PROFESSOR: Formação/Qualificação e Desafios de Modernização em Cabo Verde
Colunista

PROFESSOR: Formação/Qualificação e Desafios de Modernização em Cabo Verde

Em Cabo Verde, ainda que sem qualquer estudo, pela experiência, podemos considerar que o Professor não é uma profissão prestigiada, tanto mais que, quem vai “parar” ao professor, na maior parte dos casos, é porque não teve outra alternativa, ou então, é porque pretende ocupar-se temporariamente, enquanto se aguarda por uma oportunidade de emprego de maior prestígio social e financeiramente mais aliciante. Olhando para todos esses cenários e exemplos, sugere-nos que Cabo Verde precisa de uma profunda reforma no modo de seleção, formação, integração pós-formação e desenvolvimento profissional na carreira do Professor. A conceção do Professor como uma profissão e não como um tarefeiro, precisa-se! Isto passa, necessariamente, pela definição de uma “Política Nacional para a Docência”, instrumento político-estratégico que o país ainda não dispõe.

Um Professor deve ser perspetivado como um agente intelectual, transformador da realidade social do seu país, independentemente do nível educativo onde trabalha (Felício & Oliveira, 2008).[i] Deste ponto de vista, construir edifícios de última geração, com instalações modernas, e assegurar abundância de recursos materiais educativos, como acesso às últimas tecnologias digitais, etc., etc., são ações maravilhosas que podem tornar a vida escolar numa experiência mais agradável para o aluno, mas é preciso considerar que o que é determinante, na qualidade e relevância educativa, é o Professor (Barber & Mourshed, 2007; Temmerman, 2017) [ii]

Tem sido entendimento de muitos especialistas de que não há Governo que consegue inovar o sistema educativo de um país, sem que os Professores estejam engajados, seguros e conscientes da necessidade de fazerem operar mudanças para uma educação de qualidade para os seus alunos e para a sociedade, face aos desafios que se colocam a essa sociedade, e ao seu desenvolvimento (Temmerman, 2017). Por essa razão, os Professores devem ser considerados como atores e fatores-chave nos processos de reformas educacionais que visem uma educação de excelência (Barber & Mourshed, 2007, Temmerman, 2017).

Este é o paradigma do pensamento e a concepção que têm orientado muitos países na definição de orientações das suas Políticas para a Educação, enquanto pilar mais importante para todo o processo de desenvolvimento, no pressuposto de que: a Agenda de Inovação, tanto do próprio Sistema Educativo, como dos demais setores da vida pública de um país, depende, em larga medida, de melhores e mais brilhantes Professores (Temmerman, 2017; UNESCO, 2019).

É nesta perspetiva que, na Ásia (a única região do mundo onde surgiram novos países desenvolvidos, nos últimos 50 anos), os Professores veem sendo considerados “Construtores da Nação” (Asia Society, 2011)[iii], sendo que, na Coreia do Sul e Singapura, pesquisas revelam que, o público, em geral, acredita que os Professores são a classe profissional que dá maior contributo para a sociedade e, por isso, são tidos como profissionais mais importantes (Barber & Mourshed, 2007). É assim que, devido ao elevado prestígio social, no caso da Coreia do Sul, o Professor está entre as profissões mais concorridas pelos melhores estudantes (Ministry of Education – Republic of Korea, 2015)[iv], mas o mesmo, também, acontece na Finlândia.

Num esforço para se compreender e definir o que constitui “Um Bom Professor” e promover as competências e o profissionalismo dos Professores, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação, e consequentemente a aprendizagem dos alunos, um número crescente de países está a desenvolver Padrões Profissionais para os Professores, envolvendo basicamente: (i) as expectativas sobre o conhecimento (que conhecimentos/que saberes os Professores devem ter?), (ii) as competências e habilidades e (iii) o nível desejável de desempenho (UNESCO, 2019)[v].

Ter Professores de alta qualidade é o resultado de escolhas políticas deliberadas e não produto do acaso (Stewart, 2020).[vi] O ritmo, sem precedentes, de mudanças que assistimos neste início do séc. XXI, num mundo globalizado, exige reformas abrangentes nas estratégias, nos sistemas e nas práticas, em todos os domínios da nossa vida pública (Tan, 2019)[vii]. A educação é, sem dúvida, o investimento nacional mais importante, a longo prazo, na medida em que: uma educação de qualidade impacta a construção da nação e a capacidade da sociedade se adaptar, criar valor e inovar (Tan, 2019). Assim, de entre os profissionais que devem estar na linha de frente das agendas transformacionais dos Governos para enfrentar os grandes desafios são os Professores - profissionais com a missão de preparar as próximas gerações para lidar com este mundo complexo.[viii]

Nesta perspetiva, os Serviços Nacionais da Educação, seja a nível da definição das Políticas, seja a nível de Formação de Professores, devem estar com uma visão muito clara sobre a realidade desafiadora em que vivemos e, em face disso, apostar, de forma determinada, na qualidade do Professores; atrair os mais talentosos e comprometidos; e investir fortemente nas suas qualificações, a fim de poderem impulsionar os indivíduos e toda a nação para os resultados económicos, sociais e culturais desejados (Tan, 2019).

Uma decisão de seleção pouco cautelosa, ou mesmo de não seleção, como a que acontece em Cabo Verde, pode reproduzir um ciclo vicioso de má qualidade da educação, cuja inversão poderá demorar-se em até quarenta (40) anos (Barber & Mourshed, 2007). Isto, se tivermos em conta o número de anos que um Professor trabalha para se reformar, mais o tempo médio de duração dos Cursos de Formação de Professores. A tudo isso, se associa ainda o facto de ser sempre muito difícil e rara a expulsão de um professor pelo seu mau desempenho (UNESCO, 2019).

Investigações levadas a cabo têm demonstrado que, para uma pessoa se torne num Professor profissionalmente eficaz, precisa possuir um conjunto de saberes e características que podem ser identificadas mesmo antes da entrada para a formação inicial, designadamente:

-      Um alto nível de preparação académica de base;

-      Forte habilidade de comunicação interpessoal;

-      Vontade de aprender; e

-      Motivação para orientar a aprendizagem (Barber & Mourshed, 2007)

Em vários países, o rigor e os cuidados nos processos de: (i) seleção de candidatos a formação de professor; (ii) formação inicial; (ii) integração profissional pós-formação; (iii) e desenvolvimento profissional na careira, estão a ser equiparados aos dos médicos, num quadro de fortes medidas de política de valorização do Professor e da profissão docente.[ix] Essa perspetiva vai de encontro à que é defendida pela UNESCO (2019), segundo a qual, o processo de qualificação de Professores deverá incluir três fases interligadas, conforme se ilustra no esquema seguinte.

 

Seguindo esse esquema, nos termos do que é defendido pela UNESCO e por vários especialistas em formação de professores, o processo de qualificação do professor deve iniciar-se com a seleção de candidatos a formação e com a qualidade de formação inicial a que lhes são proporcionados. Terminadas essas duas etapas da primeira fase, o processo ganha desenvolvimento com a fase de integração, ou seja, de inserção do recém-formado na vida profissional (UNESCO, 2019). Essa segunda fase é de maior importância para o recém-formado, tanto para a sua integração, como para o seu desenvolvimento profissional futuro, na medida em que, por um lado, contribui para a consolidação da sua formação inicial e, por outro, o prepara para a carreira profissional.[x]

O que aprendem os novos Professores nos seus primeiros anos de trabalho é considerado como sendo de capital importância para o seu desempenho profissional futuro (Ministério da Educação do Chile, 2008)[xi]  Durante essa fase, o novo Professor deve receber formações específicas e adequadas à sua integração e deve ser acompanhado por um Professor experiente, em regime tutorial, devidamente estimulado e recompensado para o ajudar a integrar-se bem e vir a ser um grande Professor (UNESCO, 2019). A fase que se sucede é a de desenvolvimento profissional na carreira, e deve ser acompanhada de formação contínua, tendo em conta os permanentes e novos desafios educacionais.[xii]

Para que tudo isto funcione bem, é preciso criar condições para que os mais dotados, cuidadosos, criativos e entusiastas se tornem Professores (Professores qualificados) e, consequentemente, poderem ajudar a desenvolver profissionais inteligentes, atraentes, criativos e entusiastas que geram ideias para o desenvolvimento da sociedade, no seu todo (Gillard, 2013)[xiii]. Afinal, para competir na economia global; viver numa sociedade civilizada; e desenvolver os talentos de cada um de nós, teremos que desbloquear o potencial de todos os jovens e, ao fazer isso, cada um pode florescer, desenvolver as suas próprias forças e desenvolver os seus próprios talentos especiais (Delors, 1998[xiv]; Gillard, 2013).

Em Cabo Verde, na ausência de uma “Política Nacional para a Docência”, tradicionalmente, qualquer pessoa minimamente escolarizada se acha apta para ser Professor, no entendimento de que, “dar aula” é uma tarefa que está ao alcance de qualquer um.

Estudos feitos demonstram que é natural que as pessoas tenham esse entendimento, na medida em que a profissão - Professor – é a única em que, todos, desde de criança, ao frequentarem a escola, familiarizam-se com ela durante muitos anos, decorrente do seu próprio processo educativo. Mas, sendo a educação uma das principais prioridades humanas, cuja qualidade e o sucesso assentam, em primeiro lugar, na qualidade e eficácia dos Professores (UNESCO, 2019)[xv], o Professor não pode ser considerado como uma profissão ao alcance de qualquer um e, muito menos, uma tarefa em que todos podem executar.

Enquanto profissão (e não uma tarefa), o Professor, em vários países está a ser considerado uma profissão extremamente complexa, contrariando, desta forma, a ideia antiga e, por vezes, alimentada publicamente, de que ser Professor é muito simples (Labaree, 2000).[xvi] Esta ideia, segundo escreve o referido autor, Professor na Universidade estatal de Michigan, Estados Unidos, muito contribuiu para o desprestígio da profissão.

Mas, como dizia o filósofo Kant, “as duas invenções do homem que podem ser consideradas as mais difíceis de todas, são a arte de governar e a arte da educar” (Kant, 2003, citado por Fleming, 2016, p. 4).[xvii] Nessa conceção complexa da educação, em vários países, os processos de seleção dos candidatos tendem a tornar-se cada vez mais rigorosos, de modo que apenas os “melhores” conseguem ser Professores (Barber & Mourshed, 2007). A UNESCO, no Guião de Desenvolvimento de Políticas para a Docência, um instrumento valioso, elaborado e sugerido aos países, pelo referido organismo, sugere que, “antes da certificação ou licenciamento, os professores recém-qualificados podem ser obrigados a proceder (com sucesso) um período probatório”, ainda, antes de receberem os certificados da formação inicial  (UNESCO, 2019, p. 49). Segundo o referido organismo, o período probatório (que pode ir até 3 anos) é cada vez mais visto como um passo essencial, antes da confirmação na carreira docente e deve ser considerado uma parte vital da política para os Professores.

Percebe-se assim, com maior clareza, que o Professor é uma profissão que requer competências conhecimentos e habilidades especializados, adquiridos e atualizados por meio de formação e treinamento rigorosos e contínuos, além de um senso de responsabilidade pessoal e coletivo pela educação e bem-estar dos alunos (Delors, 1998; OIT, 2012[xviii]). Tudo isso pode ser resumido no esquema seguinte, cujas setas com o duplo sentido indicam as dinâmicas interativas ou de auto-aprimoramento profissional, como aspeto fundamental para a qualificação contínua de um professor (European Commission, 2013)[xix].

 

Encontrar pessoas certas, preparadas e dotadas para desenvolver essas capacidades não é tarefa fácil e é de grande responsabilidade, no processo de qualificação de um corpo docente.

Em países como Finlândia e Singapura, por exemplo, o processo de seleção de candidatos a formação de Professor começa pela realização de provas nacionais, organizadas pelo Estado, para apurar quem tem competências e habilidades para se candidatar ao curso de formação de Professor (Barber & Mourshed, 2007)

Apenas os que ficarem apurados no processo nacional de triagem estarão habilitados a se candidatar às vagas nas instituições de formação que, por sua vez, realizam as suas provas específicas, mediante um processo complexo que envolve análise do currículo, provas escritas e entrevistas para selecionar os melhores.[xx] O pressuposto subjacente é o de que a educação é um assunto do Estado e nela o Estado não pode falhar.[xxi]

Dado ao rigor nos procedimentos, por exemplo, em Singapura, em cada seis candidatos, apenas um é selecionado, enquanto na Finlândia, em cada 10, apenas um é selecionado (Barber & Mourshed, 2007).

No caso da Finlândia e outros países, como a Inglaterra, depois da formação, os candidatos ficam, ainda, sujeitos às provas de acesso à profissão realizadas por cada escola a que se candidatem, já que compete a elas o recrutamento dos seus professores, no âmbito das suas autonomias.[xxii]

Em Cabo Verde, ainda que sem qualquer estudo, pela experiência, podemos considerar que o Professor não é uma profissão prestigiada, tanto mais que, quem vai “parar” ao professor, na maior parte dos casos, é porque não teve outra alternativa, ou então, é porque pretende ocupar-se temporariamente, enquanto se aguarda por uma oportunidade de emprego de maior prestígio social e financeiramente mais aliciante.

Olhando para todos esses cenários e exemplos, sugere-nos que Cabo Verde precisa de uma profunda reforma no modo de seleção, formação, integração pós-formação e desenvolvimento profissional na carreira do Professor. A conceção do Professor como uma profissão e não como um tarefeiro, precisa-se! Isto passa, necessariamente, pela definição de uma “Política Nacional para a Docência”, instrumento político-estratégico que o país ainda não dispõe.



[i] http://www.scielo.br/pdf/er/n32/n32a15.pdf
[ii] http://www.universityworldnews.com/article.php?story=20171108101359598;   Microsoft Word - $ASQ296CBB3E5437938482F3CCCA95C784C820080329183029.doc
[iii] https://asiasociety.org/education/improving-teacher-quality-around-world
[iv] http://koreaneducentreinuk.org/wp-content/uploads/downloads/Education_the-driving-force-for-the-development-of-Korea.pdf
[v] https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000370966.
[vi] https://asiasociety.org/global-cities-education-network/how-singapore-developed-high-quality-teacher-workforce.
[vii] https://www.wise-qatar.org/app/uploads/2019/04/teacher_policies_online_0.pdf.
[viii] Idem.
[ix] Barber & Mourshed, 2007, Op. cit; McBeath, 2006; Temmerman, 2017, Op. cit.
[x] Idem.
[xi]. https://buscacurso.mineduc.cl/consultacursocpip-web/locals/pdf/inscripcion_de_cursos.pdf
[xii] Idem.
[xiii] http://www.educationengland.org.uk/documents/wp1997/excellence-in-schools.html.
[xiv] https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000109590_por
[xv] UNESCO, 2019, Op. cit.
[xvi] file:///C:/Users/Administrator/Downloads/On_the_Nature_of_Teaching_and_Teacher_Education_Di.pdf.  
[xvii]  (PDF) Fleming, T. (2014). Axel Honneth and the struggle for recognition: Implications for transformative learning.
[xviii] https://www.ilo.org/sector/Resources/publications/WCMS_187796/lang--es/index.htm.
[xix] https://ec.europa.eu/assets/eac/education/policy/school/doc/teachercomp_en.pdf.
[xx] Idem.
[xxi] Ibidem.
[xxii] Microsoft Word - $ASQ296CBB3E5437938482F3CCCA95C784C820080329183029.doc

 

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