É necessário criar células técnicas dentro dos partidos e dos grupos parlamentares, com profissionais capacitados a rastrear contratos públicos, despachos ministeriais, atos administrativos e relatórios de execução orçamental. A verdade está nos detalhes. E são esses detalhes — as datas, os montantes, os nomes — que podem desmontar as narrativas cuidadosamente fabricadas por um governo que governa com propaganda. A oposição deve trazer a público os contratos lesivos ao Estado, indicando valores, beneficiários, cláusulas suspeitas e resultados nunca cumpridos. O foco deve estar no timing dos anúncios — muitas vezes feitos em momentos politicamente convenientes — e na ausência de execução concreta.
A morosidade da justiça tornou-se um dos traços mais alarmantes do atual estado da governação em Cabo Verde. Entre promessas institucionais e conferências com rótulo internacional, o sistema judicial do país caiu num abismo de descrédito. Nenhum dos casos mais embaraçosos que envolvem membros do governo ou figuras próximas da esfera governativa chegou até hoje a julgamento sério e conclusivo. A justiça, outrora considerada um pilar democrático, perdeu legitimidade em Cabo Verde aos olhos da população, mesmo com toda a encenação propagandística que o regime produz. O cidadão comum já não acredita nos processos, porque percebe que há uma justiça para os poderosos — feita de atrasos, arquivamentos estratégicos e silêncios convenientes — e uma outra, rigorosa e punitiva, para os pobres, os críticos e os incómodos. Este é um dos fracassos mais graves desta governação: a normalização da impunidade.
Perante este cenário, a oposição não pode mais continuar a atuar como se estivesse em tempos de normalidade democrática. É imperativo romper com a tradição da retórica vazia e adotar uma postura combativa, fundamentada e altamente preparada. A oposição deve transformar-se numa força política tecnicamente equipada, estrategicamente coordenada e moralmente inabalável. Não basta indignar-se. É preciso preparar intervenções com base em provas, documentos, relatórios e números concretos. Cada deputado deve dominar dossiers críticos — sobre finanças públicas, contratos, nomeações, transportes, saúde, educação — e ir ao confronto armado de factos incontornáveis.
É necessário criar células técnicas dentro dos partidos e dos grupos parlamentares, com profissionais capacitados a rastrear contratos públicos, despachos ministeriais, atos administrativos e relatórios de execução orçamental. A verdade está nos detalhes. E são esses detalhes — as datas, os montantes, os nomes — que podem desmontar as narrativas cuidadosamente fabricadas por um governo que governa com propaganda. A oposição deve trazer a público os contratos lesivos ao Estado, indicando valores, beneficiários, cláusulas suspeitas e resultados nunca cumpridos. O foco deve estar no timing dos anúncios — muitas vezes feitos em momentos politicamente convenientes — e na ausência de execução concreta.
É urgente quantificar o dinheiro gasto em deslocações de membros do governo ao estrangeiro, muitas vezes em missões de aparência e comitivas inflacionadas, sem retorno algum para o país. O mesmo vale para conferências e fóruns promovidos apenas para alimentar o ego e o marketing dos governantes, sem impacto real. A nomeação de familiares, cônjuges, amigos e militantes do partido para cargos públicos de alta responsabilidade, sem critérios de mérito e competência, deve ser alvo de um levantamento sistemático. A oposição precisa apresentar estes casos com nomes, funções, datas de nomeação e, sobretudo, currículos que revelem a total ausência de qualificação para os cargos que ocupam.
Enquanto faltam médicos, camas hospitalares e condições básicas nas escolas, o governo não hesita em adquirir viaturas de luxo, contratar agências de comunicação e promover campanhas de imagem. Este insulto à inteligência e à dignidade do povo tem de ser denunciado com números, notas de despesa e consequências sociais. A atual conjuntura exige uma oposição metódica, que trabalhe com o rigor de uma auditoria e a ousadia de uma comissão de inquérito. Cada intervenção deve ser um ato de responsabilização pública. Cada dado apresentado deve comprometer a narrativa do governo. Não se combate o cinismo institucional com palavras suaves ou generalizações inofensivas.
A oposição deve constituir-se como a principal fonte de escrutínio do poder executivo, articulando-se com jornalistas investigativos, sindicatos, associações cívicas e até com denunciantes anônimos dispostos a partilhar documentos comprometedores. É este ecossistema de vigilância ativa que poderá devolver esperança à cidadania. O país atravessa um momento perigoso: a erosão da confiança nas instituições, a anestesia coletiva diante do desgoverno e a conversão da justiça em espetáculo vazio. Para romper esse ciclo, a oposição tem de abandonar a postura cerimonial e assumir um papel de combate informado, ético e ofensivo.
Este é o momento crucial para a oposição mostrar serviço ao país. Não há mais margem para discursos genéricos ou lamentos simbólicos. A história não será clemente com os que escolherem o silêncio ou a omissão. Cabo Verde precisa, com urgência, de uma oposição que investigue, confronte, denuncie e proponha. Uma oposição que saiba onde estão os recursos perdidos, quem os desviou e o que não foi feito por causa disso. A justiça está calada. A propaganda está ativa. Cabe à oposição erguer a voz — com dados, com provas e com coragem. Só assim o país poderá voltar a respirar verdade.
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