As recentes eleições autárquicas e o levantar de espantalhos
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As recentes eleições autárquicas e o levantar de espantalhos

...aprofundar a democracia é sentido por alguns como um duro golpe à narrativa do 13 de janeiro enquanto auge do processo democrático em Cabo Verde. Se são tomadas novas medidas de políticas públicas que garantem mais igualdade de oportunidades para todos e maior inclusão social, significa que o 13 de janeiro de 1991, afinal, não trouxe tudo para os caboverdeanos. É de igual modo que essas novas medidas de políticas públicas mais justas e igualitárias atingem duramente os protagonistas do 13 de janeiro, pois quem toma essas novas medidas está a ir mais longe do que aqueles na defesa do bem-estar social real das pessoas.

 

1.      Comecemos pelo fim. Com o desfecho dos resultados eleitorais autárquicos de 25 de outubro passado, alguns fizeram e conservaram para si uma análise muito específica da vitória ocorrida na Câmara Municipal da Praia: com enfoque no derrotado. Já depois de analisarem a campanha e o programa eleitorais, fizeram figas, enquanto aguardavam o início da governação para tirarem a prova dos nove, isto é, para verificarem se as propostas que eu apresentei ao longo da campanha eleitoral seriam cumpridas ou não, se eu iria fazer aquilo que havia dito. É assim que o surgimento das primeiras medidas lança o pânico – para esses alguns –, uma vez que, aflitos, constatam que, afinal, as promessas de campanha são mesmo para serem concretizadas e, pior, não haveria cenário para o fabrico de “novos ricos da política”;

2.      Há várias razões para este pânico que atordoa alguns, mas há uma razão em especial: o novo estilo de governação iniciado na Câmara da Praia, a partir de 20 de novembro, constitui sinal claro de algo verdadeiramente penetrante que começa a ocorrer na Praia, capital de Cabo Verde: o aprofundamento da própria democracia. É que, na verdade, a diminuição de taxas e rendas significa a remoção de barreiras que antes ditavam a exclusão e a marginalização de largas franjas de cidadãos mais desfavorecidos que passam a ter o acesso a determinados bens e serviços. É esta passagem da “democracia de papel” para a “democracia da realidade” que incomoda, tira o sono e faz com que muitos não veem outras alternativas, se não o levantar de espantalhos com o intuito de impedir que todos vejam, precisamente, esse aprofundar da democracia. Já iremos aos espantalhos;

3.      Para compreendermos melhor o pânico que o aprofundar da democracia provoca temos de tomar em consideração o duplo significado desse aprofundamento. O primeiro significado atinge a narrativa do advento da democracia nas ilhas e o segundo significado atinge os protagonistas dessa narrativa. É que aprofundar a democracia é sentido por alguns como um duro golpe à narrativa do 13 de janeiro enquanto auge do processo democrático em Cabo Verde. Se são tomadas novas medidas de políticas públicas que garantem mais igualdade de oportunidades para todos e maior inclusão social, significa que o 13 de janeiro de 1991, afinal, não trouxe tudo para os caboverdeanos. É de igual modo que essas novas medidas de políticas públicas mais justas e igualitárias atingem duramente os protagonistas do 13 de janeiro, pois quem toma essas novas medidas está a ir mais longe do que aqueles na defesa do bem-estar social real das pessoas. Pensar que os protagonistas do 13 de janeiro são, hoje, contra estas medidas de aprofundamento da democracia!

4.      O que reforça o pânico é a constatação de que se as primeiras medidas beneficiaram as classes mais desfavorecidas e se mantém-se a determinação de se trabalhar para todas as classes sociais, significa que, de seguida virão medidas para as classes sociais mais abastadas e, logo, todas as classes sociais estarão a ser afetadas – positivamente – pela nova governação do Município da Praia. Daí a necessidade de se criarem espantalhos para, por um lado, confundirem as pessoas, e, por outro, lançarem um conjunto de ideias que semeiem divisão e antecipem a união de todas as classes sociais à volta do reconhecimento de que o projeto é, de facto, uma “Praia para todos”;

5.      Só alguém em estado de pânico é que deitaria mão a esquemas básicos de recurso a frases truncadas para servirem como a única base de sustentação e desenrolamento de um conjunto de ilações e conclusões de conveniência. Só alguém em estado de pânico é que, em pleno século XXI, insiste na propaganda de que existem pessoas – dotadas de um mínimo de bom senso – que têm como projeto a transformação da sociedade caboverdeana num “comunismo”, anulando a comunicação social, a sociedade civil, a academia e todo o corpo da justiça.

6.      PS 1: O link do vídeo e a transcrição das duas frases completas que eu proferi na 1ª Sessão Ordinária da Assembleia Municipal da Praia, realizada nos dias 28 e 29 de janeiro, pp.:

https://fb.watch/3mSKSfWO3C/

 

7.      PS 3: Medidas do Plano de Atividades e do Orçamento da Câmara Municipal da Praia para o ano de 2021 e a favor de empresários: Programa Municipal de Estímulo à Economia e Programas de Apoio ao Comércio, Indústria, Agricultura, Pesca e Turismo

 

8.      PS 2: Medidas da Plataforma Eleitoral a favor de empresários:

 

 

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine

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