O linguista, investigador, autor e professor de crioulo, Hans-Peter (Lonha) Heilmar critica o primeiro Manual de Língua e Cultura Cabo-verdianas’, introduzido pela primeira vez no sistema educativo em Cabo Verde para alunos do 10º ano de escolaridade, desde o ano lectivo 2023/2024, por trazer uma ‘invenção’ fora dos padrões pedagógicos: o ensino da escrita do crioulo misturando, de forma precipitada, todas as variantes de uma vez.
“Quando soube que iam fazer um Manual de Língua Cabo-verdiana fiquei contente, porque já era tempo, e também porque conheço as pessoas que estavam por trás disso. Mas quando li o texto a explicar a forma de se deve escrever o crioulo, ou seja, na parte que ensina como se faz, percebi que inventaram artificialmente uma variedade que não existia, que é essa coisa de crioulo cabo-verdiano interdialectal, que junta de forma todas as variantes numa só”, começa por observar o investigador, em conversa exclusiva com Santiago Magazine.
Lonha, que é membro da Comissão Científica da Associação de Língua Materna Cabo-verdiana (ALMA-CV) em Portugal, onde leciona crioulo na Associação Cabo-verdiana de Lisboa desde 2015, é da opinião de que o Manual (pode baixar o documento a partir deste link) deve ser retirado para começar pouco a pouco com a introdução primeiro das variantes de São Vicente e de Santiago e, paulatinamente, adicionando as variantes das outras ilhas. “É que, assim como foi feito, os próprios professores e alunos ficam confusos sobre como devem escrever o crioulo cabo-verdiano. Ninguém conhecia esse sistema que o Manual vem propor, é uma novidade que vai fazer confusão. Esse sistema nunca foi discutido com professores, investigadores, etc. Foi uma clara invenção. A mim causou-me um espanto. Tenho pena dos professores que vão ter de ensinar algo que não conhecem nem dominam”.
O linguista alemão, doutorado em Literatura Cabo-verdiana, defende, a título pessoal, que o ideal é começar pelas variantes de São Vicente e Santiago, sobre as quais já existem muitos materiais a explicar a forma correcta de escrita. “As pessoas de Santo Antão, São Nicolau, por exemplo, podem facilmente familiarizar-se com a forma de escrita de São Vicente assim como as pessoas do Fogo ou Maio adaptar-se-iam facilmente com a vertente de Santiago, até que aos poucos as suas variantes sejam explicadas e então introduzidas nos manuais”.
Segundo Lonha, o Manual, introduzido pela primeira vez na História do sistema educativo em Cabo Verde, do ensino da língua cabo-verdiana no 10º ano de escolaridade, a partir do ano lectivo de 2023/2024, peca precisamente por tentar forçar o ensino de uma assentada de todas as variantes, sem que tenha havido um estudo, sem que fosse discutido com especialistas.
Solução? “O melhor que o Governo tem a fazer é recuar um pouco, ter mais calma e menos precipitação em publicar manuais sem serem discutidos tecnicamente. Deve-se manter a maneira de escrever de Santiago e São Vicente, como desde sempre se aprovou, e com o tempo irão sendo introduzidas novas variantes”, sugere, reiterando que fala em nome próprio e não na qualidade de membro da científica da ALMA-CV.
O investigador alemão considera que este Manual “é demais para os professores. Quer-se meter tudo junto e ao mesmo tempo, e sem eu os professores tenham alguma formação, porque foi tudo inventado. Não é admissível que professores colocados para ensinar o crioulo não tenham conhecimento da matéria que terão de ensinar. É necessário formação prévia, sem isso será uma catástrofe”, indica Lonha, voltando a apelar para “um certo recuo”.
“Aconteceu isso na Suíça, que 20 anos depois teve que recuar para melhor preparar o ensino de um de seus dialetos falados por 30 mil pessoas. Mas veja, a Suíça tem dinheiro para produzir novos manuais e os distribuir aos milhares. Cabo Verde não tem dinheiro para estar a fazer e desfazer manuais didáticos. Por isso, deve-se ter calma, estudar os processos e avançar aos poucos e com eficiência”, aponta.
O Manual de Língua e Cultura Cabo-verdianas tem merecido críticas de vários quadrantes, desde professores a investigadores, como, de resto, se pode atestar nos artigos de opinião, por exemplo de Eleutério Moreira ou de José Luis Hopffer Almada, publicados no Santiago Magazine.
Hans-Peter (Lonha) Heilmair nasceu em Stuttgart (Alemanha) em 1957. Em Lisboa estudou Línguas Românicas em Freiburg im Breisgau e Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa.
Com doutoramento sobre literatura cabo-verdiana em Freiburg, deu aulas em universidades e escolas superiores da Alemanha, Suíça, Portugal e Cabo Verde.
Professor de Crioulo de Cabo Verde na Associação Cabo-verdeana de Lisboa, Lonha também dá aulas de Crioulística na Universidade de Santiago e conta com várias investigações publicadas sobre a situação linguística de Cabo Verde.
Em 2022, lançou o livro “Crioulo e Português em Cabo Verde – Um repto entre diluição e afirmação”. Ainda na literatura, assina poesia como João Lopes de Alcântara.
Comentários
JLT, 5 de Mai de 2025
Curioso como o artigo mais virulento publicado contra o manual não é linkado aqui. Alguma grande razão haverá. Continuai.
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Venuza, 5 de Mai de 2025
O antigo Presidente Fonseca tem razão.
Há entidades oficiais que são escutadas quer cá em CV quer lá fora por seus colegas , sem sucesso , pois falam só em criolo; principalmente alguns Presidentes de Câmara.
Têm dificuldades?
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Monteiro, 5 de Mai de 2025
Tanto a lingua caboverdiana como a portuguesa têm problemas.
Gostei de ouvir o intelectual e competente Dr. Jorge Carlos Fonseca expondo sua preocupação com o baixissimo nivel em Cabo Verde de se expressar , escrever e ler a lingua portuguesa portuguesa.
Porque os meus pais e avós falavam e escreviam um bom português , sem prejudicar o seu bom criolo?
Nas escolas e repartições públicas utilizava- se o português. No lazer e em casa era o criolo.
Alinho com o Dr. JCFonseca.
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