Em nota que Santiago Magazine teve acesso, a Associação Cabo-verdiana dos Armadores da Marinha Mercante, afirmam-se contra a concessão da exploração dos transportes de marítimos inter-ilhas, em regime de monopólio por 20 anos, com probabilidades de renovação por igual período ou mais, por ser alegamente inconstitucional e lesivo à economia nacional.
A Associação entende que conceder a exploração dos transportes martítmos inter-ilhas em regime de monopólio a uma empresa iria empurrar milhares de pessoas para o desemprego, com graves implicações sociais. As empresas do ramo ficariam envegonhadas perante a banca e outros credores. A Constituição da República e leis subsidiárias relacionadas com actividades estariam sendo violadas nos seus fundamentos e princípios, para além de representar uma machadada nas finanças públicas.
Com efeito, esses profissionais da marinha mercante nacional defendem que este concurso fere a livre concorrência no quadro da organização económica do Estado, prevista na Constituição da República, lesa as Finanças Públicas e empurra os investidores nacionais do sector para o desemprego e para a marginalidade profissional e financeira.
A referida nota, assinada por João António Guilherme Delgado, regista, neste particular, que que do ponto de vista económico e financeiro este concurso internacional afetará “o Estado de Cabo Verde, privando o Ministério das Finanças, em sede do IRPS, do IRPC e do IVA de largas dezenas de milhões de escudos por ano; o INPS em contribuições que ascendem, também, a dezenas de milhões de escudos por ano; as instituições financeiras nacionais e a credibilidade dos armadores. O avultado crédito contraído junto à banca pelos empresários dos transportes marítimos nacionais cairão em incumprimento, com consequências que afetarão gravemente estes homens de negócios e suas famílias; os artigos 2º, 3º e 4º, pontos 1 e 2 da Lei n.º 49/VII/2009, de 30 de Dezembro, que aprova o regime geral de acesso à atividades económicas; e imobilização dos ativos das empresas (navios e inerentes) por imposição legal e com repercussões imprevisíveis.”
Isto, para além de despedimentos de milhares de pessoas, com todas as implicações sociais e familiares, num país a braços com elevada taxa de desemprego, entre outros males sociais.
Confira a nota de imprensa na integra.
"NOTA DE IMPRENSA
“Respeitar e Prestigiar a História dos Armadores da Marinha Mercante Nacionais e a sua contribuição para o desenvolvimento de Cabo Verde”
1. No quadro da sua política estratégica visando melhorar a eficiência e a eficácia de transporte de passageiros e cargas, o Governo lança um concurso internacional para a concessão do serviço público de transportes marítimos inter-ilhas de passageiros e cargas, em regime de exclusividade durante 20 anos para todas as linhas, entendendo que os armadores nacionais não tinham condições de garantir esse serviço nas condições requeridas.
2. Com efeito, a Cláusula 3º do Caderno de Encargos da segunda fase do concurso por prévia qualificação (pois que a primeira fase foi completamente deserta de todos os documentos exigidos por lei), cujo prazo para a entrega das propostas terminou a 27 de setembro p.p. diz, claramente, no seu número 1, que “a concessão é estabelecida em regime de exclusividade ao adjudicatário”. Isto significa, em outras palavras, que a concessão é estabelecida em regime de monopólio, por vinte anos, eventualmente renovável, por iguais e sucessivos períodos. Significa ainda dizer que acabou em Cabo Verde o regime de concorrência no mercado de transportes marítimos inter-ilhas de cargas e passageiros, com a agravante da exclusão dos armadores nacionais do setor por ato da Administração.
3. Tal situação configura um atentado à Constituição da República que, ao estabelecer os princípios da organização económica do Pais, manda, sem margens para dúvidas, que o mercado seja organizado pelo Estado e pelos demais poderes públicos por forma a garantir a democracia económica e assegurando, designadamente, “a igualdade de condições de estabelecimento e de atividade e a sá concorrência”.
4. No desenvolvimento deste sagrado princípio constitucional vem o regime geral de acesso às atividades económicas, aprovado pela Lei n.º 49/VIl/2009, de 30 de Dezembro, que revogou a anterior Lei n.º 93/1V/93, de 15 de Dezembro, permitir o livre estabelecimento a nacionais e estrangeiros em todos os setores económicos abertos à iniciativa privada... e conceder tratamento equitativo às atividades económicas de qualquer natureza realizadas no território nacional, proibindo qualquer tratamento discriminatório entre uns e outros, seja de natureza política, jurídica ou administrativa!.
5. No desenvolvimento ainda do artigo 6º da Lei 49/VIl/2009, de 30 de Dezembro, que manda o Estado assegurar a disponibilidade dos meios fundamentais de transporte necessários à circulação de pessoas e bens inter-ilhas e à importação e exportação de produtos, foram aprovadas as Bases de Concessão do Serviço Público Marítimo Inter-Ilhas, que na sua Base IV, n.º 1, diz que o referido serviço é exercido exclusivamente em regime de concessão, obedecendo ao princípio da universalidade, igualdade, continuidade, regularidade, qualidade, acessibilidade de preços, eficiência e eficácia.
6. Dizer exclusivamente em regime de concessão é bem diferente de dizer em regime de concessão exclusiva. Esta ultima asserção que vem expresso no texto do caderno de encargos e de outros documentos do procedimento, para além de ser ilegal, seria, também inconstitucional.
7. Por outro lado, a continuação deste processo acarretará o encerramento de todas as empresas marítimas nacionais, com implicações graves de ordem social, económica e financeira.
8. Do ponto de vista social e económico este ato afetará, diretamente e com despedimento imediato, centenas de trabalhadores, com impacto indireto em milhares de pessoas. O efeito multiplicador da perda de rendimento destas famílias é devastador no seio do tecido empresarial, particularmente de S. Vicente, com resultados negativos a nível das relações económicas e sociais destas famílias com as mais variadas instituições públicas e privadas, no âmbito das suas transações económicas de bens e serviços indispensáveis. Em suma, o impacto se fará também sentir a nível do comercio geral, escolas, universidades, empresa de energia e água, telecomunicações, transportes, saúde, etc. com efeito direto na depreciação das condições de vida de milhares de pessoas (trabalhadores e famílias dependentes).
9. Do ponto de vista económico e financeiro afetará ainda:
(1) o Estado de Cabo Verde, privando o Ministério das Finanças, em sede do IRPS, do IRPC e do IVA de largas dezenas de milhões de escudos por ano;
(2) o INPS em contribuições que ascendem, também, a dezenas de milhões de escudos por ano;
(3) as instituições financeiras nacionais e a credibilidade dos armadores. O avultado crédito contraído junto à banca pelos empresários dos transportes marítimos nacionais cairão em incumprimento, com consequências que afetarão gravemente estes homens de negócios e suas famílias;
(4) 2 Cf. Artigos 2º, 3º e 4º/1 e 2 da Lei n.º 49/VIl/2009, de 30 de Dezembro, que aprova o regime geral de acesso à atividades económicas;
(5) Imobilização dos ativos das empresas (navios e inerentes) por imposição legal e com repercussões imprevisíveis.
O quadro acima exposto é preocupante e perante tal, a ACCAM (Associação Cabo-Verdiana dos Armadores da Marinha Mercante) pede ao Governo que pondere bem a situação e marque uma posição clara, definitiva e imediata sobre o assunto em epígrafe, assegurando aos armadores de cabotagem nacionais a continuidade das suas atividades e garantindo-lhes as condições para a realização de futuros investimentos na área.
ASSOCIAÇÃO CABO-VERDIANA DOS ARMADORES DE MARINHA MERCANTE (ACAMM)
O Presidente
João António Guilherme Delgado"
Comentários