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Uma brevíssima biografia político-ideológica do maior morto imortal da Guiné e de Cabo Verde - Sexta e Derradeira Parte
Cultura

Uma brevíssima biografia político-ideológica do maior morto imortal da Guiné e de Cabo Verde - Sexta e Derradeira Parte

JORNADAS DE HOMENAGEM A AMÍLCAR LOPES CABRAL (TAMBÉM FESTEJADO COMO ABEL DJASSI) E DE CELEBRAÇÃO DA AMIZADE ENTRE OS POVOS DE CABO VERDE E DA GUINÉ-BISSAU POR OCASIÃO DA COMEMORAÇÃO DO 97º ANIVERSÁRIO NATALÍCIO DO MORTO IMORTAL, HERÓI DO POVO, PAI DAS INDEPENDÊNCIAS E FUNDADOR DAS NACIONALIDADES - ENQUANTO COMUNIDADES POLÍTICAS NACIONAIS INDEPENDENTES E SOBERANAS- DA GUINÉ-BISSAU E DE CABO VERDE CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A VIDA E A OBRA DO REVOLUCIONÁRIO CABOVERDIANO-GUINEENSE AMÍLCAR LOPES CABRAL OU UMA BREVÍSSIMA BIOGRAFIA POLÍTICO-IDEOLÓGICA DO MAIOR MORTO IMORTAL DA GUINÉ E DE CABO VERDE

SEXTA E DERRADEIRA PARTE

                                                 III

 Amílcar Cabral tornou-se igualmente um símbolo maior dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) em razão da sua rebelde militância no seio da Casa dos Estudantes do Império (CEI), da Casa de África e do Centro de Estudos Africanos, os quais viriam a comprovar-se como fecundos gérmens das organizações nacionalistas para a emancipação política, cultural e social dos então subjugados Povos das colónias/províncias ultramarinas portuguesas no âmbito de organizações políticas autónomas criadas e dinamizadas em cada um dos nossos países ou, excepcionalmente, como no caso de Cabo Verde e da Guiné dita Portuguesa, agregados sob o princípio estratégico da unidade orgânica, mas sempre congregados em amplos movimentos e frentes para a consecução da unidade e luta até à vitória final nas ingentes batalhas para a liquidação total e definitiva do colonialismo clássico nos nossos países afro-lusófonos, primeiramente no quadro unitário do MAC (Movimento Anti-Colonial, fundado em Paris no ano de 1958, em resultado de uma reunião de consulta com a participação de Amílcar Cabral, Viriato da Cruz, Lúcio Lara, Mário Pinto de Andrade e Hugo Azancot de Menezes), mais tarde no seio da FRAIN (Frente Revolucionária Anticolonial para a Independência Nacional, já formalmente integrado pelas organizações políticas nacionalistas e progressistas das colónias portuguesas, entretanto criadas, ou uma das suas componentes, a UDENAMO,  como no caso de Moçambique) e, posteriormente, no quadro da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas), que, depois da conquista das independências e soberanias nacionais dos nossos países africanos, viria a transformar-se na aliança político-diplomática e estratégica dos Cinco PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). 

Como é também sabido, consumada a independência e a soberania políticas de Timor-Leste contra a dominação colonial portuguesa no miraculoso ano pós-25 de Abril de todas as nossas independências e democraticamente reiterada e restaurada em resultado de uma consulta popular referendária,  depois de uma longa e dolorosa luta político-armada contra a ocupação indonésia, e encetados os processos de democratização plena do Brasil, dos Cinco PALOP e de Timor-Leste, viriam esses mesmos países soberanos e independentes a juntar-se ao Portugal democrático e do seu "inteiro e limpo dia” amadrugado no dia 25 de Abril de 974 pela Revolução dos Cravos inaugurada nesse auspicioso dia inicial, no mais amplo  e cada vez mais fecundo e fecundante espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a que depois se juntaria em modo assaz controverso a Guiné Equatorial, antiga possessão espanhola de feições ostensivamente ditatoriais e rosto inegavelmente autoritário, por isso mesmo, sujeita a um (im)preciso roteiro de paulatina oficialização da língua portuguesa, de democratização das suas instituições e de estrita observância dos direitos humanos universalmente consagrados e reafirmados no quadro de um Estado Democrático de Direito, pilares fundacionais essenciais, imprescindíveis e inegociáveis da CPLP.   

                                                    IV

Anote-se que, para além da fundação do Partido Africano para a Independência-União dos Povos da Guiné e de Cabo Verde (PAI-UPGC), desde os seus princípios iniciais e dos seus alicerces fundacionais concebido nos moldes bi-nacionais, pan-africanistas e contra-assimilacionistas do seu pensamento teórico e estratégico, Amílcar Cabral foi um co-obreiro de organizações políticas angolanas primordiais, com destaque para o PLUA (Partido da Luta Unida do Povo Angolano, um dos principais gérmens do futuro MPLA-Movimento Popular de Libertação de Angola), de organizações políticas guineenses germinais (como o MING-Movimento para a Independência Nacional da Guiné) ou unitárias, como a FLGC (Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde) entre  o PAI e os grupos binacionalistas liderados por Rafael Barbosa, os vários MLGC (Movimento de Libertação da Guiné e de Cabo Verde), sendo os mais conhecidos os de Bissau, de Dakar e de Conacry,  e a FUL (Frente Unida de Libertação), congregadora dos vários movimentos independentistas da Guiné Portuguesa e de Cabo Verde actuantes nessa altura em Dakar, incluindo a UDC (União Democrática das ilhas de Cabo Verde), para além de ter proficuamente colaborado  nas actividades clandestinas e semi-legais de organizações políticas antifascistas portuguesas, com destaque para o MUD (Movimento da Unidade Democrática)-Juvenil, que considerava aliadas essenciais e imprescindíveis na tarefa essencial e específica que cabia aos Movimentos Africanos de Libertação Nacional e que consistia na liquidação do colonialismo português e na conquista das independências e soberanias nacionais dos nossos países africanos. 

V  

Indefectível e intransigente amante das criaturas humanas, com especial destaque para as crianças que qualificou e celebrou como as flores da Revolução e a razão principal da nossa luta; cioso admirador das culturas e das civilizações de todos os horizontes espaciais e temporais, na sua diversidade  e na sua correlativa equivalência humana; apóstolo da libertação dos povos oprimidos e da emancipação das classes sociais e dos seres humanos subjugados pela exploração, pelo medo, pela ignorância, pela miséria e pelas quotidianas humilhações e propugnador da emergência nos nossos países africanos de culturas nacionais (no caso da Guiné-Bissau necessariamente multi-étnicas e no caso de Cabo Verde necessariamente acolhedora das diferenças regionais e das diversidades insulares), populares, científicas, humanistas e universais, com a devida valorização dos aspectos positivos das culturas dos outros, incluindo do outro colonial, ao tempo dele e no outrora de agora opressor, Amílcar Cabral foi um acérrimo defensor da valorização das línguas nacionais africanas, com especial destaque para a nossa língua crioula, comum à Guiné-Bissau e a Cabo Verde, paralelamente com a intransigente e inteligente promoção da língua portuguesa, enquanto "melhor herança deixada pelo colonialismo português" e, assim entendida, como co-privilegiado  meio de comunicação e de acesso à ciência, à técnica, ao saber erudito e à "civilização do universal", bem como do cada vez maior entrelaçamento dos laços de amizade, de fraternidade, de cooperação e de cumplicidade entre todos os nossos povos lusófonos, tendo por isso granjeado o respeito e a admiração de todos quantos, sem renunciar às suas identidades culturais próprias nas suas componentes essenciais, também têm a língua portuguesa como património irrenunciável e instrumento de desenvolvimento e de progresso social e nacional dos nossos diversos povos. 

                                                   VI

Não obstante o fracasso e a falência pós-coloniais do princípio da unidade Guiné-Cabo Verde (permanecendo todavia como aquisição teórica e espiritual certamente genial do ponto de vista político-estratégico para a conquista das nossas independências políticas e soberanias nacionais (sendo, neste contexto, muito relevantes e dignas de realce os seus efeitos preparatórios na produção da catarse cultural desalienante e anti-assimilacionista nas elites culturais emancipalistas do Povo das Ilhas, e, até, para a definitiva libertação do povo português do obsoleto, longevo e duradouro regime colonial-fascista de matriz salazarista/marcelo-caetanista bem como para a aceleração tanto da nossa História comum como das nossas Histórias nacionais) e do correlativo e nunca completamente implementado projecto de União Política Orgânica entre os nossos dois Estados independentes e soberanos, os Povos da Guiné e de Cabo Verde estão cientes e têm plena consciência que, fundado nos laços históricos e de sangue e nas suas duas línguas comuns (o crioulo e o português), sempre fundamentado nos sucessivos momentos históricos da longa e dolorosa odisseia da emancipação cultural, cívica e política dos nossos povos afro-atlânticos e oeste-africanos (afro-ocidentais) e alicerçado na complementaridade das geografias, das ecologias, das economias e dos modos de existência das nossas sociedades, a luta dirigida por Amílcar Cabral pôde fecundar “nas terras dos nossos avós” e fazer resplender com os símbolos nacionais esses saborosos e imperecíveis frutos que são as nossas independências políticas e as nossas soberanias nacionais.

É sobre esses alicerces independentes e soberanos que se tornou possível e factível o seu desejo, sempre renovado, de construir nos nossos respectivos países africanos sociedades de liberdade, bem-estar, prosperidade e felicidade, em que o poder político se deve caracterizar por ser "um poder do povo, pelo povo e para o povo", isto é, um poder genuinamente democrático, fundado no respeito pleno pela dignidade da pessoa humana, baseado na soberania popular, controlado por vias democráticas e legitimado na intransigente defesa dos interesses do povo no seu todo, com especial consideração das mais amplas camadas populares.  

Hoje, importa sobretudo cultivar a amizade e a fraternidade  entre os nossos Povos  africanos para melhor honrarmos a memória do nosso comum Herói de referência que Amílcar Cabral foi, continua a ser e permanecerá para todo o sempre das nossas Histórias resgatadas no seu livre desabrochar e no seu livre desenvolvimento e fazermos florescer o que ele, o nosso comum Maior Morto Imortal da Guiné e de Cabo Verde, nos legou, como herança imorredoura: a indestrutível amizade entre os nossos dois povos africanos, entre as nossas comunidades políticas independentes, entre a nação africana forjada na luta e a nação afro-crioula e afro-atlântica soberana.                                   

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/José Luís Hopffer Almada/

Membro-Fundador e Membro Efectivo (Correspondente)

da Academia Cabo-Verdiana de Letras (ACL)

 e da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC)                   

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