Sou fruto da descendência dessas duas Marias. Sou fruto da mistura desses dois olhares que viveram o seu tempo: A Bidjodja Silva e a Bidjodja Ramos.
Neste mês de maio em jeito de homenagem às várias mães que foram necessárias para que eu viesse a nascer, decidi falar de uma das mães, que ao meu ver, foi e continua a ser muito incompreendida pela geração mais nova da minha família: a minha avó paterna, a Bidjodja Ramos.
Nascida Maria Rosa Ramos, filha de Júlio Bartolomeu Duarte Ramos e de Rosa Maria de Brito, a Bidjodja Ramos, mãe do meu falecido pai, teve cinco filhos, com três homens diferentes, não registrou nenhum dos filhos, nem os criou e educou.
Nascida em 1909, a Bidjodja, uma mulher de pouco mais de um metro e meio de altura, viu-se viúva em 1942, com três filhos pequenos, o mais novo tinha cinco meses, em plena fome de 41 que dizimou a população de São Nicolau.
Reza “a lenda”, que quando viu-se sozinha com os filhos, ela foi deixá-los com quem os pudesse criar: os sogros, os pais do seu falecido marido, meu avô. E assim foi que, os filhos dela com o sobrenome Figueiredo foram criados e educados por António Eloy e Ana Inácia.
Segundo a reza da lenda, a minha Bidjodja Ramos era uma mulher linda e desaforada, que sabia aproveitar a vida, não levava desaforo para casa, e teve mais dois filhos: um menino e uma menina, e pasmem-se, com Senhores casados.
Na minha busca para entender as minhas raízes e por tabela, entender a mim própria, sempre me fez confusão o facto do meu pai, e todos os irmãos, não terem sido registrados com o nome da mãe. Nas suas certidões de nascimento constam: filho de mãe incógnita!
Lembro-me que a primeira vez que vi a certidão narrativa completa do meu pai, e lá constava que ele era filho de mãe incógnita, pensei para com os meus botões: como é possível alguém não saber quem é a sua mãe? Duvidar da paternidade é compreensível, agora, duvidar da maternidade????
Para tentar entender melhor o comportamento dessa minha avó, falei com meus primos e primas mais velhos, com meus tios e tias, e outras pessoas que se privaram com ela.
A maioria foi unânime: ela era uma mulher difícil, muito voluntariosa, o que no criolo de Saniclau designam como “serepenta”.
Apesar de não ter registrado os filhos, e nem de os ter criado, à sua maneira gostava deles, mas não aceitou nem estimou nenhuma das “Noras” que teve. Lembro-me que a minha mãe não nutria muita estima por ela, também.
Com as informações que consegui recolher, criei umas teorias para explicar o comportamento tão singular desta minha avó, que nasceu quase 70 anos antes de mim, mas a quem puxei o génio e muito da minha personalidade, segundo meus familiares.
As teorias: (I) o primeiro “marido” dela foi o meu avô João Gualberto Figueiredo, que faleceu aos 29 anos de idade, e era filho de um casal muito respeitado e influente, já que o meu Bisavô era Professor. Talvez o meu avô João fosse aquele tipo de homem que defendia que os filhos deveriam pertencer somente ao pai, logo a mãe deveria ser “incógnita”. (II) Já os outros dois filhos que ela teve após ficar viúva, por serem filhos de Senhores casados, por maioria de razão e face à prática existente naquela época, foram registados como filhos “ilegítimos” desses respectivos Senhores, e estes por já conhecerem a reputação da minha avó, acharam por bem que os filhos tivessem uma mãe incógnita.
Tenho poucas lembranças e memórias da minha Bidjodja Ramos, uma vez que quando ia à São Nicolau de férias, ficava sempre na casa da Bidjodja Silva, a mãe da minha mãe. Mas, das poucas vezes que lembro de a ter visitado, ela sempre me tratou como “Bolo na prôt”. Adorava as bolachas e o café bem doce que me servia nas canecas de alumínio.
A última vez que estive com ela, eu com meus 25 anos e ela com noventa e muitos, lembro dela ter me reconhecido como uma das filhas do Paião. Lembro-me do olhar de reconhecimento mútuo que se fez presente naquela pequena sala: ela reconhecendo em mim a Maria que foi em jovem, e eu vendo naquele olhar castanho amendoado, emoldurado pelo rosto todo enrugado, a Vera que eu serei, se tiver a felicidade de chegar aos 90 anos de vida.
Ter procurado saber mais sobre a minha Bidjodja Ramos me fez ver, mais uma vez, como as mulheres foram e continuam sendo mal compreendidas. Ela foi uma mulher forte, que não se importava com o que os outros pensavam sobre ela, aceitou não registrar os filhos para que esses não morressem à míngua, mas o facto de ter sido uma mulher orgulhosa, preferiu sempre ficar com a fama de serepenta, a admitir que sempre quis o melhor para os filhos.
Preferiu ser lembrada como sendo a mãe que pariu, não registrou os filhos e deixou-os com a família paterna, para poder gozar a vida e fazer todas as “cabrindades” que lhe eram sistematicamente imputadas.
Devo julgar e criticar as escolhas que essa minha Avó foi obrigada a fazer? Não, não a critico e nem tenho esse direito. Ela limitou-se a replicar o que ela viveu: ela também foi uma filha de mãe incógnita.
Comentários
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juju, 16 de Mai de 2025
A figura da Bidjodja Ramos revela uma maternidade vivida à margem, marcada por trauma, pobreza e estigmas. A ausência de registo dos filhos e o afastamento afectivo reflectem mecanismos de defesa numa sociedade patriarcal que silenciava mulheres como ela. Não foi má mãe por escolha, mas por sobrevivência num mundo que não lhe deu opções nem dignidade.
juju, 16 de Mai de 2025
A sua rejeição das noras e a reputação de “serepenta” apontam para uma personalidade voluntariosa, mas talvez com traços de vinculação evitante e autoimagem defensiva. Viu nos afectos uma ameaça ou fraqueza, talvez porque nunca teve o luxo de amar sem custos. A maternidade dela não foi doce, foi áspera – como a vida que teve de enfrentar.juju, 16 de Mai de 2025
A neta, ao revisitar essa história, mostra como a dor se herda, mas também como pode ser compreendida. Este processo de reconciliação transgeracional permite dar novo sentido ao passado e integrar sombras familiares. Bidjodja não foi uma avó com açúcar, mas foi humana.E, por isso, merece ser lembrada com o peso e a complexidade que a sua vida carregou.
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