Isto vai mal! Decididamente não estamos no “caminho seguro”. A Binter passou à história e com ela os 39 por cento que devia pagar aos cabo-verdianos pela exploração dos transportes aéreos domésticos, em regime de monopólio. A CVA é o que se sabe - mantem-se fechado até novas ordens da Islândia. Literalmente estamos no meio do mar, a acenar para o vento. Vem a Bestfly de Angola, por seis meses, a ver se se acerta. Isto está que nem jogo de rifa. Que Deus nos acuda na sua infinita Misericórdia!
O nosso país está literalmente perdido no meio do mar. Não tanto porque é constituído por um conjunto de ilhas espalhadas no oceano atlântico. Não! Cabo Verde está perdido no meio do mar, porque já não possui os meios de transporte necessários para se fazer ao mundo, e para ligar as ilhas entre si.
O cabo-verdiano nunca se deu por vencido perante os constrangimentos naturais, resultantes da localização geográfica, clima e insularidade do seu país. A história desta nação é rica em estratégicas e ações, visando romper os limites das ilhas, explorar novos horizontes, e povos, e línguas, e riquezas.
O mar está em todas as páginas da nossa história, destacando-se a sua dupla função - símbolo do cativeiro e estrada para evasão, para liberdade. O cabo-verdiano sempre atravessou o mar, ou para descobrir a ilha vizinha, ou para perseguir o sonho de terra longe. E esta investida contra o cerco do mar é, com a luta contra as estiagens, o poder colonial, as pestes e fomes cíclicas, seguramente das maiores sagas de um povo que sobreviveu a séculos de privações e afrontas de todo o tipo.
E se ontem Cabo Verde conseguiu fazer-se ao mundo, usando, com talento e sabedoria, as tecnologias e ferramentas então disponíveis, por maioria de razão este arquipélago não poderá admitir as privações que uma desastrosa política ultraliberal estará a tentar nos impor hoje, em pleno século 21, sem quaisquer laivos de transparência, de competência e de bom senso.
A concessão da exploração das linhas aéreas domésticas à Binter esteve sob suspeição, desde o primeiro dia em que foi anunciada. Sobretudo porque o governo esquivou-se sempre em prestar esclarecimentos ao país sobre os atalhos do negócio.
Certo dia, face a uma forte pressão da oposição durante uma sessão parlamentar, o chefe do governo disse não haver contrato entre o Estado de Cabo Verde e a Binter.
É certo que esta afirmação do Ulisses Correia e Silva foi recebida como um escândalo em todo o país. Naturalmente que vivendo num estado de Direito, todos os negócios públicos devem ser discutidos e contratualizados nos termos da lei.
Porém, de escândalo em escândalo, o certo é que a Binter continuou o seu negócio nas ilhas. Subiu o custo dos bilhetes para preços incomportáveis, recusou socorro a pacientes que precisavam viajar para outras ilhas em busca de saúde, tendo provocado a morte de uma jovem parturiente, ameaçou o governo com suspensão de voos quando precisou que este lhe abrisse os cordões à bolsa… tudo numa atitude de quem não deve cavaco a ninguém.
Pode-se dizer que o governo teve azar nessa concessão. É o caminho mais fácil, o da vitimização. Ou do fatalismo. Porque trazer aqui a ideia da incompetência, do amadorismo, ou mesmo da corrupção neste negócio, será certamente, para certas almas mais sensíveis, expressões de antipatriotismo, complexo de comunista desencantado com a beleza do liberalismo económico e das suas sacrossantas virtudes.
De modo que, a saída aqui pode ser apenas a esperança numa boa resposta do tempo, este juiz que nunca falha.
A CVA está no mesmo processo. Dinheiro e mais dinheiro, que nunca mais chega. Continua fora do circuito comercial. Um dos Boings, que se encontrava na longínqua Islândia, chegou dois dias antes das eleições legislativas. Ninguém sabe para quê e a troco de quê. O que se sabe, é que Cabo Verde continua a contar com o socorro da TAP e SATA para se ligar ao mundo.
Que é uma situação caótica, vergonhosa e humilhante, é! Que alguém terá de responder por isso, não restam dúvidas. Hoje ou amanhã, pois, a culpa não irá morrer solteira. Com certeza! O cabo-verdiano nunca deixou os seus méritos em mãos alheias. Quem deve vai pagar. Cedo ou tarde.
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