O caso Rosana Almeida é, no fundo, um espelho do momento que Cabo Verde vive: uma democracia orgulhosa de sua estabilidade, mas que ainda se debate com a tolerância à crítica, sobretudo quando esta toca no coração do poder político. Ela pode errar na dose, pode insistir mais do que convém - mas se há algo que não se pode negar é que Rosana Almeida não se cala. E, num tempo em que o silêncio é tantas vezes cúmplice, a sua voz pode ser tudo aquilo de que a democracia cabo-verdiana mais precisa.
Há jornalistas que fazem perguntas apenas para preencher o tempo, cumprir a pauta e não incomodar. E há jornalistas que perguntam para abrir fissuras no silêncio do poder, insistindo até que algo - um gesto, um olhar, uma palavra solta - revele o que se queria esconder. Rosana Almeida é, inegavelmente, do segundo grupo.
Nas últimas semanas, o seu nome atravessou as manchetes e, sobretudo, as redes sociais. Primeiro, no confronto com o Primeiro-Ministro Ulisses Correia e Silva, quando insistiu em obter esclarecimentos sobre o novo hospital. Depois, diante do Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, ao questionar sobre a expulsão de correspondentes da RTP, RDP e Lusa. Em ambos os episódios, Rosana foi acusada de ultrapassar “os limites do jornalismo”, confundindo persistência com desrespeito.
O editorial publicado hoje, 18 de agosto de 2025, no jornal O PAÍS, intitulado “Jornalismo ou desrespeito?” considera que a Rosana confundiu liberdade de imprensa com desrespeito, agindo de maneira abusiva ao forçar declarações, criando um momento constrangedor e pouco digno para a profissão.
Mas será mesmo assim?
A insistência fazia parte do papel jornalístico de buscar informações de interesse público, especialmente quando tratamos de temas sensíveis como a liberdade de imprensa. Parece mais um esforço legítimo do que um ato de desrespeito.
O jornalismo sério vive num equilíbrio delicado: entre o respeito institucional e a ousadia de perguntar; entre a liturgia do cargo e o dever de fiscalizar. É nesse fio de navalha que Rosana se move. A sua insistência pode soar incômoda — e, talvez, o seja — mas incomodar não é, por definição, a função mais nobre do jornalismo?
É evidente que cada contexto exige tato. Diante de um chefe de Estado estrangeiro, insistir demasiado pode resvalar para constrangimento diplomático. Contudo, silenciar-se diante de uma recusa sistemática é, também, um gesto político: o gesto de abdicar do direito à resposta.
A fúria digital e os ataques pessoais
Seja como for, nada justifica o que se seguiu ao primeiro episódio com o Primeiro-Ministro. Nas redes sociais, Rosana foi alvo de insultos vis, ataques sexistas e tentativas de humilhação pública. Chamaram-lhe “de …”. Palavras que nada têm de crítica jornalística e tudo de violência simbólica e machista.
Foi necessária a intervenção da TCV e da AJOC para repor o óbvio: atacar uma jornalista pelo simples exercício da sua função é atacar a própria liberdade de imprensa.
Entre a coragem e a popularidade
Curiosamente, quanto mais criticada pelos corredores oficiais, mais Rosana se torna símbolo junto das camadas populares. O povo, muitas vezes acusado de confundir ousadia com coragem, parece ter entendido algo essencial: a insistência da jornalista não é capricho pessoal, mas reflexo de um compromisso com o direito coletivo à informação.
O preço da insistência
Ainda assim, não se pode ignorar os riscos. Se a ousadia for interpretada como afronta sistemática, a credibilidade profissional pode sofrer erosão. O perigo é que a figura da jornalista se torne maior que a própria notícia - e que o debate deixe de ser sobre hospitais, liberdade de imprensa ou democracia, para girar em torno da personalidade de Rosana Almeida.
O legado em construção
O caso Rosana Almeida é, no fundo, um espelho do momento que Cabo Verde vive: uma democracia orgulhosa de sua estabilidade, mas que ainda se debate com a tolerância à crítica, sobretudo quando esta toca no coração do poder político.
Ela pode errar na dose, pode insistir mais do que convém - mas se há algo que não se pode negar é que Rosana Almeida não se cala. E, num tempo em que o silêncio é tantas vezes cúmplice, a sua voz pode ser tudo aquilo de que a democracia cabo-verdiana mais precisa.
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A equipa do Santiago Magazine