Andredina Cardoso. É necessário que as respostas sociais estejam cada vez mais solidificadas
Entrevista

Andredina Cardoso. É necessário que as respostas sociais estejam cada vez mais solidificadas

Mulher. Cabo-verdiana. Imigrante. Ativista social. Andredina Cardoso é uma profissional que abraçou a política. É eleita municipal no Município de Sesimbra e neste momento vai a eleições legislativas na lista do Partido Socialista. Neste exclusivo ao Santiago Magazine, ela afirma, entre muitas outras coisas, que "Andredina Cardoso é alguém que teve a bênção de nascer numa família, onde prevaleceu e prevalece sempre o conceito de que os nossos sonhos se podem tornar realidade, na medida da nossa capacidade de lutar por eles em harmonia com o contexto que nos acolhe, ancorados em fortes valores como o respeito pelo próprio, pelos demais e pelo espaço que nos rodeia". Enfim, palavras de uma mulher de causa e efeito. 

Santiago Magazine - A “Outra Banda”, como é comummente conhecida os municípios que estão na margem sul do Tejo, tem recebido principalmente pós-independência, muitos imigrantes, especialmente os cabo-verdianos. Como é a vivência dos imigrantes e descendentes de imigrantes nessa área?

Andredina Cardoso - Eu diria que há uma larga maioria que se encontra completamente dispersa pela paisagem, que tem uma vida regular de trabalho, escola, família, que fez um percurso natural, em consonância com os pares que com eles partilham espaço geográfico comum.

Tal como na sociedade portuguesa em geral, os filhos são mais qualificados que os pais e os avós, o que lhes permitiu um maior leque de oportunidades e possibilitou abraçar projetos de vida mais ambiciosos. Hoje em dia estes imigrantes e descendentes podem ser encontrados em todas as profissões, embora, ainda com pouca expressão em algumas áreas, em contraponto com as profissões menos exigentes da ótica das qualificações.

Não obstante, há que estar consciente que o ponto de partida não é análogo para todos, e que a dimensão dos obstáculos para superar cada etapa face a um projeto de vida pleno, não é equidistante para uns e outros. Se tivermos uma empresa com 30% de afrodescendentes, estes dificilmente estarão distribuídos de forma equitativa pelos vários cargos existentes nessa empresa. O mais provável é que 28 ou 29% se encontrem nos tais lugares menos exigentes do ponto de vista da qualificação, ou mesmo a totalidade dos 30%. Estas percentagens não provêm de nenhum estudo validado, decorrem apenas da minha mera observação da realidade que me rodeia.

Há 30 anos atrás, éramos poucos em determinadas áreas, fui durante alguns anos a única na Unidade na Cruz Vermelha da Quinta do Conde, a única durante o curso de higiene oral, a única na clínica Maló excetuando assistentes operacionais, sou a única na minha Unidade de Saúde, igualmente com exceção de algumas das senhoras maravilhosas que tornam a vida laboral muito mais digna e saudável, aliás que são absolutamente indispensáveis e sem as quais não poderíamos trabalhar. Não fazem parte integrante da Unidade, mas sim da empresa que assegura higiene dos espaços, após o final do nosso dia de trabalho. As tais distintas mulheres,providas de uma sabedoria incomensurável às quais vulgarmente chamamos de “mulheres da limpeza”.

Tal como eu, conheço muitas outras e outros foram os únicos numa série de contextos. Mas também já me surpreendi com o cenário inverso, onde numa clínica, a determinada altura constatei que num universo de cinco profissionais onde eu me encontrava incluída, quatro delas todas afrodescendentes, ocupavam os cargos mais exigentes, sendo o cargo de menor qualificação, ocupado neste caso por uma jovem senhora “portuguesa de origem portuguesa”. Na geração dos meus filhos já não será bem assim, mas relembrando Mandela... “é um longo caminho para a liberdade”.

Muitos afrodescendentes entraram no ciclo da emigração circular, e foram procurar melhores condições de vida noutros países, principalmente dentro do espaço europeu, constituindo uma mais valia ímpar no âmbito onde se encontram inseridos.

Os imigrantes e seus descendentes nunca cruzaram os braços, a sua dupla pertença e o seu duplo papel, a sua dupla contribuição é expressão disso mesmo, aqui “na outra banda”, e na banda norte também.

Este é o seu curriculum público. Mas, conta-nos quem é a Andredina Cardoso?

Como surgiu essa oportunidade de integrar a lista do Partido Socialista para a Assembleia da República do Distrito de Setúbal nestas Eleições Legislativas de 2019?

Andredina Cardoso é alguém que teve a bênção de nascer numa família, onde prevaleceu e prevalece sempre o conceito de que os nossos sonhos se podem tornar realidade, na medida da nossa capacidade de lutar por eles em harmonia com o contexto que nos acolhe, ancorados em fortes valores como o respeito pelo próprio, pelos demais e pelo espaço que nos rodeia. Consequentemente, com a forte convicção que temos a responsabilidade de devolver à sociedade aquilo que recebemos, numa ótica de multiplicação do bem comum. Por conseguinte Andredina Cardoso é uma pessoa simples, afável, descomplexada, disponível para aprender e partilhar e apaixonada pela vida.

A oportunidade de integrar a lista do partido socialista, advêm de um percurso, que teve o seu embrião num convite formulado por Genoveva Purificação, candidata em 2013 à presidência da Junta de Freguesia da Quinta do Conde. Desta resultou após as eleições o cumprimento de um mandato na assembleia da respetiva freguesia. De modo consequente, em 2017 após convite de Sérgio Faias, hoje líder de bancada do partido socialista na Assembleia Municipal de Sesimbra, integrei a respetiva lista, igualmente em lugar elegível, pelo que cumpro atualmente mandato na Assembleia Municipal de Sesimbra, encontrando-me ainda integrada na comissão 3 - saúde, educação e ação social. Ademais faço parte de um grupo de trabalho na área da saúde do PS a nível da concelhia.

A minha leitura é que esta oportunidade não decorre fortuitamente, é antes a repercussão de uma caminhada que se vai construindo a cada dia.

Para além da mensagem constante do projecto PS do qual participa, que mensagem levará aos imigrantes e afrodescendentes, em particular as mulheres, para votarem em si e no PS?

As leis que mais impacto tiveram na vida dos migrantes e afrodescendentes em Portugal no pós 25 de abril, foram propostas do Partido Socialista. As duas regularizações extraordinárias nos anos de 1992 e 1996 que permitiram a legalização de um elevadíssimo número de pessoas que se encontravam em situação irregular. A lei da nacionalidade de 1995 aprovada com abstenção do CDS e do Bloco de Esquerda. Lei esta, que se tornou modelo dentro do espaço europeu. O regime jurídico das associações, assim como a lei contra o racismo e discriminação racial, são a prova histórica do princípio, da visão, da convicção e da consistente trajetória do Partido Socialista nesse desígnio.

Permanecem ainda claramente desafios, superáveis na medida da nossa capacidade de nos constituirmos enquanto mais valias nestes processos, de forma devidamente enquadrada e posicionada, que permita constituir um vetor positivo consistente e determinante, na implementação efetiva e eficaz das medidas que conferem e consolidam um maior equilíbrio dentro da sociedade, em harmonia com o espaço que todos partilhamos.

Para as mulheres, enquanto inegável alicerce do nosso corpo social e considerando o papel múltiplo e estrutural que lhe cabe, relembro uma frase da sufragista Kate Sheppard, a mulher que com a sua determinação e ousadia levou a que Nova Zelândia fosse o primeiro país do mundo onde as mulheres conquistaram o direito de voto, “Não pensem que o vosso voto não conta assim muito. A chuva que rega o solo seco é feita de muitas gotas”. Acrescento ainda, que a abstenção apenas abona a que se deixe de forma arbitrária, as rédeas de suas vidas em mãos alheias, de outros, que podem ter distinta visão das suas necessidades e objetivos, conferindo-lhes a possibilidade de poder destruir em vez de construir.

Entre várias existências e realidades que encarna e vive, duas condições a caracterizam: ser mulher e imigrante. Como é participar enquanto mulher da política num país estrangeiro?

Em primeiro lugar devo expressar que resido em Portugal desde os 3 anos de idade, e que vivo e convivo em plena harmonia com a freguesia, o concelho, o distrito e o país que me acolheu, pelo que o meu sentimento é o da dupla pertença, assim como a minha vivência diária e por conseguinte, Portugal não é um país estrangeiro para mim. É muitas vezes a conduta dos demais que me relembra essa dualidade, pois para mim é intrínseco que não pertenço apenas aqui... ou ali, mas que tenho talvez uma dimensão maior pois quem congrega em si mais do que uma pátria, alarga a sua visão e a capacidade de acolher e redistribuir.

Participar enquanto mulher na política num distrito onde as mulheres sempre tiveram um papel extremamente consistente, substancial, e que foi amadurecendo de forma consolidada, é profundamente motivador pois possui uma âncora forte. A cabeça de Lista pelo PS no distrito de Setúbal é Ana Catarina Mendes. A presença da mulher aqui não é uma exceção, é uma constatação, assim tenhamos nós mulheres a ousadia de nos lançarmos ao desafio, ou de aceitar os desafios que nos são lançados.

Acha que os imigrantes e afrodescendentes, em particular as mulheres, se interessam pela vida pública participando em atividades de cidadania e política?

O interesse pelas atividades de cidadania é significativo, basta observar as diversas organizações não governamentais que temos em Portugal com uma forte presença das mulheres afrodescententes na sua liderança e nos seus corpos gerentes. Apenas para citar três exemplos, veja-se a Associação Caboverdeana de Sines, liderada pela Gracinda Luz, que presta um serviço de excelência no município de Sines, a PADEMA liderada por Luzia Moniz com uma ampla abrangência representando num expecto de alto nível o papel e a capacidade das mulheres afrodescendentes, a Associação Menon, liderada por Ilídiacolina Fátima Vera Cruz, já com um trabalho notável dentro do seu âmbito. Na realidade, a esmagadora maioria das organizações não governamentais dentro desta dimensão, são lideradas por mulheres. A transposição dessa capacidade instalada para o campo da política acontece ainda de forma tímida, vai ganhando paulatinamente espaço.

Acha que a “cultura machista” de que lugar de mulher é em casa e num espaço não “público político” tem impossibilitado as mulheres imigrantes e afrodescendentes de participarem do espaço público e político em Portugal?

A realidade portuguesa à semelhança de muitas outras, pauta-se por uma cultura com uma base fortemente machista e desigual. Basta olharmos para os vergonhosos números da violência doméstica, que nos mancham a todos enquanto seres humanos dignos dessa designação. No entanto, o papel da mulher em geral, tem evoluído ao longo dos anos, na medida do aumento das oportunidades de educação formal, da sua formação e capacitação, e do aumento do seu poder económico. As mulheres imigrantes têm por norma adversidades intrínsecas à sua condição de imigrantes, por necessitarem muitas vezes de um esforço maior, e de uma maior capacidade de desdobramento de forma a permitir um equilíbrio dinâmico que confira espaço para integrar a política nas suas vidas. O apoio incondicional da família é fundamental pois todo o tempo que se dedica à política, é tempo sacrificado à família e a política não se faz das 9 às 17 horas. É necessário que as respostas sociais estejam cada vez mais solidificadas, e que a população em geral adote no seu dia-a-dia, uma atitude mais amiga e interativa com o seu vizinho do lado. As mulheres de hoje em dia são conscientes da sua capacidade e do seu valor. Podem nem sempre ter as condições que lhes permitam traçar o caminho que ambicionam, mas nunca cruzam os braços. O sistema político em Portugal oferece ainda resistência. Estamos ainda muito aquém da capacidade instalada, no entanto esta é uma opção que têm um roteiro e como alguém já afirmou, “não se pode colher o fruto, no dia em que planta a semente” e eu considero, que a sementeira continua. Algumas sementes já brotaram, outras já deram caule, outras ainda despontaram folhas, temos ainda as que estão a abrir em flor, mas já temos frutos, e muitos bem amadurecidos. È preciso que continuemos a cuidar da terra que os acolhe, de providenciar a rega, de deixar que recebam o sol, de espantar os corvos, e de cuidar para não deixar que os que já amadureceram, pereçam sem terem a oportunidade de devolverem à sociedade todas as mais valias que encerram.

Uma última nota. É preciso olhar para o que nos precede, conhecer e percecionar, que há de facto, um trabalho extenso feito por outros antes de nós. E que esse trabalho consumado, permitiu assegurar muitos dos direitos que hoje nos assistem. A elas e a eles, presto a minha reverência e partilho a responsabilidade que me compele a continuar.

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