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“Não devemos sentar à sombra da bananeira e deixar alguém pensar por nós e decidir por nós”
Entrevista

“Não devemos sentar à sombra da bananeira e deixar alguém pensar por nós e decidir por nós”

Palavras de Virgínia Dias, cabo-verdiana, emigrante em Portugal há 18 anos, activista social e política, candidata municipal nas eleições autárquicas de 2017 no concelho de Seixal pelo Partido Socialista. Partilha com Santiago Magazine os desafios e as oportunidades de participar do “espaço público e político” enquanto mulher e emigrante em Portugal.

Santiago Magazine – Este é o seu curriculum público. Mas, conta ao Santiago Magazine quem é a Virgínia Dias?

Virgínia Dias – Assim como disse, sou imigrante há 18 anos em Portugal. Desde muito cedo senti que podia dar o meu contributo a nível comunitário e social, nasci numa família muito religiosa onde os valores humanos estavam acima de tudo. Muito cedo ajudava na minha paróquia (em Calheta São Miguel) com a Cáritas Cabo-verdiana, os Escuteiro, etc. Fui militante do PAICV desde 1989, sempre dediquei de corpo e alma a tudo o que me era confiado. Quando cheguei a Portugal, em primeiro lugar, procurei integrar na comunidade paroquial, a seguir, junto dos meus familiares tentei saber qual era poder local instituído na minha localidade e a sua política.

Virgínia Dias é uma mulher de acção. Como é que entrou na política num país estrangeiro?

Gosto de estar informada, por isso logo que cheguei aqui, procurei informar-me e tive muitas  informações a nível comunitário, social e religiosa. Disponibilizei a dar o meu contributo e assim devagar comecei a engajar na comunidade. Com as várias informações, fui na primeira hora simpatizante de PS, mas sem saber onde chegava. Tudo tem o seu tempo. Um belo dia na campanha autárquica vi o Samuel Cruz – candidato do PS à Câmara Municipal do Seixal nas eleições autárquicas de 2013 – e mais camaradas numa campanha através das redes sociais num bairro vizinho, dei o meu Gosto e opinião e a partir dali entraram em contacto comigo e perguntaram se eu podia ajudar e dar a minha colaboração. Aceitei e até hoje sinto que a nossa comunidade africana é sempre bem-vinda e estimada para o grupo de trabalho do PS local e nacional.

Entre várias existências e realidades que a Virgínia encarna e vive, duas condições a caracterizam: mulher e emigrante. Como é participar enquanto mulher da política num país estrangeiro?

Pois, como sabe não é fácil conciliar estas duas coisas, mas quem corre por gosto nunca cansa. Gosto muito do que faço, sinto-me feliz por ser útil e ajudar o país que me acolheu e dignificar o país que me viu nascer e me educou. Ser emigrante para mim é uma missão e a missão deve ser cumprida, como diz no livro de Eclesiastes “há tempo para tudo... até para morrer”. Ser mulher é ser uma missionária onde temos um dom que Deus nos deu de graça e devemos fazer valer, em casa, no trabalho, na comunidade. Conseguimos fazer muita coisa ao mesmo tempo é só crer. Nunca deixei de cumprir os meus deveres como mãe, esposa e militante porque também tenho um grande apoio e um amigo de toda hora que é o meu marido e filhos, eles sabem o que eu gosto e estão sempre disponíveis a me acompanhar em tudo, mesmo com alguns problemas que possam existir no dia-a-dia, estão sempre comigo juntamente com os meus familiares.

«Uma mulher é sempre vista por muitos como uma limitação, mesmo no seio das próprias mulheres há muitas que não compreendem e nem querem compreender, e dizem mesmo “não tenho tempo para compreender isso é muita coisa junta”.»

Como surgiu essa oportunidade de integrar a lista do Partido Socialista para a Assembleia Municipal em Seixal nestas Eleições Autárquicas de 2017?

Como disse, já conhecia o Eduardo Rodrigues de outros encontros profissionais, da paróquia e nas campanhas. Ele é vereador da Câmara Municipal do Seixal pelo PS. Ele convidou-me a integrar a lista. Antes de acabar de gerir e comentar com o meu marido, ligou-me e eu disse que queria fazer só duas perguntas: “porquê Eu”, ele disse “porque és útil para a tua comunidade, precisamos de ti e de vocês todos para trabalharmos juntos, para o bem de todos”. Depois disse-lhe para esperar, primeiro tinha de falar com a família e pessoas mais chegados a fim de ouvir conselhos e opiniões, isto é uma responsabilidade muito grande. Falei com meu marido e familiares próximos, e decidi aceitar e assim foi.

Além da sua participação política-partidária no PS, em Portugal, sei que também participa da política-partidária no PAICV, em Cabo Verde. Como lida com essas duas realidades tão próximas – historicamente falando – e tão diferentes – culturalmente falando?

Portugal sempre foi nosso segundo país, eles conhecem bem a nossa história, realidade e cultura, nunca tivemos problemas de integração, temos a mesma língua, opiniões e cultura muito parecidas. Aliás fomos colonizados pelos portugueses então automaticamente somos “irmãos”. A nossa amizade e integração se devem a todos os partidos e à sociedade em geral. No campo cultural nunca houve problemas, até porque a nossa Cultura é bem conhecida no mundo, graças aos nossos heróis nacionais e aos nossos artistas (músicos, literatos) que souberam levar e bem a nossa cultura e o nosso país para os quatro cantos do mundo.

Que desafios e dificuldades está a enfrentar neste tempo tanto com os seus patrícios cabo-verdianos como com os portugueses?

Muitas vezes mais difícil é lidar com o que é nosso, há sempre falta de compreensão e de interesse, principalmente em relação ao mundo da política. Não é fácil e nem vai ser. Uma mulher é sempre vista por muitos como uma limitação, mesmo no seio das próprias mulheres há muitas que não compreendem e nem querem compreender, e dizem mesmo “não tenho tempo para compreender isso é muita coisa junta”. Estou num país europeu onde tudo devia ser muito mais fácil se houvesse mais compreensão, mas não sei porquê muitas vezes sinto uma mágoa profunda por ver poucas mulheres interessadas no mundo da política. As poucas com têm interesse são esmagadas, tanto no grupo comunitário como no mundo político. Isto tem de mudar, as mentalidades devem ser mudadas. Os portugueses já mudaram muita coisa, mas ainda falta muito para ser mudada. Ainda se vê numa sala de reunião com 10 pessoas, 8 são homens e 2 mulheres, mas porque será?

Como foi a sua integração em Portugal?

A minha integração em Portugal foi muito boa. Não tive grandes problemas, porque já estava preparada que não seria fácil a nova vida. Também encontrei amigos e família que me apoiaram e ajudaram muito. Senti-me em casa. Nas primeiras semanas foram de muita cautela, fase de integração e exploração, tentar conhecer os outros e a nós – cabo-verdianos – mesmo.

Disse que começou essas lides no espaço público com a sua intensa participação nas actividades da Igreja Católica. Como este espaço te permitiu integrar e conquistar outras arenas?

Uiii, agora é que é... (Risos)... sim quando gostamos de uma coisa não tem como não fazer; como disse e bem o Papa Francisco, "a Igreja e a política devem andar de mãos dadas porque é o bem comum". Se pararmos no tempo para pensar, certamente chegaríamos à conclusão que não devemos esperar para que alguém nos convide a ir para uma igreja rezar, ou ir a um encontro partidário para discutir o que é nosso. Não devemos sentar a sombra da bananeira e deixar alguém pensar por nós e decidir por nós, se calhar seria mais fácil mas não é bom. Uma sociedade só evolui quando todos darem o seu contributo. Sempre fui decidida em tudo que eu faço, antes de tomar qualquer decisão, peço conselhos e opiniões. É isso que me faz uma mulher como sou e certa das minhas decisões. Muitas vezes as minhas colegas mais conservadoras não me compreendem, porque se calhar ainda não me conhecem bem. Sempre tive cuidado de programar a minha vida pessoal, familiar, política e religiosa para que nenhuma parte fique em défice para comigo. Não permito que ninguém me corte as pernas onde quero ir e nem de voar para onde consigo chegar ou sonhar onde posso acordar. Por isso, respeito os outros e faço ser respeitada.

Ao contrário de várias outras mulheres emigrantes cabo-verdianas, não se limitou ao espaço do trabalho e da casa mas tem tido uma participação pública e política intensa. Ao conseguir “furar” esta barreira, acha que a comunidade cabo-verdiana e as mulheres, em particular, se sentem representadas na Virgínia?

Sempre tentei dar o máximo de mim em tudo que faço, nunca esperei para ninguém, a minha maneira de ser não consegue esperar muito, principalmente quando pessoa não quer ou quer experimentar. Acho que represento um pouco as mulheres cabo-verdianas sim, mas juntamente com as minhas colegas e camaradas porque ninguém consegue ser nada sem ajuda dos outros. É por isso que em todo grupo deve haver uma equipa.

Tem sido uma voz activa a favor das mulheres e dos cabo-verdianos, em geral, trabalhando pelas causas do desenvolvimento através da participação política e do associativismo. Porque acha que os imigrantes, e as mulheres em particular, têm pouca participação pública e política?

Nós próprias, as mulheres, muitas vezes achamos que não somos capazes, devemos valorizarmo-nos muito mais. Muitas vezes a vida não nos ajuda mas se fizermos esforço e crermos conseguiremos estar em todo lado para dar o nosso contributo. Como disse, ser imigrante é também ser missionário, se cada um cumprir a sua missão não resta nada para alguém fazer. Sinto que muitos gostam de reivindicar mas não gostam de cumprir o seu dever e direito. Por exemplo, as pessoas não rezam, mas dizem que Deus não lhes ouve ou não gosta delas… as pessoas não recenseiam, não votam, mas falam mal dos Governos e da governação, enfim... Não canso de dizer aos meus patrícios “cumpramos os nossos deveres para podermos exigir os nossos direitos”. Quem não cumpre, não tem direito à exigência. A propósito, faço um apelo aos meus patrícios cabo-verdianos para recensearem e terem a possibilidade e oportunidade de votar nestas eleições autárquicas de 2017 e escolher seus representantes. O recenseamento vai até 1 de Agosto.

Acha que a “cultura machista” de que lugar de mulher é em casa e num espaço não “público político” tem impossibilitado as mulheres de participarem do espaço público e político em Portugal?

Sim, um pouco, mas agora o mundo está mais aberto, muitas vezes  nós as mulheres é que não queremos participar, porque se exigirmos, claro que sim, os homens aceitam. Em Portugal ou em qualquer parte do mundo onde estejam os homens queremos estar sempre atrás, mesmo dentro de casa é homem que manda, mas sempre devemos fazer ver e sentir a nossa capacidade, porque assim seríamos mais fortes. Os homens não são bichos-de-sete-cabeças, eles entendem e gostam de ter mulheres capazes de estar a contribuir e fazer tudo que é bom e melhor, eles ficam contentes, basta saber dialogar.

«Acho que represento um pouco as mulheres cabo-verdianas sim, mas juntamente com as minhas colegas e camaradas porque ninguém consegue ser nada sem ajuda dos outros. É por isso que em todo grupo deve haver uma equipa.»

E os jovens descendentes de cabo-verdianos – da segunda e inclusive da terceira geração – porque não têm participado da política? O que os inibe?

Há um ditado que diz “Casa dos pais são escolas dos filhos”. Muitos vêm que a política é um bicho de sete cabeças, muitos pensam que políticos não são pessoas normais como qualquer um, porque o mundo aprendeu a dizer mal de tudo e de todos, e todos ficamos cegos de olhos arregalados, pensamos que é só os outros é que fazem mal. Na minha casa todos vão para missa, catequese, coro, convívios, encontros paroquial e partidária, todos são militantes do PAICV e PS, nada a temer. Se todos os pais incutirem a boa prática social, comunitária e religiosa nos seus filhos não haveria défice de nada no mundo.

É mulher, profissional, mãe, esposa, activista social, militante partidária, católica praticante. Onde encontra inspiração e força para fazer tudo o que já nos contou?

Em primeiro lugar, é na oração que encontro a minha força e paz espiritual, segundo lugar nos meus filhos e marido que estão sempre comigo em tudo e sempre, muitas vezes cansada mas não sinto cansaço, eles me ajudam em tudo, cada um tem o seu dever aqui em casa e os direitos são de todos. Depois, sempre senti integrada junto com os meus camaradas, tanto de PS como do PAICV, sempre dispensamos apoios uns aos outros, desabafamos muito. Sinto-me sempre bem acompanhada e isso é muito bom na vida social, comunitária ou partidária, sem esquecer dos colegas dos grupos da igreja, sempre em União e Oração.

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SOBRE O AUTOR

Carla Carvalho

Editora e colunista de Santiago Magazine, política, socióloga, professora universitária, pesquisadora em género e desenvolvimento