“É preciso resistirmos ao reabastecimento do fanatismo”
Ponto de Vista

“É preciso resistirmos ao reabastecimento do fanatismo”

O País deve estar acima de quaisquer interesses, pessoais, de grupo ou circunstanciais, acima de qualquer partido ou força política. O legado histórico, o respeito para com os cidadãos, para com o país, para com as gerações vindouras são valores soberanos, daí sermos todos, sem exceção, convidados a defender a Nação e a precavermos contra intentos no sentido da sua instrumentalização.

O papel das instituições publicas, das instituições políticas deve ser o de interpretar os anseios, as vontades e as necessidades dos CIDADÃOS e traduzi-las em projetos e programas de desenvolvimento, que criem oportunidades iguais para cada de um de nós.

Neste quadro, os interesses gerais de uma nação devem ser o diapasão que dita os caminhos que devemos escolher, pelo que o poder deve ser exercido:

a)      Com dever de isenção, coibindo os titulares de retirarem vantagens, diretas ou indiretas, das funções que exercem;

b)      Pelo dever de imparcialidade, portanto, da equidistância relativamente aos interesses em jogo, abstendo-se de ser parte de disputas entre sujeitos terceiros, seja por ação, seja por omissão;

c)       Pelo dever de prossecução do interesse público, de forma consistente e rigorosa, em defesa e respeito pela constituição e demais leis da república, incisivamente, no que toca à gestão e ou afetação dos recursos públicos.

Em Cabo Verde, julgando pela prática do exercício do poder, seja no tocante ao Governo Central, seja na Administração Municipal, isto não ocorre. Impera a discricionariedade e a opacidade, a ponto de corroer a normalidade das relações entre os eleitores e os eleitos e aqui, permitam-me, ter que questionar quanto ao papel que cabe a cada um de nós munícipes e cidadãos da Nação, enquanto atores políticos inquestionáveis e com elevadas responsabilidades, pelo dever, senão mesmo, obrigação de contribuir no sentido da reposição da normalidade do ponto de vista da gestão da coisa pública e salvaguarda dos interesses da coletividade.

Como dizia Hans Hubber: “O poder discricionário é um verdadeiro “cavalo de troia” no centro da administração num Estado de Direito”, entendendo “cavalo de troia” como um engodo destrutivo, uma espécie de vírus, contaminando o sistema, em toda a sua extensão e capilaridade, levando a que, legitimamente, se questione quanto ao móbil daqueles que, ainda que pelas vias do sufrágio, se apoderam do estado e dos recursos públicos, usando-os como se de tributo próprio se tratasse.

Vivemos momentos conturbados da nossa tenra democracia, marcantemente, nos dias que correm, de ímpeto populista, em que se dispõe do poder com o objetivo único de se perpetuar no poder, numa sequência lógica de conveniências em detrimento de questões estruturantes, no que toca à vida do país, onde regras, normas e valores delimitam-se, na sua prática e observância, em função dos interesses em jogo ou dos sujeitos que os corporizam.

Neste imbróglio todo, as disfuncionalidades e as atrocidades administrativas (por assim dizer), as fraquezas sistémicas, os problemas e necessidades que afligem a população transformaram-se em mercadoria objeto de traficância ou de influenciação em proveito próprio, num quadro em que a credibilidade institucional vai caindo a pique e em que, consequentemente, a autoridade do Estado é colocada em risco, avolumando-se a onda de indignação no seio da sociedade civil.

Mas não se fica por aqui, testemunha-se a caça às bruxas. Quem ousar posicionar-se é literalmente objeto de chacina política ou objeto de desvirtuamento relativamente à bondade das respetivas intervenções ou posições assumidas, seja em circuitos fechados, seja em publico, vergando a meritocracia e a competência à implacabilidade da máquina de ostracização colocada a todo o vapor, definhando a sociedade civil e as suas formas de representatividade.

Caro Concidadão

Hoje é mais do que questionável quanto à existência de condições objetivas de manutenção da confiança nas atuais lideranças que se revelam impotentes em relação aos grandes desafios do País, mormente no momento de crise que atravessamos hoje, com agravante iminência do desfalecimento do capital de credibilidade e confiança nas próprias instituições do Estado.

O enfoque, lamentavelmente, do ponto de vista tático, tem sido no sentido de desmoralização das pessoas e da sociedade civil em geral, empreendendo forte perseguição política e económica contra aqueles que se mantém leais à causa da liberdade, da democracia e do desenvolvimento harmonioso e inclusivo.

O País deve estar acima de quaisquer interesses, pessoais, de grupo ou circunstanciais, acima de qualquer partido ou força política.

O legado histórico, o respeito para com os cidadãos, para com o país, para com as gerações vindouras são valores soberanos, daí sermos todos, sem exceção, convidados a defender a Nação e a precavermos contra intentos no sentido da sua instrumentalização.

O sucesso de uma Nação também é medido pela qualidade e pela quantidade de soluções que são colocadas à disposição dos cidadãos numa altura de crise como esta que atravessamos. Ficou-nos a dolorosa constatação de que o sistema de governança patrocinado pelos partidos do arco do poder, a que estamos submetidos nas últimas décadas deixa uma larga franja da sociedade de fora, sem oportunidades, sem habitação, sem saúde, sem alimentação, sem voz.

A defesa e a luta pelo desenvolvimento não podem se resumir a eternas lutas entre os dois partidos do arco do poder. É preciso resistirmos ao reabastecimento do fanatismo, exigindo uma atuação que garanta oportunidades iguais a todos os cidadãos sem discriminação, muito menos discriminação política.

É preciso resistirmos ao reabastecimento do fanatismo exigindo uma atuação que do ponto de vista político, possa garantir o único princípio que importa – “A soberania do homem sobre si mesmo. A soberania do Eu sobre o EU a que chamamos de liberdade.”

Em suma, precisamos exigir uma atuação que evidencie uma rutura radical com o modelo ao qual estamos submetidos, que evidencie um discurso que saia do círculo vicioso habitual, que se dirija verdadeiramente e diretamente aos cidadãos, um discurso diferenciador pelo seu nível e pelo seu registo.

Uma nova condição social, económica e cultural.

 

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