Privatização. O que podemos perder? (parte I)
Editorial

Privatização. O que podemos perder? (parte I)

 

Cabo Verde é um país democrático. Aqui reina o primado da lei e do direito. O princípio de separação de poderes entre os órgãos do poder político é uma realidade e as instituições democráticas funcionam normalmente, com maior um menor eficiência e eficácia, porém, no respeito mínimo pelos recursos disponíveis e visando as necessidades colectivas em presença.

No domínio económico, Cabo Verde defende a economia de mercado e o sector privado. Muito bem! Aqui vivem pouco mais de meio milhão de pessoas. Um mercado exíguo, portanto! E, como se não bastasse, marcado pela insularidade, dividindo o pouco que temos pelas nove ilhas habitadas. Está-se, assim, perante uma economia de Mercado, sem Mercado.

Complicado? Certamente, sim! Como, então, governar um país com estas características? Esta questão tem sido recorrentemente colocada por vários actores políticos entre nós, e até ainda os discursos continuam desfasados da realidade concreta de um país arquipelágico, situado na costa ocidental do continente africano, no meio do mar, desprovido de recursos naturais e fustigado por um clima quase desértico.

Os discursos, dizia, e a realidade, andam de passo trocado, desde que este país se fez independente, onde apenas dois partidos governaram estas ilhas. Primeiro, o PAICV, sob um regime de partido único e uma economia estatizada durante 15 anos – de 5 de Julho de 1975 a 13 de Janeiro de 1991.

Aqui o país entra no regime multipartidário, e após primeiras eleições livres e democráticas, passa a ser governado pelo MpD, recentemente criado e defensor do liberalismo económico, da economia de mercado, do sector privado e do primado do capital. Dez anos depois, ou seja, em 2001, o MpD perde as eleições e o PAICV volta ao poder e ali fica 15 anos, dando curso à sua política de esquerda moderada, defensor do estado social, forte, regulador e comprometido com a social-democracia.

Em 2016, o MpD volta ao poder e se faz tributário do estado mínimo, com o primado da economia de mercado e a privatização a ocuparem o centro do programa de governação e do discurso político.

Mas o que é isto de privatização num país como Cabo Verde? O que podemos perder?

Os livros ensinam que em qualquer parte do mundo, ao privatizar uma empresa, o estado estará a entregar o controlo e o lucro de um determinado sector da economia ao capital privado externo. Aqui, o estado poderá perder a sua soberania, porque perde parte do poder para regular e criar ferramentas para proteger as pessoas da ambição capitalista. O estado perde força e perde poder decisório sobre sectores que podem ser estratégicos e fundamentais para o desenvolvimento do país.

O dinheiro é colocado ao serviço de poucos. Privatizar uma empresa significa entregar à iniciativa privada um negócio construído com dinheiro público. Ou melhor, os cabo-verdianos pagam os seus impostos ao estado e com este dinheiro o estado cria empresas que depois vende a privados. Logo, o dinheiro do povo é usado para enriquecer a iniciativa privada.

A privatização pode adulterar a democracia e a livre alternância do poder, que são ingredientes importantes das sociedades democráticas, pois nos negócios com os privados há sempre favores ou luvas que as empresas oferecem aos negociadores. Logo, muitas vezes as privatizações servem para enriquecer e perpetuar no poder o partido privatizador.

O desemprego é o maior mal social de Cabo Verde. Normalmente as privatizações causam desemprego. Os privados perseguem o lucro pelo lucro, nunca se importam com a prestação de um bom serviço público e nem hesitam em despedir trabalhadores. Logo, as privatizações são prejudiciais para os trabalhadores, sendo muitos deles demitidos, para além de, em muitos casos, piorar o serviço prestado ao cidadão.

As desigualdades sociais em Cabo Vede estão a assumir contornos preocupantes. As privatizações podem aumentar ainda mais o abismo ente ricos e pobres. Os serviços privados são naturalmente mais caros e os pobres ficam sem condições financeiras para acessá-los, pelo que só quem tem dinheiro poderá gozar desses benefícios. E isto, a acontecer, pode ser muito mau para a saúde da nação, para a paz e segurança social das comunidades.

Se a ideia é o desenvolvimento do país, muitas vezes o tiro pode sair pela culatra, pois, as privatizações podem aumentar a pobreza do país. Porquê? As empresas estrangeiras compram as empresas estatais, exploram os negócios e transferem os lucros para o seu país de origem. Esta fuga de capital para o exterior faz Cabo Verde ficar mais pobre.

As privatizações podem aumentar as disparidades regionais, sobretudo num país arquipélago como Cabo Verde, uma vez que nenhuma empresa privada é obrigada a oferecer o seu serviço num cenário de baixa viabilidade económica, pelo que determinadas parcelas do território nacional podem ver-se privados de certos serviços.

Estado é estado sempre. Num mundo marcado por incertezas, em que as contingências se configuram como os únicos planos capazes de implementação segura, não será muito avisado dar-se a certas aventuras. Por uma razão simples. Sabe-se que as crises do capitalismo são cíclicas. O estado e as suas empresas nunca declaram falência. Assim, quando o estado controla determinada actividade, existe mais segurança de que ela será cumprida e não será abalada por crises. Coisa impossível de acontecer quando são os privados a conduzir os negócios.

Assim, com o estado no comando, o cabo-verdiano estará melhor servido, certamente! Porque tem melhor controlo da aplicação do seu imposto, e consegue acompanhar o destino da riqueza nacional, com melhor visibilidade e transparência.

Chegado aqui, não será contra-senso, estribar-se no Mercado, num país sem Mercado, ou defender o Capital, onde o Capital não existe?

Este é o primeiro de uma série de artigos sobre as privatizações. O proximo é sobre as vantagens da saída do Estado do mercado.

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