Presidente  da República chama a atenção para "ambiente de crispação" política lesiva ao país
Política

Presidente  da República chama a atenção para "ambiente de crispação" política lesiva ao país

O Presidente da República, José Maria Neves, chamou esta manhã a atenção dos partidos políticos, governo e sociedade em geral, numa comunicação ao país, para o "ambiente de elevada crispação política" que se vive no país, traduzida numa “disputa política permanente que sufoca a sociedade”.

Mais do que isso, considera o Chefe de Estado, “este ambiente é permeável ao clientelismo e ao medo, com as pessoas a serem escolhidas para cargos públicos e promovidas, menos pelo mérito e mais pelas suas relações de amizade ou pela sua lealdade a partidos”.
Sobretudo, nesta atual difícil conjuntura mundial, apela o Presidente Neves, urge “fazer diferente e melhor, muito melhor, o que estamos a fazer!”.

Assim, “nestes tempos de comunicação escorregadia e verdades alternativas, urge que os Poderes Públicos deem permanentes provas de serenidade e de firme defesa das regras e valores da sociedade democrática, desde logo os atinentes à livre expressão do pensamento, das ideias, da palavra, afinal”, reflete o Presidente, a apelar também ao exercício pleno de cidadania ativa da sociedade.

Aqui vai o comunicado do Presidente da República

48 anos após a independência e 32 anos após as primeiras eleições pluralistas, temos a plena consciência de que foram tempos de balanço positivo. Na verdade, valeu mesmo a pena o caminho percorrido. Hoje, somos um país de rendimento médio, plenamente integrado na comunidade das Nações, e um Estado de Direito Democrático que funciona.

Os tempos são difíceis e complexos, sobretudo para um Pequeno Estado Insular em Desenvolvimento como é o nosso. Não podemos, todavia, resignarmo-nos perante os desafios. Temos de fazer diferente e melhor, muito melhor, o que estamos a fazer!

Esta é a expectativa legítima. Porém, o espectro político atual tem sido caracterizado pela crispação e pelo desprezo pela cooperação institucional, pelo diálogo e pela conciliação. Constatamos um clima preocupante e persistente de excessiva partidarização do espaço público. Assistimos a uma disputa política permanente que sufoca a sociedade. Este ambiente é permeável ao clientelismo e ao medo, com as pessoas a serem escolhidas para cargos públicos e promovidas, menos pelo mérito e mais pelas suas relações de amizade ou pela sua lealdade a partidos.

Com frequência a verdade é asfixiada, em nome de uma verdade oficial e de um pensamento único. Nunca é excessivo sublinhar que a ninguém é reservada a exclusividade da verdade. Pelo contrário, e sobretudo nestes tempos de comunicação escorregadia e verdades alternativas, urge que os Poderes Públicos deem permanentes provas de serenidade e firme defesa das regras e valores da sociedade democrática, desde logo os atinentes à livre expressão do pensamento, das ideias, da palavra, afinal.

A afirmação da Cidadania ativa e o desinibido exercício do direito/ dever de participação na vida nacional são domínios em que, precisamente, precisamos urgentemente assegurar ganhos, como, de resto, bem o apontam as avaliações de instâncias internacionais credíveis.

Infelizmente, presenciamos uma atmosfera de campanha permanente. Tal facto é extremamente corrosivo para o interesse nacional, pelo desperdício de energias e de capacidades, que são, importa sublinhá-lo, energias e capacidades da Nação. Em período de campanha eleitoral, o que não é o caso, tal atitude de tensão, embora desnecessária e não desejável, poderia ser compreendida e tolerada. Cabo Verde, país vulnerável e dependente da cooperação internacional, tem de dar provas de genuína realização da concórdia nacionais, enquanto fator, digo mesmo, condição sem a qual o país não concretizará a sua legítima aspiração ao Desenvolvimento sustentável. O eleitoralismo, mas também o curto-prazismo, têm de ser rejeitados.

Na prestação de alguns serviços contratualizados, a qualidade tem sido dececionante, com reclamações generalizadas pela aparente falta de competência na garantia de serviços finais aos cidadãos, que chega tarde ou não chega, originando reações e alertas, da sociedade às mais altas autoridades políticas e religiosas. O Presidente da República, tal como a generalidade dos cidadãos cabo-verdianos e estrangeiros que visitam o país, já experimentou esses constrangimentos. Aliás, não é por acaso que em vários setores temos vindo a perder competitividade, precisamente porque as decisões são tomadas de forma enviesada e descurando contributos não negligenciáveis de outras sensibilidades políticas e sociais e de competências técnicas reconhecidas.

Legitimamente, a Nação inquieta-se e indigna-se com o inegável retrocesso em setores vitais ao nosso Estado-arquipélago.

Verifico, com preocupação, que são tomadas decisões cujo propósito e cuja lógica não se entende, principalmente quando tudo levava a crer que medidas iam ser tomadas – e elas até já haviam sido anunciadas –, mas eis que as instituições públicas recuam e se apequenam. Essas mesmas decisões, que são tomadas num dia para se recuar no dia seguinte, sinalizam que as mesmas não foram suficientemente amadurecidas.  Não podemos, de ânimo leve, assistir a discursos contraditórios e descoordenações a nível da formulação de políticas, revelando falta de maturação das medidas com vista à sua implementação. Cabo Verde não pode dar-se ao luxo da experimentação como método de gestão do interesse público.

Isso é deplorável, é custoso e descredibiliza os servidores públicos, a Política e os políticos, além de levar ao desgaste e ao cansaço das instituições. A atual conjuntura internacional e os ingentes desafios que temos pela frente, tal é o caso do combate à pobreza e às desigualdades, não nos autorizam a continuarmos nesta mesmíssima forma de gerir o interesse público. A marca da razoabilidade não deve nunca ser forçada muito menos transposta.

Temos de fazer uma profunda análise da atual situação, arrepiar caminho e encetar mudanças radicais, trabalhando com mais sentido de Estado e mais sentido de compromisso com o país vulnerável que somos.

Como Presidente da República, é meu dever indeclinável, e de forma insistente, apelar ao consenso, ao respeito pela diversidade de opiniões e à união no seio da Nação. A crispação política é um vírus que leva à polarização, ao populismo, ao extremismo e à intolerância. Temos de ser argutos e previdentes. Urge poupar Cabo Verde de solavancos desnecessários, evitáveis. Assim, urge reduzir esta grande crispação política, aumentar a confiança entre os partidos e entre atores políticos, criando as condições para um diálogo salutar e produtivo. Insisto na necessidade do respeito pela diferença e na premência do diálogo e do consenso como ingredientes naturais da vida democrática. O Servidor Público cresce e fortalece-se todos os dias no exercício da humildade e da capacidade de escutar e dialogar.

Devemos, com efeito, ser intransigentes na promoção e defesa do Bem Comum. É urgente recuperar o senso do justo e da Justiça, bem como evitar a privatização indébita do Estado a favor de interesses privados ou de grupos. Precisamos de uma melhoria substancial do processo decisório, com mais sofisticação na tomada de decisões, para que elas sejam mais consistentes. A discussão e a justificação públicas do interesse público são uma necessidade e uma obrigação em Democracia e no Estado de Direito Democrático. O futuro de Cabo Verde impõe que haja, no nosso país, a prática de avaliação dos resultados das políticas públicas. A accountability tem de ser um nosso costume.

É tempo de parar, analisar e corrigir rumo. Temos de ser assertivos e, assim, responder às legítimas expetativas dos cabo-verdianos e das cabo-verdianas, resolvendo os seus problemas concretos, particularmente, na presente conjuntura socioeconómica. Como é óbvio, isto aplica-se igualmente às empresas, a todos os empreendedores, agentes da vida económico-empresarial, a todos aqueles que labutam de sol a sol nestas ilhas.

Não podemos perder a esperança! Não podemos perder a confiança em Cabo Verde!

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