As crianças do meu país!
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As crianças do meu país!

Nas ruas das cidades, nas estradas e campos, nas praias e encostas do meu país uma situação salta-nos à vista – crianças que estão exercendo algum tipo de atividade remunerada.

O exercício de uma atividade remunerada ou um atividade que direta ou indiretamente, contribui para a renda familiar é uma realidade em Cabo Verde. Tanto é uma realidade, que foi já incluída nas estatísticas que crianças a partir dos 15 anos podem exercer este tipo de atividade, também vulgarmente conhecido como trabalho. Esta situação impele-nos a pensar sobre a ambiguidade que o conceito criança encerra. Define-se uma criança tomando uma das variáveis “idade”, significando com isto que criança é toda a pessoa dos 0 aos 18 anos de idade, pressupondo com isto que a criança goza do direito a viverem a sua infância num ambiente onde os adultos proveem os recursos necessários para a sua sobrevivência e do seu entorno familiar.

 No meu país, muitas crianças trabalham. Trabalham enquanto atores internalizando normas e regras sociais no processo de socialização mas, também, trabalham para complementar a renda familiar. É legal? Certamente não. É legítimo? Socialmente sim.

 Segundo os resultados do Inquérito Nacional sobre o Trabalho Infantil realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE, 2013), 9.666 crianças com idades compreendidas entre 5 e 17 anos trabalham, dessas crianças 8.683 encontram-se em “trabalhos considerados a abolir” e uma maioria expressiva de crianças (74,6%) exerce uma atividade remunerada como “ajuda familiar” sobretudo no sector da agricultura e da criação de gado.

 O trabalho para a internalização das normas sociais conforma-se enquanto um rito de passagem, no processo de socialização, do espaço doméstico para o espaço do trabalho, da infância/adolescência para a fase adulta. A socialização no trabalho inicia-se desde a infância com a participação em tarefas junto com os progenitores e/ou outros familiares, onde a criança enquanto sujeito social que se encontra trabalhando não está apenas fantasiando mas encontra-se num processo de socialização. Ou seja, a trabalhar seus valores sociais e a internalizar regras e normas socialmente estabelecidas. Geralmente, há uma divisão do trabalho por género: as meninas iniciam junto com as mães e os rapazes (principalmente na pré-adolescência) junto com os pais ou outro membro da família do sexo masculino.

O trabalho enquanto apoio para o complemento da renda familiar, geralmente, inclui tarefas que requerem mais tempo e esforço físico, que impossibilitam as crianças de realizarem outras atividades consideradas próprias desta fase – brincadeiras, estudos, etc., e comprometendo, muitas vezes, um futuro que pode(ria) ser diferente. Em regra, essas crianças acabam reproduzindo as trajetórias de vida – pobreza, analfabetismo, etc. – dos respetivos progenitores. 

Necessário é questionar a eficácia das políticas públicas para esta área, o papel das instituições que defendem os direitos das crianças e da responsabilização dos progenitores em relação aos respetivos filhos relativamente ao significado “cuidado com as crianças”.

Urge reflectir e agir para uma história diferente e um futuro melhor para as nossas crianças.

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SOBRE O AUTOR

Carla Carvalho

Editora e colunista de Santiago Magazine, política, socióloga, professora universitária, pesquisadora em género e desenvolvimento

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