Do milho ao azeite, do óleo ao arroz, passando pelos combustíveis, pão, açúcar, farinha, carnes, são alguns dos produtos cujas subidas de preços os cabo-verdianos consideram exageradas e pedem intervenção do Governo e das autoridades reguladoras.
Maria da Luz, 50 anos, é natural do concelho de Santa Catarina, norte da ilha de Santiago, mas é na Praia que faz a maioria das suas compras, e saiu de uma loja em Achada de Santo António com apenas duas garrafas de óleo, cada uma a 265 escudos (2,4 euros), mas queria mais.
“Nem comprei milho para as galinhas, que põem ovos para remédio. Compro arroz e comemos juntos”, descreveu a dona de casa, pedindo, por isso, intervenção do Governo em relação à escalada de preços em Cabo Verde.
“O Governo está a lutar para nos ajudar, mas peço mais força e coragem, para nossa dignidade”, desabafou Maria da Luz à Lusa, sugerindo um “limite” nos preços para os “coitados” poderem comprar, bem como a todos que rezem pelo fim da guerra na Ucrânia.
Em frente à mesma loja, Denilsse Tavares, 26 anos e residente em Eugénio Lima, montou a sua banca de venda de frutas, e à primeira pergunta dá logo sugestões. “Ou baixa-se os preços ou sobe-se os salários”.
Vendedora de frutas, mas também compradora de outros géneros alimentícios essenciais, esta praiense garantiu que não teve alternativa senão limitar as compras.
“Normalmente, comprava um saco de arroz [de 25 quilogramas], mas agora compro 10 quilos”, deu conta Denilsse Tavares, denunciando que há lojas na Praia a exagerar nos preços, pelo que pediu intervenção do Governo e da Inspeção Geral das Atividades Económicas (IGAE).
“Têm de andar para verem”, exigiu a vendedora de frutas, concordando com a subida de preços em Cabo Verde, tal como em muitos outros países, mas insistindo na necessidade de ser acompanhada com aumentos salariais e outras medidas de atenuação.
Virgínia Dias, mais conhecida por Zizi, é auxiliar de Ação Médica em Portugal, onde os preços também estão a aumentar, o que diz ser normal na atual conjuntura, mas considerou que em Cabo Verde as subidas são muito exageradas para o nível de vida e de compra dos residentes.
“Acho que deve haver uma intervenção do Governo porque os vendedores estão a aproveitar a crise da covid-19 para subir tudo de forma exagerada”, denunciou a emigrante cabo-verdiana à Lusa, após fazer algumas compras no mercado do Plateau, centro histórico da Praia.
“Em Portugal os preços também aumentaram, mas a diferença é pouca e as pessoas têm mais condições, ao contrário daqui [em Cabo Verde] em que muita gente não consegue comprar algo para beber ou para comer, porque está tudo caro”, afirmou.
A emigrante cabo-verdiana referiu que o aumento salarial, principalmente para os vencimentos mais baixos, como das empregadas domésticas e funcionárias das cantinas escolares, seria uma das soluções para a situação atual.
O empresário praiense Lenine Mendes, 35 anos, disse estar ciente da conjuntura internacional e dos seus efeitos em Cabo Verde, país que importa cerca de 80% do que consome, mas criticou os comerciantes e produtores por aproveitarem as crises para “subir por subir” os preços.
“Não temos uma lei que limita os preços, não há fiscalização e controlo. Coitado dos chefes de famílias cujo poder de compra está muito limitado, o que é muito preocupante”, lamentou, pedindo uma “fiscalização séria” para as subidas “exorbitantes” dos preços de vários produtos.
Lenine Mendes deu como exemplo o pão, consumido por todos e praticamente todos os dias, que, ou ficou mais caro, ou reduziu o tamanho. Neste sentido, é de opinião que há produtos básicos que devem ser subsidiados pelo Estado cabo-verdiano.
Ao mesmo tempo, pediu “contenção” às famílias, entendendo que a conjuntura não está fácil nem para o Estado nem para os empregadores e consumidores. “Por isso, é necessária uma união de esforços para conseguirmos melhorar esta situação”.
Os preços em Cabo Verde aumentaram 0,7% no mês de fevereiro e acumulam uma subida de 7,1% face ao mesmo mês de 2021, indicam os dados mais recentes do INE cabo-verdiano.
Já os preços dos combustíveis aumentaram 5% em abril, o teto máximo estipulado pelo Governo, mas acumulam no último ano um aumento médio de 42,6%, bem como uma subida de 7% desde janeiro último.
O primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, afastou anteriormente a possibilidade de um aumento do salário mínimo nacional devido à crise económica.
“Em situação de crise aumentar o salário mínimo estaríamos a transferir para o setor privado problemas acrescidos, que podem afetar até os postos de trabalho existentes”, afirmou Correia e Silva, durante um debate mensal no final do ano passado na Assembleia Nacional, antes da escalada dos preços dos alimentos e dos combustíveis provocada pela guerra na Ucrânia.
Atualmente, Cabo Verde tem definido um salário mínimo nacional de 13.000 escudos (117 euros) no setor privado e de 15.000 escudos (135 euros) na função pública.
O primeiro-ministro tinha anunciado em janeiro de 2020, antes da pandemia de covid-19, que o salário mínimo para o setor privado em Cabo Verde iria aumentar para 15.000 escudos (135 euros) em 2021, um crescimento superior a 35% numa legislatura, tendo em conta o aumento anterior, face aos 11.000 escudos (99 euros) em 2016.
Segundo Ulisses Correia e Silva, “havia uma previsão” para esse aumento, mas admite que “as condições do país não permitem” atualmente essa atualização.
“É algo sempre em cima da mesa, desde que haja condições para o fazer, não só por parte do Estado, o maior pagador de salários é o setor privado”, enfatizou o primeiro-ministro.
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