O Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, defendeu esta quarta-feira que o passado, aludindo ao regime do partido único, deve ser “perdoado e reparado”, garantindo que os direitos humanos são hoje uma realidade no país.
O chefe de Estado discursava na Assembleia Nacional, na cidade da Praia, na cerimónia de comemoração do Dia Nacional dos Direitos Humanos, assinalada ontem pela primeira vez em Cabo Verde.
A data recorda o dia 25 de setembro de 1992, com a entrada em vigor da actual Constituição da República, após o regime de partido único em Cabo Verde, e que passou a prever e proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.
“Foram tempos difíceis, tendo muitas pessoas visto os seus direitos fundamentais mais elementares negados, sem que tivessem uma instância para onde apelar. Mas esse é um passado que faz parte da História, que deve ser perdoado, reparado no que for possível, embora não esquecido, para que não se volte a repetir por falta de atenção ou desconhecimento das novas gerações”, afirmou Jorge Carlos Fonseca.
O PR garantiu ainda que “os direitos humanos não são instrumentais” no presente do país: “A Constituição de 1992 não admite qualquer tipo de funcionalização dos direitos fundamentais, pois que o Estado se funda e, sobretudo, se limita, na garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos, em última análise, na afirmação da dignidade da pessoa”, enfatizou.
Ao abordar o estado da defesa dos vários direitos fundamentais em Cabo Verde, o Presidente da República destacou a Justiça, sublinhando que “não há qualquer alternativa aos tribunais, por maiores e legítimas que sejam as críticas que os cidadãos entendam dever fazer-lhes”.
“Não existe qualquer outro sistema alternativo, nada de bom vem dos lados daqueles que, por atos e palavras, apenas desacreditam o sistema de justiça plasmado na Constituição da República, de juízos togados, especializados, profissionais e independentes do poder político e económico”, afirmou, embora salientando que o poder judicial, os magistrados judiciais e do Ministério Público “não estão isentos de críticas”.
“Mas serão já injustas e excessivas as críticas que resvalam para a desacreditação geral do sistema, como se todos ou a maioria dos tribunais e dos magistrados fosse uma corporação de malfeitores”, criticou, para depois reconhecer que, “de uma forma geral”, há “motivos de orgulho” no sistema de justiça, “reforçado desde outubro de 2015, com a instalação do Tribunal Constitucional”.
Jorge Carlos Fonseca abordou ainda o fenómeno da violência de género, alertando que os homicídios de mulheres praticados pelos companheiros “têm crescido”.
“Não podemos aceitar que ser mulher seja um fator de risco no nosso país”, afirmou.
Ao discursar na mesma cerimónia, a ministra da Justiça e Trabalho de Cabo Verde, Janine Lelis, apontou, como exemplo de um país que defende os direitos humanos, a recente aprovação de uma pensão equivalente a 678 euros mensais às vítimas de tortura e maus-tratos em 1977 e 1981, nas ilhas de Santo Antão e São Vicente, durante o período do partido único.
“Décadas depois, o Estado assumiu como imperativo de justiça a reparação possível pela violência, injustiças e arbitrariedades praticadas contra alguns cidadãos cabo-verdianos, abrindo finalmente o caminho para uma reconciliação histórica”, disse.
“O combate que hoje temos de empreender em defesa dos direitos humanos passa por alargar a participação cidadã e cívica, passa pelo desenvolvimento de uma estrutura produtiva que elimine a pobreza, que viabilize e sustente uma sociedade civil mais inclusiva, ativa e autónoma”, acrescentou Janine Lelis.
Esta sessão contou ainda com a ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem, como uma das oradoras convidadas, para abordar o tema “A Justiça e os Direitos Humanos”.
A governante portuguesa, que iniciou hoje uma visita oficial ao país, aproveitou a intervenção para recordar a luta de libertação do poder colonial, também em Cabo Verde, aludindo ao campo de concentração do Tarrafal.
“Onde durante muitos anos foram mantidos em clausura e em condições sub-humanas homens que apenas reclamavam a possibilidade de exercerem os seus direitos fundamentais, os direitos dos seus povos, que nesta ilha - dizia eu -, se possa hoje comemorar em democracia e liberdade o dia nacional dos direitos humanos constitui uma justa e doce vingança da História”, concluiu Francisca Van Dunem.
Com Lusa
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