Miguel Díaz-Canel, o novo chefe de Estado Cubano, reivindica o legado dos Castro
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Miguel Díaz-Canel, o novo chefe de Estado Cubano, reivindica o legado dos Castro

O fim da era Castro no Governo de Cuba não deverá trazer mudanças imediatas à ilha. O novo chefe de Estado comprometeu-se a prosseguir as reformas económicas de Raúl. Mas a continuidade foi a palavra de ordem. “Socialismo ou morte. Venceremos”, disse o novo chefe de Estado.

Como se esperava, a Assembleia Nacional do Poder Popular aprovou nesta quinta-feira, com os votos de 603 dos 605 deputados, a indicação da comissão de candidaturas para o futuro Conselho de Estado de Cuba. E na véspera do seu 60.º aniversário empossou Miguel Díaz-Canel como Presidente do país.

Como o fim de uma era, a importância e simbolismo do momento era indiscutível. Nunca na história da revolução cubana o parlamento rejeitou o nome proposto para chefe de Governo e de Estado, mas nunca, desde a mudança de regime, em 1959, elegeu um Presidente que não se chamasse Castro. Primeiro Fidel, que conduziu o pequeno grupo de revolucionários que derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista, e dirigiu o país entre 1959 e 2006, quando por causa da doença entregou o cargo a Raúl. Este governou durante 13 anos e foi eleito por duas vezes pela Assembleia.

“Assumo esta responsabilidade com a convicção de que todos nós, revolucionários cubanos, seremos fiéis ao legado do líder histórico Fidel Castro, e também ao exemplo, valor e ensinamentos de Raúl Castro, o actual líder do processo revolucionário”, prometeu Díaz-Canel, na sua primeira declaração como Presidente de Cuba. O primeiro civil a ocupar o cargo, o primeiro Presidente de sempre nascido após a revolução, terminou o seu discurso com a promessa original da Sierra Maestra, “Pátria ou morte, socialismo ou morte. Venceremos”, gritou, com o punho ao alto.

Aos 86 anos, o velho general que acompanhou Fidel mais como um camarada de armas do que como um irmão mais novo, cedeu a liderança do Governo a um homem que não tem com ele qualquer relação familiar, provando que se enganava quem via no comunismo de Cuba um sistema de sucessão dinástica como existe por exemplo na Coreia do Norte. Esse não é um modelo que lhe interesse — do Oriente, Raúl gosta de citar como “positivo” o caso do Vietname, um país de partido único que soube imprimir um ritmo espectacular ao seu desenvolvimento económico.

Terá faltado tempo a Castro para aplicar na ilha uma receita parecida com a do Governo de Hanói. Depois de ser eleito Presidente, Raúl pôs em marcha (primeiro timidamente, depois com mais intensidade) um programa de reformas estruturais — uma afinação e actualização do modelo económico para preservar o sistema socialista —, que na última década teve um impacto brutal no tecido social do país. Mas muito desse Plano de Desenvolvimento Económico e Social, ratificado no último Congresso do Partido Comunista Cubano (que Castro continuará a dirigir, pelo menos até 2021), continua por cumprir.

A sua concretização passa agora a ser a principal tarefa de Miguel Díaz-Canel, um homem que terá sido escolhido e preparado pessoalmente por Castro para prosseguir o “raulismo”. Diz-se em Cuba que, no que tem a ver com a postura e o feitio, os dois homens são muito parecidos: sóbrios e discretos em público, serão mais expansivos em privado, onde manifestam sem reservas a sua paixão pela música. O que lhes falta de carisma, é compensado com eficiência. Mais burocratas do que ideólogos, ambos prezam a disciplina e a ética profissional, e valorizam naqueles que os rodeiam o pragmatismo e a lealdade.

Só no decurso da segunda sessão do parlamento, marcada para Julho, se conhecerá a composição do seu Governo. Díaz-Canel prometeu apresentar nessa altura, os nomes daqueles com quem tenciona trabalhar no Conselho de Ministros. Mas nesta quinta-feira já fez saber que “todas as decisões de maior transcendência serão encabeçadas” na mesma por Raúl Castro. Além de eleger o Presidente, os deputados aprovaram os 31 membros do Conselho de Estado, que crucialmente ainda mantém vários líderes da chamada “geração histórica”, desde logo Ramiro Valdés e Salvador Valdés Mesa como vice-presidentes.

Em Cuba, ninguém espera que a transição do poder crie condições para uma nova revolução. Aqueles que estão a prestar atenção aos acontecimentos — e muitos no país estão indiferentes — lembram que Raúl Castro continuará à frente do Partido Comunista e das Forças Armadas, as duas organizações que determinam as orientações políticas e são responsáveis pela economia, dirigindo o sector produtivo, a banca, o turismo e a distribuição do retalho bem como as importações e exportações do país.

O novo Presidente cubano poderá até ter ideias próprias mas na sua intervenção não anunciou um programa político nem projectou os seus objectivos para o futuro. Aquilo que se esforçou por deixou claro à Assembleia Nacional foi que respeitará as directrizes do partido, e “o mandato concedido pelo povo a esta legislatura foi para dar continuidade à revolução neste momento histórico crucial, que estará marcado pelos avanços que temos de fazer para a actualização do modelo económico”.

Díaz-Canel também prometeu continuidade na política externa. “Nesta conjuntura internacional caracterizada pela crescente ameaça à paz e à segurança, ratifico que a política externa cubana se manterá inalterada. Reiteramos que ninguém logrará no propósito de debilitar a revolução e subjugar o povo cubano. Cuba não faz concessões contra a sua soberania e independência”, frisou, garantindo que na sua presidência “não haverá ruptura com o passado revolucionário” nem “espaço para os que querem a restauração do capitalismo”.

O que diz a oposição

Ainda que exista quem, entre a dissidência cubana, veja em Díaz-Canel mais do que um “fantoche” do aparelho, e esteja disposto a dar-lhe o benefício da dúvida, nota a jornalista Yoani Sanchéz, fundadora do diário digital independente 14ymedio. Ao contrário da geração histórica, nota, Díaz-Canel “não tem sangue nas mãos, não foi responsável pelos fuzilamentos e as confiscações que se seguiram à revolução”.

Mas em geral a oposição ao regime denuncia esta transferência de poder como uma operação de relações públicas, ou pior, um truque de ilusão destinado a distrair a comunidade internacional para que esta não denuncie a natureza autocrática do regime.

No Twitter, por onde circulam mais facilmente as críticas, repete-se desde quarta-feira um refrão: “Díaz-Canel não me representa”. “Porque não foi o povo que votou nele”, ou “Porque queremos mudanças reais e não cosméticas”, enumeram as mensagens. “Ele não me representa a mim nem representa nenhum cubano que queira ser livre. Só representa a cúpula castrista. Não o reconhecemos”, escreve o dissidente Cristian Crespo, da plataforma Cuba Decide que defende a realização de um plebiscito para alterar o sistema eleitoral.

Para Rosa María Payá, a filha do conhecido dissidente Oswaldo Payá, que preside à rede latino-americana de jovens pela democracia, uma transição que deixa no poder um “herdeiro e testa de ferro” de Raul Castro “não constitui nenhuma mudança”. “A mudança só acontecerá quando os cubanos puderem participar nessa escolha”, que terá de ser feita entre vários candidatos e não resumir-se a um voto de “unanimidade totalitária” e “absolutamente anti-democrático” num único nome.

Com Público

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