• Praia
  • 29℃ Praia, Cabo Verde
Fintar leis. Ou como a CMP transfere activos públicos para privados
Editorial

Fintar leis. Ou como a CMP transfere activos públicos para privados

De como se transfere activos públicos para privados, com base em decisões administrativas armadilhadas, configurando jogos de interesse, ou até mesmo corrupção. O Estado de Direito impõe e defende que às instituições democráticas sejam exigidas o respeito pelas leis, para que o interesse público e a satisfação coletiva sejam cumpridos.

Há um conjunto de factos que apontam para a existência de potenciais situações de corrupção em Cabo Verde. A corrupção que é entendida como uma maneira de violar princípios e agir de forma deliberada para contornar as leis da República e decidir por aquilo que é ética, social e moralmente condenável. Corrupção não é só o roubo praticado pelo cidadão, mas também todo o comportamento lesivo praticado pelos próprios representantes do Estado, sejam titulares do Governo ou das câmaras municipais.

Um destes casos é o que, recentemente, ouvimos no Parlamento com a Ministra da Infraestrutura Eunice da Silva – na qualidade de Ministra do Governo de Cabo Verde, sustentado pelo MPD – a explicar aos Deputados Nacionais como irá fazer para que no chamado PRRA (transferência do dinheiro do Governo para as câmaras municipais) consiga fugir do controlo prévio do Tribunal de Contas. Isto é, um estratagema para lesar o Estado deste nosso país, Cabo Verde!

Uma outra forma de corrupção é aquela que é praticada através dos negócios de terrenos conduzidos pelas câmaras municipais. Neste particular, Santiago Magazine fez um pequeno apanhado dos atos e decisões administrativas da Câmara Municipal da Praia, onde se deduz e parece espelhar como esta autarquia anda a transferir os recursos ou ativos públicos, neste caso terrenos, para terceiros. O apanhado deste diário digital incide sobre dois casos.

O primeiro é o do terreno em Achada Santo António, conhecido por Marconi. O segundo é sobre os terrenos em Quebra Canela. Estes dois casos revelam um esquema que se caracteriza pelo arrastamento no tempo, com deliberações e anulações municipais, em ambos os casos estando a decorrer há já cerca de 12 anos, sem se cumprir nenhum dos objetivos contratualizados.

Em resumo, o que ocorre em relação ao terreno da Marconi é que, em 2015, a Câmara Municipal da Praia faz a cedência deste terreno para a empresa JS-CV para construir um pavilhão desportivo e um edifício multiusos. O mesmo terreno tinha sido vendido em 2008 e anulada a venda em 2011. Há uma agravante. É que em 2018, o Terreno que era 4.900 m2, aparece como sendo 4.559,28 m2, ou seja, 340,72 m2 se esfumaram nessas vendas, anulações e revendas.

Este mesmo terreno é anunciado como estando em concurso, sem nunca especificar qual o valor em que o terreno é avaliado. E após a pressão popular, passou-se a saber que o terreno, não foi mais alienado ao grupo JS-CV. Por isso, fica a pergunta: será mesmo?

No que diz respeito ao terreno da Quebra Canela há um caminho semelhante, em que o primeiro passo consiste na anulação do que já estava feito. Ou seja, a deliberação de março de 2009 anula o contrato de cedência do terreno estabelecido em junho de 2007. É a filosofia de novos negócios! Em 2013 a Câmara Municipal da Praia estabelece as condições para a proposta de constituição de superfície e dá-se a alienação do terreno para a construção de um hotel pela empresa JS-CV.

Logo no ano seguinte é revogada essa deliberação que concedia o direito de superfície para a construção do hotel. Há uma subavaliação do terreno e tudo aponta para que depois destas voltas, a empresa JS-CV esteja na posse do terreno sem cumprir com nenhuma das exigências estabelecidas pela Câmara Municipal da Praia. Assim, são passados ativos do Estado para o enriquecimento de privados

Eis a história, com provas factuais – passo a passo – constituídas por publicações no B.O. É importante ler com atenção cada uma das publicações que se seguem para a melhor clarificação destas duas situações:

PARTE I:Terreno em Achada de Santo António (Marconi)

Atente-se para a forma como foi criada a empresa JS-CV, a sua origem.

Fonte: II Série — Nº 17 «B. O.» Da República De Cabo Verde — 20 De Março De 2013

Em 2011, a CMP e a Cabo-verde Telecom chegaram ao fim de um litígio, em que a CMP pagou 164.154.929,00 CVE.

Fonte: II Série — Nº 17 «B. O.» Da República De Cabo Verde — 4 De Maio De 2011

Em 2014, a CMP anulou uma venda nesse terreno:

Em 2015, a CMP aliena o Terreno Marconi para a empresa JS-CVv(ex: SOMATUR).

Em 2018,o Terreno que era 4. 900 m2, aparece como sendo 4.559,28 m2 (menos 340,72 m2). É anunciado como estando em concurso, sem nunca especificar qual o valor em que o terreno é avaliado. E após a pressão popular passou-se a saber que o terreno, não foi mais alienado ao grupo JS-CV. Será?

O país há de estar atento para ver se o vencedor do “concurso” será a empresa JS-CV. Se for, é mais do que provável que o concurso já estaria bastante viciado.

Neste processo, não estará a Câmara Municipal da Praia, no fundo, a doar a um privado um terreno, que a preço atual do mercado é superior a 150 mil contos? É que todo o lucro ficará para o privado e, quiçá no futuro, o próprio terreno.

Na verdade, isto não é um investimento num centro de desporto: é um centro comercial em que num terreno privilegiado constrói-se mais um rico “empreendedor” à custa de todos nós.

PARTE II. Terrenos em Quebra Canela

Mais uma vez, atente-se para a origem, a forma como surgem os terrenos de Quebra Canela. Eis uma deliberação do ano de 2013. 

Fonte: II SÉRIE — NO 17 «B. O.» Da República De Cabo Verde — 20 De Março De 2013

Em 2014, “são revogadas a Deliberação n.º 11/2013, que concede constituição de direito de superfície de um tracto de terreno para a construção de um complexo hoteleiro e turístico em Quebra Canela à JS-CV-Construção e Investimentos e a Deliberação nº 20/2013, que altera a Deliberação nº 11/2013, de 12 de Março, que concede constituição de direito de superfície de um tracto de terreno para a construção de um complexo hoteleiro e turístico em Quebra Canela à JS-CV – Construções e Investimentos”.

O terreno é avaliado em 106.307.143$00, um valor muitíssimo abaixo do valor real deste Terreno no mercado, com a agravante de a CMP só receber em dinheiro apenas 79,500,000$00. Os restantes “26.807.143,00 CVE em trabalhos de construção civil para as obras de requalificação da frente marítima de Quebra Canela”.

É assim que se apoderam dos activos do Estado, em prol de privados.

 

Fonte: II Série — Nº 31 «B. O.» Da República De Cabo Verde — 4 De Junho De 2014

Resumindo, a partir de agora a JS-CV é dono efectivo de um terreno ultra privilegiado, que se fosse ao leilão público seria uma arrecadação de receita astronómica pela CMP. Porém, neste processo, ficou pelo valor irrisório de 79.500.000,00 CVE.

O Estado de Direito impõe e defende que às instituições democráticas sejam exigidas o respeito pelas leis, para que o interesse público e a satisfação coletiva sejam cumpridos. 

A direção,

Partilhe esta notícia

SOBRE O AUTOR

Redação