Raquitismo nacional. Que dizer de um país que não cuida dos seus jovens?
Editorial

Raquitismo nacional. Que dizer de um país que não cuida dos seus jovens?

Quando mais de 60% da força de trabalho nacional – os jovens – buscam o caminho da emigração, significa que a nossa soberania está em perigo. Que futuro terá um país sem os seus jovens? Que dizer de um país que não cuida dos seus jovens? Quando, 50 anos depois da independência, ainda estamos a discutir o que fazer com o nosso espaço marinho, curiosamente a parcela maior do território nacional, significa que a nossa maturidade como nação, como país, ainda é raquítica. É urgente o nosso crescimento em obras, palavras e pensamentos.

A partilha do poder entre dois partidos políticos que vem caraterizando a democracia cabo-verdiana desde o advento do pluripartidarismo em Cabo Verde, há mais de três décadas, bem que poderia ser uma oportunidade para termos governos fortes, credíveis e estáveis, mas não tem sido assim. Antes, tem sido uma oportunidade para instalações sazonais da ditadura das maiorias eleitorais, num ambiente de bipolaridade insana, dividindo a nação entre os que não são como nós e os que pensam como eles, bem na linha do pensamento único, com elevados prejuízos no processo de desenvolvimento do país e pesados custos para os investidores, os empresários e a população. Sobretudo a população!

Ninguém está satifeito com o desenvolvimento de Cabo Verde. Nem mesmo aqueles que, em certos momentos e espaços, defendem que estamos no “caminho seguro”.

Cabo Verde está, sim, num caminho sinuoso, podendo a todo o tempo resvalar-se para o precipicio e o descrédito popular. Os estudos de opinião divulgados nos últimos dois meses pela Afronsondagem não deixam dúvidas. O descrédito da classe política e dos políticos é cada vez mais acentuado no seio dos cabo-verdianos. A confiança na administração do país está em queda livre, e as consequências estão sendo sentidas em vários níveis – a fraca participação nas eleições e a debandada dos jovens para o exílio são exemplos de um drama social e político há muito anunciado.

A ideia de que falta um genuino interesse da classe política e dos políticos no equacionamento, planeamento e concepção de políticas públicas está a vincar-se na sociedade, e isto é sobremaneira preocupante na medida em que sem a confiança entre as lideranças e os liderados o país não avança e a insanidade pública ganha peso e espaço na configuração da participação das pessoas e organizações sociais no processo de desenvolvimento nacional.

Com efeito, sem uma efetiva participação popular nas diferentes etapas e cadeias da gestão política e administrativa do Estado, o país enfraquece e as maiorias conjunturais se enclausuram em torno de interesses privados, muitas vezes pessoais, distanciando-se seletivamente das reais demandas da coletividade, e assim, os legitimos sonhos dos cabo-verdianos vão se adiando, atrofiados pela impenitência e implacabilidade que a satisfação das necessidades básicas da sobvrevivência quotidiana decretam e impõem.

Como comer é preciso, num ambiente de penúria, salários insignificantes e custos de vida elevadíssimos em que vivemos, colocar a panela ao lume, pelo menos uma vez ao dia, é a prioridade sobre todas as prioridades. Passar o dia de hoje vivo é o que importa. Amanhã, se chegar, é um novo calvário. Viver da mão para a boca é hoje um luxo em muitos lares, sendo oportunidade de minimizar ao limite as dores do quotidiano, até a chamada do criador.

50 anos depois da independência certamente poderíamos estar melhor, mas a verdade é que não estamos, e nem precisamos de estudos para nos aferir de coisas com as quais convivemos todos os dias, é só observar a cara das pessoas com quem cruzamos nas ruas para vermos estampados o desânimo e a frustração no olhar, no andar, nos gestos desgarrados de alguém que já perdeu a esperança, a vontade de viver.

Temos um país depremido e deprimente. Aqui o grau de hipocrisia das entidades públicas é elevado. O parlamento é o expoente máximo dessa hipocrisia que hoje define o caráter do Estado de Cabo Verde. Um Estado que não respeita o seu principal elemento - o povo – mesmo sabendo que a sua existência e o seu estatuto dependem sobretudo das pessoas, da população.

Quando mais de 60% da força de trabalho nacional – os jovens – buscam o caminho da emigração, significa que a nossa soberania está em perigo. Que futuro terá um país sem os seus jovens? Que dizer de um país que não cuida dos seus jovens?

Quando, 50 anos depois da independência, ainda estamos a discutir o que fazer com o nosso espaço marinho, curiosamente a parcela maior do território nacional, significa que a nossa maturidade como nação, como país, ainda é raquítica. É urgente o nosso crescimento em obras, palavras e pensamentos.

O debate descentralizado à volta dos desafios, das potencialidades, das oportunidades, das ameaças do nosso país precisa de ser desencadeado com urgência, envolvendo a academia, os parceiros sociais, as organizações internacionais, os partidos políticos, as igrejas e as pessoas, todas as pessoas, porque Cabo Verde não pode continuar sob a “impunidade” desta governação bipolar, cujos resultados têm sido desastrosos para todos nós. “Descolonizar” o debate sobre o futuro de Cabo Verde é necessário e é urgente!

Não estaremos a ser sérios quando levantamos a bandeira de país de rendimento médio, entre outros mimos relacionados com o crescimento da economia com que nos brindam algumas organizações financeiras internacionais, porque sabemos que a realidade é outra. A sinceridade e a honestidade de um Estado de Direito e Democrático que andamos a dizer que Cabo Verde é, devem aconselhar as instituições da República no sentido de defenderem a verdade e respeitarem o povo, o princípio e o fim disto tudo.

O desenvolvimento de Cabo Verde demanda por novas oportunidades. A inclusão de todas as potencialidades nacionais, com destaque para o potencial humano, afigura-se o único caminho verdadeiramente seguro para a construção de um Cabo Verde efetivamente independente e livre.

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SOBRE O AUTOR

Domingos Cardoso

Editor, jornalista, cronista, colunista de Santiago Magazine

    Comentários

    • Manuel Graciano Moreno Rocha, 5 de Fev de 2025

      kal stória di cuida di si Jovens? desculpa, Domingos Cso. Oue brilhante!
      O nosso país não cuida dos seus jovens, por estar a ser governado por grupo de indivíduos egocêntricos e com fome do poder que não tem sensibilidade política para resolver os problemas dos jovens cabo-verdianos, sempre esquecidos. Promessas feitas, é toda ela falácia.
      O desprezo pelos nossos jovens é tanto que, agora, na remodelação do governo, tudo ficou a nu, com a velha guarda trazida à ribalta política.

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    • Minúsculo, 5 de Fev de 2025

      Como se diz-por trás de um grande homem poderá estar uma grande mulher. Cabo Verde não passa de um estado minúsculo desprovido de recursos naturais e governado por um grupinho de gente gananciosa, sem nenhum escrúpulo e mordomiado de muitos privilégios enquanto uma maioria subserviente e sobrevivente de poucochinho. Se repararmos na democracia cabo-verdiana não há alternância de poder ou seja foram e são sempre esse dito grupinho sem qualquer mérito a dirigir CV.

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