre os problemas do país e “os interesses das potências europeias na sub-região oeste-africana ou as preocupações dos Estados Unidos”, que “têm de fazer face à China, à França e à Rússia”.
Neste sentido, o ex-primeiro-ministro advoga que a classe política guineense “deve saber criar condições para o diálogo interno, de modo a conseguir um consenso nacional para a solução dos problemas nacionais”.
“O consenso interno não deve estar subordinado aos interesses daqueles que estão a lutar entre si para terem mais ou menos influência na sub-região em que nós estamos inseridos. E isso requer negociações e o encontrar de soluções consensuais para os nossos problemas”, considera.
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