Não tendo nada de novo a oferecer-lhe, republico hoje, data em que Arménio Vieira celebra oitenta anos de vida, o texto de saudação pela atribuição do Prémio Camões em maio de 2009.
Bouquet de flores para Arménio Vieira, dito Conde, rei à nossa maneira
Mais do que justa é a atribuição do prémio Camões ao poeta Arménio Vieira, senhor duma obra sólida, ainda que escassa. Em meio às pressões identitárias e à vociferação tribunícia, que tempos e circunstâncias impuseram a outros menos radicais na assumpção da condição criadora, Arménio Vieira soube abrir-se à universalidade estética e pensante, sem no entanto deixar de reflectir nas suas obras as atribulações existenciais e as particularidades antropológicas do ser-se cabo-verdiano.
Embora se possa tomar este prémio como uma reparação devida, ainda que tardia, à literatura cabo-verdiana, ele é, indubitavelmente, o coroar da obra daquele que dentre nós encarnava por excelência a figura e condição de poeta, e não nobilita, por atacado, toda a produção literária do arquipélago.
Talvez a pátria suspirasse por outros mais conformes aos ditames e cânones da monocultura identitária, a esses que de tanto fincar os pés perderam de vista o horizonte longínquo, como postula um dos meus grandes mestres, o irlandês Seamus Heaney, neste verso, minha divisa e meu lema: vai para além da segurança do que te é conhecido.
A ele, condor de largo voo, inolvidável coveiro da literatura gastronómica, nobre oficiante das horas salerosas do cachito e café sofia, paladino das damas de todas as índoles, a ele nunca lhe foi horizonte o arrazoado folclórico-etnológico, mas o irredutível humano condensado na totalidade dos signos, onde a articulação entre reflexão e sentimento, aliada à discreta inteligência metapoética, são a afirmação extrema do que ainda nos sustém e poderemos chamar, no desconforto de um tempo de imundície terror e morte, beleza.
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