Há lodo no cais II
Colunista

Há lodo no cais II

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Começa hoje a discussão parlamentar do orçamento do Estado para 2021, na modalidade conhecida por especialidade. É um orçamento de 78 milhões de contos e o sexto de um governo eleito para 5 anos. Se tomarmos o retificativo de 2020, que realmente se transformou num novo orçamento, estaremos a falar do sétimo para 5 anos de mandato. Este facto, por si só, já é obra. A história não regista um governo que tenha tido essa performance – ou será sorte? - no mundo inteiro.

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Um conhecido provérbio português sugere que não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe. Ora, Ulisses Correia e Silva percebeu que, afinal, governar é satisfazer as necessidades coletivas. Lembrou, finalmente, do povo. E, em 2021, ano das eleições, o ilustre primeiro-ministro quer resolver os problemas das famílias cabo-verdianas. Efetivamente! Quase 56 meses após ter sido empossado para solucionar os problemas do país e garantir felicidade aos cabo-verdianos, nos termos do seu programa sufragado nas urnas. E traz consigo uma ilustre convidada - a pandemia Covid-19. O novel ministro da Família e Inclusão Social, Fernando Elísio Freire, ontem empossado, afirmou já, com ares de sentida solenidade e misericórdia, o seguinte: “proteger, apoiar e estar próximo. Não falharemos a quem mais necessita. Num dos momentos mais difíceis da história democrática do nosso Cabo Verde, tenho a honra e a responsabilidade de assumir a partir de hoje as políticas públicas de Inclusão Social e da Família”. É o coro. A orquestra está afinada, e a partir de agora, é preparar para absorver a música que há de vir. A líder da bancada parlamentar, Joana Rosa, já vinha cantando que o “orçamento de Estado para o ano 2021 vem dar respostas necessárias às questões sociais, fortemente afetadas pela pandemia”.

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Ilustríssima, essa pandemia! Surgiu em hora certa, para servir de pau para toda a obra ou tábua de salvação para quantos gatinhavam por aí a ver se conseguissem encontrar uma saída para honrar a palavra dada. Não tivesse surgido, certamente algum “esperto” havia de inventá-la. Por cá, por exemplo, o país passou por situação de seca severa, os campos das ilhas despiram-se completamente, os animais morreram por falta de pasto, criadores foram obrigados a se desfazerem das suas crias a preços de banana, os agricultores viram as suas plantações consumidas pela escassez de água, todavia, não se viu, nem se ouviu, o governo a falar em “proteger, apoiar, estar próximo”. O que se viu e se ouviu, é o primeiro-ministro a anunciar, no parlamento, ter conseguido 10 milhões de dólares junto dos parceiros internacionais de Cabo Verde, para mitigar os efeitos da seca, a que se seguiram a distribuição dos vales cheques no valor facial de 300 escudos, os créditos para salvamento de gado nos organismos de microcredito e os empregos públicos sazonais, em que uma pessoa trabalha 15 dias e outra trabalha os outros 15, a preços diários de 230 escudos, muito aquém do salário mínimo em vigor no país.

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Milagrosa, essa pandemia! Dir-se-ia que se fez a varinha mágica que, finais de 2017, princípios de 2018, Ulisses Correia e Silva havia lamentado não ter. Não é então que, hoje, esta surpreendente “compagnon de route” do governo parece ter conseguido a tão esperada felicidade que desde 2016 os cabo-verdianos aguardavam, pois, é ela quem responde e responsabiliza pelo desemprego jovem, pelo caos em que se encontram os transportes aéreos e marítimos, pelas desigualdades sociais, pela derrapagem das finanças públicas, pelo agravamento da dívida pública, para além de garantir água e energia gratuitas para as famílias de baixa renda, isenção da taxa moderadora no acesso á saúde, cestas básicas e demais bens de primeira necessidade, colocando um coro novo na boca dos rabentolas, onde o aforismo de serviço é “apoiar, proteger, estar próximo”. Pelo menos até março, abril de 2021. Num estalar de dedo, um governo amigo das empresas, dos empresários, se fez amigo do povo. Efetivamente, há lodo no cais!

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