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Ministério Público investiga ANAC
Sociedade

Ministério Público investiga ANAC

 

Concursos viciados, empresas pagas sem contrato e sem provas de terem prestado qualquer serviço, proteccionismo e milhares de contos em prejuízo para o Estado. A Procuradoria Geral da República notificou o PCA da Agência Nacional de Comunicações (ANAC) para ser ouvido no âmbito da instrução de um processo crime relacionado com os projectos “112” e infra-estruturação Tecnológica da sede da entidade reguladora. E isso é só a ponta do iceberg.

A gestão de David Gomes na Agência Nacional de Comunicações está sob investigação do Ministério Público. No passado dia 17 de Novembro, a Procuradoria Geral da República notificou o PCA da Agência Nacional de Comunicações, David Gomes, para ser ouvido no âmbito da instrução de um processo crime relacionado com financiamentos supostamente ilegais da entidade reguladora.

Em causa, dois projectos, ainda no tempo do anterior Governo, que a ANAC financiou indevidamente, já que, enquanto entidade reguladora e à luz dos seus Estatutos (n.º 3 do artigo 4º), é-lhe proibido exercer actividades fora das suas atribuições nem destinar os seus recursos a finalidades diversas das que lhe estão cometidas. Princípio também estabelecido pelo Regime Jurídico das Entidades Reguladoras Independentes (n.º 2 do artigo 13º da Lei nº 103/VIII/2016, de 6 de Janeiro).

Documentos na posse de Santiago Magazine revelam, por exemplo, que a Agência Reguladora de Comunicações, por resolução ilegal do Conselho de Ministros do anterior Governo – os membros do CA da ANAC são independentes no exercício das suas funções, não estando sujeitos a instruções ou orientações específicas do Governo, como reza o art. 31.º dos Estatutos da agência – arcou com todas as despesas de financiamento do projecto de “Fornecimento, Instalação e Operacionalização da Solução Tecnológica do Centro de Despacho e Coordenação de Emergência – 112”, que é da responsabilidade do Executivo.

Pior do que isso, o concurso público para a contratação da empresa que vai instalar essa tecnologia está envolto em suspeitas de irregularidades e favorecimento, tendo inclusive a ISONE/Técnicas Competitivas movido uma acção judicial contra a ANAC por ter aprovado a proposta menos favorável, apresentada pela empresa norte-americana Intergraph.

Da avaliação da proposta Financeira, constata-se que a Intergraph propôs um orçamento de 123.277.777$00 para instalar o número de emergência único nacional, o 112, enquanto que a Indra Sistemas e a cabo-verdiana TEI apresentaram uma proposta de 202.717,622$00. A ISONE/Técnicas Competitivas entrou com uma proposta de 83.860.458$00, ou seja, 40 mil contos a menos que a da Intergraph, a empresa vencedora.

Mais: ao que Santiago Magazine apurou, com base em documentos do processo, o valor que a empresa Intergraph tinha apresentado na sua proposta financeira no âmbito do  concurso foi de 1.118.013.67 Euros (um milhão, cento e dezoito mil, treze euros, sessenta e sete cêntimos, o que dá 123.277.777$00). Entretanto, o montante que aparece no contrato assinado a  27 de Janeiro de 2015 por David Gomes, PCA da ANAC, foi de 1.178.013.67 euros (um milhão, cento  setenta e oito mil e treze euros, sessenta e sete cêntimos), ou seja, foi aumentado o valor em mais 60.000 € (sessenta mil euros), em relação à proposta financeira da empresa escolhida.

Os documentos mostram ainda que o PCA da ANAC, na qualidade de Co-coordenador do programa do Concurso, assinou uma declaração em cujo cabeçalho aparece o símbolo  da República de Cabo Verde, sem carimbo de lado nenhum, autorizando a subcontratação da empresa MGO para executar todos os serviços previstos no referido concurso e invocando o artigo 11º do Programa de Concurso. Caricato é que esse normativo tem como epígrafe “Condições de Pagamento”, sem nada a ver com subcontratações. Aliás, o artigo 38º do Programa do Concurso estipula que “não é admitida a subcontratação de partes do objecto do presente fornecimento sem o prévio consentimento da entidade adjudicante”.

Como se não bastasse, e de acordo com o dossier a que tivemos acesso, a ANAC tem estado a pagar à Intergraph 10 mil e 500 contos por ano para o serviço de manutenção, feitas pela empresa MGO, sem contrato nenhum e sem provas da prestação desses serviços.

A MGO, por sua vez, estaria, supostamente, a ter privilégios ainda por explicar por parte da ANAC e do seu PCA, em particular. Essa empresa MGO é a mesma que, tendo ficado em segundo lugar no Concurso “Infraestruturação Tecnológica da Sede da ANAC”, fora catapultada para a primeira posição, com invocação de critérios não essenciais e que nem sequer constavam do Caderno de Encargos ou do Programa de Concurso. Processo que também corre seus trâmites no tribunal e junto da ARAP, Autoridade Reguladora das Aquisições Públicas.

Entre outras irregularidades, não consta a deliberação do Conselho de Administração da ANAC que nomeia os elementos que fazem parte do Júri do concurso; existe apenas uma acta da abertura do concurso, onde constam os nomes dos seguintes senhores como membros do Júri do concurso: Paulo Costa da ANAC que preside, Nuno Oliveira, Director de Operações do Serviço Nacional de Proteção Civil, e Carlos Inocêncio, Engenheiro da CVTelecom; não consta a deliberação ou ata do CA da ANAC que aprova o relatório final da avaliação das propostas técnicas e financeiras; e não há a deliberação do Conselho a autorizar a assinatura do contrato com a empresa vencedora, nem tão pouco consta algum elemento de prova que os 2 administradores, Carlos Silva e Valdmiro Segredo tomaram conhecimento do referido concurso.

Por tudo isso, o Ministério Público entendeu haver matéria para instaurar um processo-crime tendo inclusive notificado o PCA da ANAC no dia 17 de Novembro para ser ouvido na Procuradoria.

Santiago Magazine tentou ouvir a versão do PCA da agência reguladora, mas até ao momento não nos foi possível.

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Redação