Tratado Constitutivo da CEDEAO: Quando a minha palavra não é a minha garantia  
Política

Tratado Constitutivo da CEDEAO: Quando a minha palavra não é a minha garantia  

 Á medida que o caso de extradição do diplomata venezuelano, Alex Saab, se aproxima da sua fase final, torna-se necessário revisitar certos aspectos que não terão merecido a devida atenção por parte dos tribunais cabo-verdianos pelos quais já tramitou, por se afigurar evidente que, a ter sido diferente, o processo já estaria encerrado, com recusa do pedido de extradição feito pelos Estados Unidos. Também por que importa assinalar que esteve caso não se trata de apenas da extradição de um homem, mais um, que os EUA decidiram julgar, mas sobretudo da confiança e credibilidade que o país vai ficar na arena internacional. E quando a decisão devia ser politica, em vários aspetos deste processo, a decisão foi deixada nas mãos do Tribunal. Trata-se de fazer o que o governo quer ou de salvar a reputação jurídica internacional de Cabo Verde – compromisso com o Estado de direito e as suas obrigações internacionais? Trata-se de mostrar que assinar algo com Cabo Verde significa algo e tem valor? Podemos dizer, como se diz na diplomacia: “A minha palavra é a minha garantia?”

Esta permissiva parece não se aplicar ao tratamento político e jurídico dado acórdão do Tribunal de Justiça da CEDEAO (TC-CEDEAO) que deliberou no sentido de encerrar o processo e soltar Alex Saab, uma ordem que os tribunais cabo-verdianos não acataram alegando não estarem vinculados às decisões desse órgão pelo facto de o Protocolo Adicional de 2005 a ele referente não ter sido, até agora, ratificado por Cabo Verde. 

Ora, são muitos e cada vez mais frequentes, de vária ordem e de diversos autores e procedências, os pareceres e pontos de vista, recolhidos pelo Notícias do Norte, a favor da obrigatoriedade de Cabo Verde acatar a deliberação do TC da CEDEAO, sendo certo que a argumentação nesse sentido se vem tornando mais abrangente, convincente e sustentável.

De facto, acresce-se a tudo o que vem sendo dito e escrito, de acordo com as nossas fontes, que a justificação apresentada por Cabo Verde para que as normas daquele protocolo não tenham sido acolhidas na ordem jurídica nacional não faz sentido, uma vez que não é nesse diploma que devem ser procurados os instrumentos de vinculação dos Estados-membros, mas sim no próprio Tratado Original (de Lagos) e no Tratado Revisto da CEDEAO (Traité Révisé de Cotonou).

A argumentação que tem sido apresentada pelas autoridades cabo-verdianas é que o citado Protocolo Adicional não chegou a passar pelos trâmites internos de ratificação – não tendo sequer sido assinado pelo Chefe do Governo que representou Cabo Verde na cimeira que o aprovou, nem publicado no Boletim Oficial -, mas não é aí que reside o essencial da questão.

Sendo a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental uma Organização Regional de Integração com cariz supranacional, caracteriza-se pela “submissão dos seus membros à sua autoridade, por deles receber competências (legislativas, executivas e jurisdicionais) tradicionalmente compreendidas nos seus poderes soberanos”, pode-se concluir da interpretação das nossas fontes.

Assim, por via do seu tratado constitutivo de Lagos (posteriormente revisto em Cotonou), a CEDEAO “recebe dos Estados-membros competências tradicionalmente compreendidas nos seus poderes soberanos, sendo-lhe reconhecido o direito de as exercer através da produção de actos de natureza normativa ou política” na forma de “decisões, resoluções, regulamentos, directivas e outras, juridicamente vinculantes” (…) e “directamente aplicáveis no território destes [Estados-membros] e aos seus cidadãos.

Com efeito, a obrigação de Cabo Verde, ou qualquer outro membro, acatar as decisões do TC da CEDEAO, não decorre do Protocolo Adicional mas, sim, do Tratado – n.º 4 do artigo 15.º –, que nem sequer faz depender tal obrigação de qualquer regra desse Protocolo.

Ainda na linha das opiniões e pontos de vista jurídicos auscultados pela nossa reportagem, os actos normativos regularmente produzidos e emanados dos órgãos competentes da CEDEAO são directamente aplicáveis na ordem interna dos Estados-membros, nos termos definidos pelo Pacto Constitutivo, sem necessidade de qualquer outra formalidade que não seja a da publicação no Jornal Oficial da Organização (o que foi feito em tempo oportuno).

Daqui resulta que o Protocolo Adicional referente ao Tribunal de Justiça nada mais é do que uma espécie de lei habilitante de um comando do Tratado da CEDEAO que funciona como a Constituição da organização e que vincula, nesta e noutras matérias, todos os Estados-membros.

Esta analogia torna-se ainda mais fácil de compreender se dissermos que todos os países que fazem parte da CEDEAO estão sujeitos a tudo quanto dita o seu Tratado Constitutivo cujo Artigo 15º determina que “as decisões do Tribunal de Justiça têm força obrigatória aos Estados-membros, às instituições da comunidade e às pessoas físicas e morais (Les arrêts de la Cour de Justice ont force obligatoire à l’égard des Etats Membres, des Institutions de la Communauté, et des personnes physiques et morales)” de todos os 15 países signatários.

Perante esta formulação, fica mais do que evidente que a obrigação de acatar as decisões do Tribunal de Justiça da CEDEAO não deve ser procurada no Protocolo Adicional desse órgão, uma vez que já se encontra “constitucionalmente” consagrada no Tratado da CEDEAO e retomada no Tratado Revisto. Ora, recorde-se que Cabo Verde é parte signatária, e sem qualquer reserva, do Tratado Constitutivo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental.

Isto significa que o nosso país está jurídico-internacionalmente e jurídico-internamente obrigado a reconhecer o Tribunal de Justiça da CEDEAO como uma instância judicial comunitária que, no exercício das suas funções, é independente dos Estados-membros e das Instituições comunitárias.

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