O Teatro da Proteção Infantil e Justiça Social
Colunista

O Teatro da Proteção Infantil e Justiça Social

A justiça social em Cabo Verde é um teatro político. O governo faz uso de discursos rebuscados e eventos pomposos para mascarar sua incompetência e inação. Enquanto não houver medidas concretas, os mais vulneráveis continuarão à mercê da indiferença estatal. A população não precisa de mais palavras; precisa de ações reais. Se o governo estivesse verdadeiramente comprometido com a justiça social, investiria em reformas estruturais, fortaleceria o sistema de justiça, garantiria proteção real às vítimas e criaria políticas públicas eficazes que não fossem apenas manobras eleitorais. Até lá, a população continuará refém de um Estado que fala muito, mas faz pouco.

A Hipocrisia da Retórica Oficial: O discurso do Primeiro-Ministro sobre justiça social e proteção infantil em Cabo Verde revela-se um palanque de hipocrisia política. A grandiloquência de termos como “empoderamento”, “sensibilização” e “responsabilização” contrasta brutalmente com a realidade de um sistema falho, onde vítimas de abuso sexual são silenciadas e criminosos permanecem impunes. O Estado veste-se de paladino da justiça social em fóruns internacionais, enquanto, no plano interno, permite a perpetuação de desigualdades estruturais e de uma cultura de impunidade que mina a credibilidade das instituições.

II. A Grande Contradição: Um Governo Que Fala, Mas Não Age. O Estado cabo-verdiano falha em cada etapa do processo de proteção infantil:

·         Prevenção: Não há programas educativos eficazes para a população infantil e para as comunidades. Campanhas esporádicas de sensibilização são insuficientes para combater décadas de desinformação e fragilidade institucional.

·         Denúncia: O medo generalizado da impunidade faz com que muitas vítimas e suas famílias optem pelo silêncio. A cultura do medo e da descrença na justiça transforma a denúncia em um risco que poucos estão dispostos a correr.

·         Proteção: A inexistência de suporte psicológico adequado para as crianças vitimadas perpetua o ciclo de trauma. Os serviços sociais estão subfinanciados, e os profissionais não têm os meios necessários para prestar apoio eficaz.

·         Punição: A falta de condenações exemplares permite que agressores continuem a atuar impunemente. Casos de abuso sexual infantil são tratados com morosidade, e muitas vezes os criminosos recebem penas brandas, minando a confiança da sociedade no sistema judicial.

O governo vangloria-se de suas ações, mas os números e casos reais desmentem essa narrativa. A justiça social não se faz com promessas vazias, mas sim com políticas públicas efetivas, implementação de leis rigorosas e fiscalização contínua.

III. O Projeto "Djunta Mon" e a Ilusão de Ação. Apresentado como solução para a proteção infantil, o projeto "Djunta Mon" não passa de um palco para discursos ocos. Sem reforma estrutural da justiça e sem medidas punitivas concretas contra agressores, tais iniciativas são inúteis. De que adianta sensibilização se o sistema permite que criminosos fiquem impunes? É um erro crasso tratar problemas estruturais com paliativos que apenas maquiam a inação governamental. A ausência de um orçamento transparente para este projeto levanta questões sobre sua real eficácia. Não há mecanismos de monitoramento ou prestação de contas, e o impacto concreto na vida das crianças vulneráveis permanece invisível. Sem uma política clara de combate aos abusos, sem reforço de equipas multidisciplinares e sem capacitação contínua dos profissionais, o "Djunta Mon" é apenas mais uma peça no teatro da ilusão social.

IV. O Jogo de Transferência de Culpa. O governo utiliza a “responsabilização parental” como subterfúgio para desviar a culpa de sua ineficiência. Embora a educação familiar seja fundamental, a segurança infantil não é um problema exclusivamente doméstico; é um problema sistêmico que exige um Estado atuante e comprometido. A responsabilidade estatal na proteção dos menores deve ser irrefutável, e qualquer tentativa de desviar esse dever para as famílias é uma estratégia de fuga inaceitável. Os sucessivos governos cabo-verdianos preferem jogar a culpa na sociedade civil, nos pais e até nas próprias vítimas, enquanto falham em criar condições para que o país tenha um sistema de justiça verdadeiramente funcional. Quando a impunidade reina, quando a assistência social é precária e quando não há investimentos sérios em programas de reabilitação e apoio às vítimas, de nada adianta culpar terceiros.

V. A Economia Social e Solidária Como Paliativo Eleitoral. O governo agora tenta introduzir a Economia Social e Solidária (ESS) como solução para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, após oito anos de mandato, quais são os avanços concretos? A ESS tornou-se um instrumento de marketing político, sem investimentos robustos ou estratégias de fomento ao empreendedorismo social. Programas anunciados com pompa e circunstância não possuem impacto tangível na redução da pobreza ou na geração de oportunidades para as camadas mais desfavorecidas. A ausência de incentivos fiscais para cooperativas e pequenos empreendedores sociais demonstra que a ESS em Cabo Verde não passa de um conceito vazio, promovido para distrair a população em períodos eleitorais. Sem um plano estruturado de implementação e fiscalização, essas políticas tornam-se meros artifícios retóricos para angariar votos sem qualquer compromisso real com a mudança social.

VI. A Manipulação Eleitoral do Discurso Social. Eventos recheados de acadêmicos e instituições criam a ilusão de diálogo e progresso, mas sem impacto tangível. As conferências e painéis sobre justiça social e ESS são orquestradas para gerar manchetes favoráveis ao governo, enquanto a realidade da população continua a mesma. Sem incentivos fiscais, políticas de crédito acessível e um compromisso real, a ESS permanece uma vitrine política. Além disso, o ciclo eleitoral influencia diretamente a agenda social do governo. Projetos são lançados estrategicamente perto das eleições, criando uma sensação artificial de progresso. Entretanto, basta passar o período eleitoral para que essas iniciativas sejam esquecidas, sem continuidade nem avaliação de impacto.

VII. A Retórica Como Ferramenta de Manipulação. A justiça social em Cabo Verde é um teatro político. O governo faz uso de discursos rebuscados e eventos pomposos para mascarar sua incompetência e inação. Enquanto não houver medidas concretas, os mais vulneráveis continuarão à mercê da indiferença estatal. A população não precisa de mais palavras; precisa de ações reais. Se o governo estivesse verdadeiramente comprometido com a justiça social, investiria em reformas estruturais, fortaleceria o sistema de justiça, garantiria proteção real às vítimas e criaria políticas públicas eficazes que não fossem apenas manobras eleitorais. Até lá, a população continuará refém de um Estado que fala muito, mas faz pouco.

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Comentários

  • Casimiro centeio, 26 de Fev de 2025

    Ulisses e o seu desgoverno jogam pedras e acoitam-se na negligência, no descaso e incapacidade e depois culpam a defunta COVID, às secas, à guerra na Ucrânia e, brevemente, a Donald Trump, por todos os males
    Citando o filósofo Confúcio : " não são as ervas daninhas que afogam as boas plantas, mas a negligência do agricultor" .

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