Somente se divisam, pois, duas soluções possíveis para o imbroglio, inútil e desnecessariamente criado pelos autores intelectuais do estranho produto acima-referido, devidamente patrocinados e acolitados pelo Ministério da Educação de Cabo Verde e sem qualquer consulta dos organismos competentes do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde bem como da opinião pública e das organizações relevantes da sociedade civil das ilhas e diásporas caboverdianas, designadamente da Associação da Língua Materna Cabo-Verdiana (ALMA.CV), da Academia Cabo-Verdiana de Letras (ACL) e da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC): i. Correcção radical das insuficiências do dito Manual de Língua e Cultura Cabo-Verdianas com total extirpação do artificioso, malfazejo e malfadado crioulo dito interdialectal; ii. elaboração ex novo de um novo Manual de Língua e Cultura Cabo-Verdianas. Em ambos os casos creio dever-se constituir uma nova equipa constituída por linguistas e professores caboverdianos, eventualmente aconselhados por renomados linguistas estrangeiros, como Juergen Lang, Dulce Pereira, Hans-Peter Heilmair (Lonha), Nélia Alexandre, entre outr@s, também com experiência nas áreas do ensino, da pedagogia e da escrita em e da língua caboverdiana.
1. A introdução, pela primeira vez na História do sistema educativo em Cabo Verde, do ensino da língua caboverdiana no 10º ano de escolaridade, a partir do ano lectivo de 2023/2024, pode ser interpretada como um sinal assaz positivo, nos trilhos que se querem e se almejam seguros e firmes rumo à generalização do ensino da nossa língua materna em todos os níveis de escolaridade, do 1º ano ao 12º ano, bem como no ensino técnico-profissional. Relembre-se neste contexto que, no que se refere aos ensinos médio e universitário, a disciplina de língua caboverdiana tinha sido ministrada pelo linguista Manuel Veiga na Escola de Formação de Professores do Ensino Secundário da cidade da Praia, tendo o mesmo linguista, professor universitário e autor de inúmeras e aprofundadas obras de e sobre a língua caboverdiana (por isso mesmo, considerado, actualmente, a maior autoridade do nosso país em crioulistica caboverdiana de todos os tempos), introduzido e ministrado um Curso de Mestrado da e em Língua Caboverdiana na Universidade de Cabo Verde, no âmbito do qual foram levados a cabo, e pela primeira vez, pesquisas e estudos aprofundados sobre várias variantes do crioulo caboverdiano, como as das ilhas Brava, do Maio, da Boavista, do Sal e de Santo Antão. Todavia, a adopção pelo Ministério da Educação de Cabo Verde, na sequência da introdução da língua caboverdiana, como disciplina opcional, no 10º ano de escolaridade, de um Manual de Língua e Cultura Caboverdiana , uma “criação intelectual” da linguista polaca Dominika Swolkień e das linguistas caboverdianas Eliane Semedo, Elvira Reis e Maria do Céu Baptista, com "revisão científica" de Amália de Melo Lopes e Ana Karina Moreira, e redigida num denominado crioulo caboverdiano interdialectal, uma espécie de esperanto pan-caboverdiano, tão inútil e artificioso como o esperanto original, em vez de alegria, entusiasmo e euforia, suscita várias, sérias e graves preocupações, quais sejam: esse denominado crioulo interdialectal é um crioulo completamente artificioso, pois que não existe, nem em forma falada por populações de nenhuma ilha (a não ser, quiçá, na desabitada ilha de Santa Luzia, se porventura as cagarras falassem), e de nenhuma diáspora caboverdiana, nem em forma escrita por qualquer escritor ou escriba caboverdiano, alupecador ou tradicionalista; introduz regras avessas ao ALUPEC, pois que consegue banir qualquer forma de acentuação(nisso, aliás, imitando a metodologia utilizada por Marciano Moreira, um conhecido e acérrimo defensor e promotor da oficialização plena da línfgua materna caboverdiana, bem como por alguns jovens escritores crioulógrafos, seus discípulos), recorrendo ao denominado contexto para adivinhar a pronúncia das palavras; contraria frontalmente o consenso arduamente conseguido na sociedade caboverdiana e segundo o qual os alunos devem aprender a língua materna caboverdiana na respectiva variante dialectal, pois que é desta forma que, na ainda persistente ausência/inexistência de um crioulo padrão oficial, a língua caboverdiana se actualiza como língua materna dos caboverdianos das diferentes ilhas e diásporas; é uma infeliz tentativa de imposição de um crioulo sumamente artificioso com recurso a regras gramaticais originárias predominantemente das variantes de barlavento da língua caboverdiana, precisamente naqueles pontos que foram considerados pelo grande filólogo caboverdiano Baltasar Lopes da Silva como as suas insuficiências intrínsecas, isto é, a sua incompletude vocálica, e que, na óptica do festejado filólogo caboverdiano, acima referenciado, as desqualificam para servirem de crioulo literário padrão, em razão primacialmente dos choques consonânticos que engendra, dificultando a sua escrita. Escrita que, contudo, vai sendo tentada com recurso ao ALUPEC, segundo as regras desenhadas e estabelecidas por Manuel Veiga, consensualidadas pelo Grupo de Padronização do Alfabeto Unificado do Caboverdiano e, depois, adoptadas a título experimental pelo Governo da República de Cabo Verde, sendo que actualmente o mesmo ALUPEC tornou-se o alfabeto oficial para a escrita da língua caboverdiana. Contudo, essa tentativa de escrita das variantes do barlavento da língua caboverdiana tem-se processado com grave e perturbante subversão da regra da biunivocidade que embasa esse alfabeto de base fonético-fonológica e que consiste no seguinte: a cada grafema deve corresponder um único fonema e a cada fonema deve corresponder um único grafema (ou de forma mais simples: a cada letra um som, da cada um som uma letra), salvo nos casos das palatais correspondentes aos sons “ch”, “dj”, “lh”, “nh” e “tch”, para os quais de deve utilizar respectivamente os dígrafos x, dj, nh, lh e tx, por passar a atribuir um duplo valor à letra “e” nas variantes de barlavento, quais sejam de "e" mudo e de "e" com várias acentuações e graus de abertura. Felizmente que a adopção desse tal Manual de Língua e Cultura Caboverdiana, por muitos qualificado como uma autêntica fraude e/ou aberração linguística, foi a título meramente experimental, podendo ainda o Ministério da Educação arrepiar caminho dessa malfazeja por demais perigosa encruzilhada, pois que a indignação entre os linguistas, os professores e os escritores (multilingues, bilingues e monolingues) em língua caboverdiana é deveras generalizada e tonitruante!
2. Ressalve-se, todavia que, no seu conjunto, o novo Manual de Língua e Cultura Cabo-Verdianas, anunciado pelo Ministério da Educação de Cabo Verde no passado dia 21 de Fevereiro de 2025, de celebração do Dia Internacional da Língua Materna, contém partes assaz positivas, designadamente no que se refere à história da escrita da língua caboverdiana e à reprodução de textos em crioulo de importantes autores das várias fases da escrita em língua caboverdiana, com destaque para Eugénio Tavares, Sérgio Frusoni, B. Léza, Danny Spínola, acrescidos dos nomes de alguns autores e de algumas autoras de letrras de composições musicais das novíssimas gerações. Neste contexto, foram incompreensível e lamentavelmente omitidos nomes e textos de escritores bem como de intérpretes e autores de letras de composições musicais extremamente relevantes, designadamente nos domínios do batuco, da mazurca, da morna, da coladera, do funaná, da talaia baxo, entre outros géneros musicais tradicio, tendo a contrario sido agregados nomes de autores que quase nada contam para a escrita e a literatura em língua caboverdiana. Um insano exemplo disso é o caso da poetisa e ficcionista lusógrafa Vera Duarte, de quem conheço somente um poema em crioulo, em contraponto a nomes de autores de obras relevantes em língua caboverdiana como Pedro Cardoso, Jorge Barbosa, Luís Romano, Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Kaoberdiano Dambará (pseudónimo de Felisberto Vieira Lopes), Emanuel Braga Tavares, Viriato Gonçalves, Artur Vieira, Kaká Barboza (pseudónimo de Carlos Alberto Lopes Barbosa), José Luiz Tavares, Tomé Varela da Silva, José Luis Hopffer Almada, Eneida Nellly, Armindo Tavares, Princezito e muitíssimos outros, de antigas e novíssimas gerações de escritores crioulógrafos.
3. Somente se divisam, pois, duas soluções possíveis para o imbroglio, inútil e desnecessariamente criado pelos autores intelectuais do estranho produto acima-referido, devidamente patrocinados e acolitados pelo Ministério da Educação de Cabo Verde e sem qualquer consulta dos organismos competentes do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde bem como da opinião pública e das organizações relevantes da sociedade civil das ilhas e diásporas caboverdianas, designadamente da Associação da Língua Materna Cabo-Verdiana (ALMA.CV), da Academia Cabo-Verdiana de Letras (ACL) e da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC): i. Correcção radical das insuficiências do dito Manual de Língua e Cultura Cabo-Verdianas com total extirpação do artificioso, malfazejo e malfadado crioulo dito interdialectal; ii. elaboração ex novo de um novo Manual de Língua e Cultura Cabo-Verdianas. Em ambos os casos creio dever-se constituir uma nova equipa constituída por linguistas e professores caboverdianos, eventualmente aconselhados por renomados linguistas estrangeiros, como Juergen Lang, Dulce Pereira, Hans-Peter Heilmair (Lonha), Nélia Alexandre, entre outr@s, também com experiência nas áreas do ensino, da pedagogia e da escrita em e da língua caboverdiana.
Lisboa, 1 de Março de 2025
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