Vieira Lopes pode ter sido assassinado. PJ já está a investigar
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Vieira Lopes pode ter sido assassinado. PJ já está a investigar

Há pelo menos três testemunhas a quem Felisberto Vieira Lopes, falecido esta sexta-feira, 3, no Hospital Agostinho Neto, terá contado, após o seu internamento, que “desconhecidos pulverizaram por duas vezes gás tóxico por debaixo da sua porta” e que se não morresse ficaria com sequelas devido a complicações pulmonares. Aliás, a Polícia Judiciária, segundo Santiago Magazine apurou, já está a investigar um suposto homicídio, por ordem do Ministério Público, que deve mandar efectuar uma autópsia para o cabal esclarecimento das circunstâncias que levaram à morte desse destemido e temível jurista, acérrimo defensor da transparência na Justiça cabo-verdiana, e que durante a sua carreira inspirou várias gerações de advogados em Cabo Verde.

O advogado Felisberto Vieira Lopes terá sido vítima de um homicídio? Ao que tudo indica, sim e será essa a linha de raciocínio das investigações em curso da Polícia Judiciária. O jornal asemanaonline chegou mesmo a citar fontes próximas do falecido que não descartam essa possibilidade (homicídio), avançando inclusive que seria crucial a feitura de uma autópsia para ajudar a deslindar a morte de Vieira Lopes, tendo em conta que foi encontrado no chão com hematoma na face e escoriações nos braços.

Pois bem, horas antes de sair a notícia do falecimento desse ilustre advogado, Santiago Magazine esteve em contacto com o seu parceiro de escritório, Emílio Xavier, para confirmar o internamento do advogado após queda em casa eventualmente na sequência de inalação de gás tóxico supostamente introduzido no seu apartamento por desconhecidos e que dava azo a investigação criminal por atentado. A resposta de Xavier foi de que, efectivamente, Vieira Lopes lhe contou a si e a pelo menos mais duas outras pessoas que o foram ver, que “alguém introduziu algum tipo de gás na sua casa por duas vezes, o que o fez cair inanimado”. Vieira Lopes acabaria por dar entrada no HAN com vómitos e olho esquerdo inflamado, além de pequenas escoriações na testa e braço.

Antes, e para se perceber melhor, vale referir que Vieira Lopes, de 83 anos, vivia sozinho num apartamento em frente à praça central do Plateau, que cuja porta de entrada está trancada sempre com várias fechaduras e antecedida por um portão metálico com cadeado. Razão pela qual não houve arrombamento ou tentativa frustrada de forçar a entrada. “Ele disse que o gás foi introduzido eventualmente por debaixo da porta. Nesse dia, curiosamente, fui lá mas não abriu a porta e fiquei com a sensação de ter ouvido alguns gemidos, porém com o barulho de viaturas que circulavam àquela hora acabei por não dar muita atenção. Só no dia seguinte, depois de também não aparecer dois dias seguidos nos lugares habituais onde tomava o pequeno-almoço, é que se decidiu acionar os bombeiros que foram arrebentar a porta e lá o achamos caído no chão. Dois dias! É certo que estava fisicamente mais debilitado por causa da idade, mas estava em óptima forma e perfeitamente lúcido”, conta o também advogado e ex-magistrado judicial, Emílio Xavier, seu parceiro de escritório nos últimos tempos.

Xavier, que antes da morte de Vieira Lopes dissera a este jornal que estava no caminho para ir buscar uma procuração do falecido advogado a fim de apresentar queixa na PJ, não sabe precisar que tipo de gás terá sido utilizado, mas garante que, pelas evidências não houve agressão física – hematoma na face e as escoriações serão da queda provocada pelo desmaio por eventual inalação de gás tóxico – sublinhando a afirmação do seu sócio de que teria sido vítima de um ataque criminoso. E só não tinha apresentado a denúncia na Judiciária porque aguardava o laudo médico que iria esclarecer as causas do internamento de Vieira Lopes. Outra fonte de Santiago Magazine afirma que Lopes teria comentado com os seus próximos de que se não morresse ficaria, na certa, com graves sequelas nos pulmões devido à inalação desse gás tóxico que segundo outras fontes terá sido lacrimogénio, descartado ao que parece o butano do gás de cozinha.

Neste momento, a filha dele, que reside em São Vicente, deverá estar a reunir os dados para apresentar uma queixa formal na PJ, mas Santiago Magazine já sabe que o Ministério Público, após tomar conta do ocorrido, ordenou a abertura de uma investigação por suposto homicídio, a qual está sendo liderada pela Polícia Judiciária. As nossas fontes garantem que a PJ já está, efectivamente, no terreno e que estão na posse de pistas fortes que poderão levar aos presumíveis autores materiais deste suposto atentado contra o jurista que, a par de Amadeu Oliveira, mais defendeu a transparência na justiça cabo-verdiana, sendo inclusive co-promotor e signatário de uma petição pública sobre a Não Transparência na Justiça e que foi parar à Transparency International.

Para chegar aos suspeitos, a investigação contará não só com depoimentos de testemunhas, como com imagens das câmaras de videovigilância instaladas no Plateau. Refira-se ainda que Felisberto Vieira Lopes – que denunciou a célebre máfia de terrenos na Praia, fazendo ruir a imagem e o status quo de várias figuras da política e do mundo empresarial cabo-verdiano – tinha solicitado há algumas semanas protecção policial do Estado, mas até morrer não houve reação das autoridades, segundo nos revelou fonte conhecedora do processo.

A morte de Felisberto Vieira Lopes, decano dos advogados em Cabo Verde, nacionalista puro e de uma cultura jurídica sem igual, abalou toda a sociedade, sobretudo porque, após uma década e meia a denunciar a máfia de terrenos na Praia, e cujos suspeitos já foram constituídos arguidos, conseguiu enfim levar este volumoso e polémico processo às barras do tribunal. Razão pela qual há vozes que defendem a feitura imediata de uma autópsia para o cabal esclarecimento do caso, que pelas notícias e suspeições que envolve começa a inquietar a sociedade.

Referência académica e jurídica para boa parte dos advogados do país, Vieira Lopes deixa um grande legado na sua área de formação e de trabalho e também como poeta – assinava textos como Kauberdianu Dambará. Tal é o respeito que seus colegas nutriam pelo destemido jurista que um grupo de seus advogados e amigos de Santo Antão e São Vicente - Amadeu Oliveira, Joaquim Monteiro (ex-candidato a PR), os advogados Daniel Serra Lopes e Rogério Reis, o empresário Jerónimo Lopes e o historiador Hélder Salomão – requereram ainda ontem ao Governo uma autorização para viajarem à cidade da Praia para prestar a justa homenagem a Vieira Lopes. O pedido, entretanto, “foi rejeitado por mera insensibilidade das autoridades, apesar de reconhecermos o período de estado de emergência, disse ao Santiago Magazine, Amadeu Oliveira, acrescentado que “o Governo mostrou não ser sensível para autorizar este voo extraordinário, alegando que não seria prudente de facto abrir um voo de excepção para as cerimónias fúnebres do dr. Vieira Lopes”.

A ideia de prestar homenagem a Vieira Lopes, diz Amadeu Oliveira, tem a ver “com a dimensão da pessoa. Ele não era apenas um advogado de Santa Catarina ou da Praia. Ele era profundo. Era reconhecido e respeitado desde quando veio a São Vicente defender presos políticos e ficou com uma grande credibilidade. Em Santo Antão, veio ultimamente duas vezes proferir pequenas palestras, granjeando admiradores em toda a ilha”.

“O que ele fez pela justiça e pela defesa de oprimidos e injustiçados tem muito mais valor do que as condecorações presidenciais. O PR condecorou outros juristas com muito menos mérito que o dr. Vieira Lopes. O facto de existirem pessoas, mesmo estando o país a passar por essa situação de coronavírus e com a declaração do estado de emergência, ainda quererem se deslocar da sua ilha para irem assistir às cerimónias fúnebres do dr, Vieira Lopes, é de longe superior a qualquer condecoração presidencial, pelo valor de reconhecimento do povo”, observa Amadeu Oliveira, que também defende uma autópsia urgente e limpa ao cadáver de Vieira Lopes. "As autoridades deste país não podem deixar este caso acabar assim sem se saber o que de facto aconteceu com o dr. Vieira Lopes", exclama.

Nascido em Santa Catarina, em 1937, Felisberto Vieira Lopes destacou-se como um dos maiores advogados de Cabo Verde, sendo dos mais antigos a exercer profissão no país.

Esteve nas últimas duas décadas na boca do mundo, pela sua luta contra a "Máfia dos Terrenos da Praia". Trata-se um longo processo judicial que o próprio Vieira Lopes chama de "Burla dos Terrenos" no município da Praia, cuja acusação foi deduzida em março último. Foram 15 arguidos, com destaque para figuras públicas como Arnaldo Silva, Rafael Fernandes, Alfredo Carvalho e a empresa deste, Tecnicil, todos acusados de burla qualificada, lavagem de capital, associação criminosa, falsificação de documentos e corrupção activa.

O MP, que pediu julgamento perante Tribunal Colectivo, sugerira inclusive a prisão preventiva de Arnaldo Silva, TIR para os demais réus e confiscação dos seus bens, porque provados em como lesaram aos legítimos donos dos terrenos e ao Estado de Cabo Verde mais de 2 milhões de contos.

Foi o seu apogeu, após décadas de confronto, acusações públicas e queixas-crime (com ou sem razão) contra figuras públicas, da elite política e empresarial, que resultaram por exemplo na detenção de Arnaldo Silva, antigo governante e ex-bastonário da Ordem dos Advogados, o mais longe que esse processo já foi.  

Nesse célebre processo, Vieira Lopes era defensor dos herdeiros da família Tavares Homem contra os herdeiros de Fernando Serra e Sousa, que brigam grandes extensões de terreno na grande Praia.

Licenciado em Direito, em Lisboa, Portugal, Felisberto Vieira Lopes teve outras valências além da sua área do formação. Segundo blog barrosbrito.com (que costuma fazer a árvore genealógica de várias famílias em Cabo Verde), Vieira Lopes, como poeta usou o pseudónimo de Kauberdiano Dambará.

Colaborou no Boletim dos alunos do Liceu Gil Eanes e no Novo Jornal de Cabo Verde e, depois da independência de Cabo Verde, escreveu na revista Raízes, e outras tantas. Aparece também em Literatura africana de expressão portuguesa (vol. l, poesia), Argel, Argélia, 1967; Vuur en ritme, Amesterdão, Holanda, 1969; When bullets begin to flower, Nairobi, Quénia, 1972; Who's is who in African Literature, Tubingen, R.F.A., 1972; Antologia temática da poesia africana l - na noite grávida de punhais, Lisboa, 1976; Antologia temática da poesia africana 2 - o canto armado, Lisboa, 1979; Contravento - Antologia bilingue de poesia cabo-verdiana, Taunton, Massachusetts. E.U.A., 1982. Publicou ainda Nóti, edição do PAIGC, Paris, França, 1964.

Tem obra literária publicada em várias antologias, nomeadamente em Literatura africana de expressão portuguesa, (vol. l, poesia) Argel (1967); na Antologia temática da poesia africana l e 2, Lisboa (1976, 1979) e em Contravento - Antologia bilingue de poesia cabo-verdiana, Taunton, Massachusetts (1982).

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