É bonito celebrar o Dia Internacional da Mulher. Oferecer flores, partilhar frases inspiradoras nas redes sociais, organizar debates sobre igualdade. Mas e depois? Depois voltamos ao mesmo: mais uma mulher morta, mais uma menina violada, mais uma mulher a ser silenciada na sociedade. E assim seguimos, de mãos dadas com a hipocrisia, a recitar votos quebrados, à espera da próxima vítima que será separada da vida até que a morte nos separe. Os direitos das mulheres não são mais do que direitos humanos. Mas, enquanto continuarem a ser tratados como privilégios, a luta não pode parar.
Há promessas que deviam caducar. Juramentos que nunca deviam ter sido feitos. Mas ali está ele, repetido como um feitiço, um contrato invisível que condena mulheres a vidas de medo, dor e, tantas vezes, ao “Até que a morte vos separe."
E a morte separa mesmo. A golpes de faca, a murros e pontapés, a tiros disparados à queima-roupa. A cada notícia de mais uma mulher assassinada pelo companheiro, ex-companheiro ou por qualquer outro homem que achou que tinha o direito de decidir sobre a vida e a morte dela, a sociedade finge indignação. Há quem murmure que talvez ela tenha feito algo para "provocar" a besta. Que não saiu porque não quis. Que devia ter escolhido melhor.
Mas a verdade é simples: em Cabo Verde, como em tantas outras partes do mundo, ser mulher é viver com um alvo nas costas.
Começa cedo. Uma bofetada que "não doeu assim tanto". Um aperto no braço para "ela aprender a portar-se". Uma ameaça disfarçada de ciúme: "Se fores minha, és só minha. Se me deixares, mato-te." Aos poucos, o medo instala-se, tal como a culpa. Porque a sociedade ensinou-lhe que uma mulher deve ser paciente, resiliente. Que é seu dever consertar um homem partido, mesmo que ele a parta em pedaços no processo.
Se a violência doméstica é um ciclo difícil de quebrar, a exploração sexual e o abuso infantil são feridas abertas que raramente chegam à justiça. Meninas de doze, treze anos, vendidas ao preço de “Megas” ou saldo no telemóvel. Violadas por homens que podiam ser seus pais ou avôs, que pagam pela ilusão de poder e impunidade.
As mesmas meninas que, anos depois, tornam-se mulheres desacreditadas, incapazes de fugir ao rótulo que a sociedade lhes impôs.
O mais curioso é que a culpa nunca é do predador, é sempre da vítima…porque se vestiu de forma "provocante", porque aceitou boleia, porque sorriu demais ou porque o seu “NÃO”, mesmo que gritado em plenos pulmões, não foi suficiente.
O agressor? Ah, esse é só mais um homem que "não conseguiu controlar-se".
Enquanto isso, as mulheres cabo-verdianas continuam a carregar o peso de uma sociedade que lhes exige tudo e lhes devolve pouco.
Trabalham dobrado, ganham metade. Suportam assédio nas ruas, nos empregos, nas escolas. Criam os filhos sozinhas, porque muitos dos pais desaparecem assim que o prazer se transforma em responsabilidade.
Dizem-nos que o país está a evoluir, que há cada vez mais mulheres em posições de poder. Mas quantas chegam lá sem serem descredibilizadas, sem que lhes perguntem se não têm marido ou filhos para cuidar? Quantas não são tratadas como decoração em reuniões onde a voz masculina dita todas as decisões?
Até quando?
É bonito celebrar o Dia Internacional da Mulher. Oferecer flores, partilhar frases inspiradoras nas redes sociais, organizar debates sobre igualdade. Mas e depois? Depois voltamos ao mesmo: mais uma mulher morta, mais uma menina violada, mais uma mulher a ser silenciada na sociedade.
E assim seguimos, de mãos dadas com a hipocrisia, a recitar votos quebrados, à espera da próxima vítima que será separada da vida até que a morte nos separe.
Os direitos das mulheres não são mais do que direitos humanos. Mas, enquanto continuarem a ser tratados como privilégios, a luta não pode parar.
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