Nas campanhas falam de desenvolvimento; na prática, “desenvolvem” apenas os que se ajoelham, os que bajulam, e os que obedecem cegamente. O padrão repete-se na saúde, nos transportes, no turismo, na banca, na construção civil. Apelidos que se repetem em conselhos de administração, projectos imobiliários, privatizações silenciosas, sociedades de fachada. São os filhos da casa, os sobrinhos do sistema. E enquanto isso, o cidadão comum paga o preço literalmente. Noutros países, isto teria outros nomes: conflito de interesses, tráfico de influências, e corrupção institucional. Na nôs terra, chama-se “sorte”. Sorte de ter o sobrenome certo. Sorte de estar no partido certo, na hora certa. Sorte de ser convidado para comprar barato uma empresa pública antes da privatização. Sorte de ganhar um concurso onde só concorreu um elemento. Sorte de conhecer quem agilizasse a compra de um terreno numa área protegida.
Dizem que vivemos em democracia. Votamos de tempos a tempos, assistimos ao desfile habitual dos discursos e das promessas, batemos palmas, e depois voltamos à indignação silenciosa.
Mas há outro regime, mais antigo e mais viscoso, que atravessa siglas, ideologias e eleições. Chama-se oligarquia.
Na ciência política, a Oligarquia é a forma de governo em que o poder político está concentrado num pequeno número pertencente a uma mesma família, um mesmo partido político ou grupo económico ou corporação.
É mais subtil, e mais dissimulado que a Ditadura. É o sistema onde poucos mandam em tudo. Não por mérito ou sufrágio, mas porque nasceram no lugar certo, com o apelido certo, ou casaram-se com a pessoa certa.
Em Cabo Verde, a oligarquia não precisa de palácios nem de fardas como lemos nos livros sobre a antiga união soviética. Basta-lhe um contrato, uma concessão, ou um cargo estratégico. O resto é paisagem…
A receita é conhecida: um tio num ministério, um primo numa empresa pública, uma irmã numa farmacêutica, ou até um familiar numa cimenteira. Depois vem a importação de medicamentos, a distribuição de cimento, a adjudicação directa de obras municipais, e por aí fora. Tudo previsível, tudo impune. E se alguém levanta questões, respondem com cinismo: “foi tudo dentro da lei”. Sim, até pode ser legal, mas é profundamente imoral.
Vivemos num país pobre, mas alimentamos uma elite rica. E essa elite não se construiu à custa de ideias, de mérito ou de inovação. Cresceu à boleia do compadrio, da intimidade com o Estado, das portas giratórias entre cargos públicos e negócios privados. A oposição denuncia quando está fora. Quando chega ao poder, repete os mesmos vícios.
Nas campanhas falam de desenvolvimento; na prática, “desenvolvem” apenas os que se ajoelham, os que bajulam, e os que obedecem cegamente. O padrão repete-se na saúde, nos transportes, no turismo, na banca, na construção civil. Apelidos que se repetem em conselhos de administração, projectos imobiliários, privatizações silenciosas, sociedades de fachada. São os filhos da casa, os sobrinhos do sistema. E enquanto isso, o cidadão comum paga o preço literalmente.
Noutros países, isto teria outros nomes: conflito de interesses, tráfico de influências, e corrupção institucional. Na nôs terra, chama-se “sorte”. Sorte de ter o sobrenome certo. Sorte de estar no partido certo, na hora certa. Sorte de ser convidado para comprar barato uma empresa pública antes da privatização. Sorte de ganhar um concurso onde só concorreu um elemento. Sorte de conhecer quem agilizasse a compra de um terreno numa área protegida.
E o povo? O povo assiste. Primeiro revoltado, depois cansado. Muitos desistem de tentar mudar. Outros alinham para sobreviver. É assim que a oligarquia não só se mantém mas recruta, infiltra-se, cresce, e propaga-se como bolor em parede húmida. Cabo Verde tornou-se fértil para “os poucos” e árido para “os muitos”.
O mais corrosivo de tudo talvez seja o silêncio. O silêncio dos que vêem e não dizem. O silêncio dos que sabem e não denunciam. O silêncio cúmplice dos que acham que, se falarem alto, perdem o tacho. E assim, ano após ano, ilha a ilha, contrato após contrato, a democracia esvazia-se e o poder concentra-se não nas instituições, mas nas famílias.
Fala-se de cadernos de encargos feitos à medida, concursos que são monólogos, salários mínimos para uns e lucros milionários para outros.
Não há escândalos, nunca há prisões e não há justiça. Há só uma certeza: o Estado não é de todos, é deles!
E a isso, chamam de democracia.
Comentários
Luton-Londres, 2 de Jul de 2025
Boa noite, gostei, por dois motivos, primeiro porque está enquadrada dentro das palavras proferidas na sexta feira, em Luton, e segundo porque este artigo espelha a sociedade crioula, para desempenhar um cargo não precisa ser intelectual, basta conhecer PAN, só não vê quem é cego.
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Steve, 2 de Jul de 2025
Tanta demagogia, tantos clichés, tudo vindo da pena de quem nunca viveu em Cabo Verde, que forma a sua opinião com base no que lê no Facebook ou no que os amigos lhe dizem. Ser tão peremptório nestas condições é demonstrar uma grave falta de humildade.
Any Delgado, 2 de Jul de 2025
Chamar “demagogia” ao que escrevo é fácil. Difícil é rebater os factos.É sempre mais cómodo desqualificar quem escreve do que enfrentar o que está escrito. Dizes que não vivi em Cabo Verde. É verdade. Mas ê lá que nha umbig ta.
Muitas vezes é preciso estar fora para ver melhor por dentro. Quanto à humildade, deixo-te uma lição simples: a humildade não se proclama, reconhece-se.
Domingos Cardoso, 2 de Jul de 2025
Any Delgado, para ver a ilha é preciso sair da ilha. Muito obrigado por nos mostrar as ilhas.Responder
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Sandra Tavares, 2 de Jul de 2025
Parabéns Sra. Colunista
Subscrevo na íntegra.
O nosso pequeno País que infelizmente não sairá da pobreza extrema devido as essas tristes características.
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Filinto dos Santos, 2 de Jul de 2025
Não há como acrescentar nem suprimir uma unica virgula sequer. Subscrevo na intregra este desabafo e revolta da colonista. Infelizmente, é essa a realidade a que assistimos de camarote. Todos vêem, todos sentem o cheiro e coceira, mas ninguém tuge nem muge. E o mais angustiante é que se fica com a sensação de que o Estado parece refem dosoncretos, já ning que haja Até parece que a sociedade se encontra completamente anestesiada ou, quiçá, resignada perante a fatalidade do destino.
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Zé P., 2 de Jul de 2025
Acho que existe uma certa "normalização" do processo de certa forma pela sociedade. Coisas pequenas que ouvimos no dia-a-dia como "connection", "primos", e otus elementos familiares. As pessoas sabem disso, e sabem que é o que têm de fazer para subirem na vida, agora isso também a põe em tónica o porque estamos a ficar para trás em questões como produtividade, excelência, e até jovens a sentirem que não há muitas oportunidades de satisfação nas suas carreiras aqui em Cabo Verde.
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