O pensamento único: uma armadilha perigosa para a verdade histórica de Cabo Verde
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O pensamento único: uma armadilha perigosa para a verdade histórica de Cabo Verde

Para uma memória plural e uma nação unida, devemos ultrapassar o pensamento único, e a exigência de desculpas não é, na minha opinião, politicamente pertinente. Se assim fosse, então que se exijam desculpas à antiga potência colonial. Cabo Verde merece uma memória plural e construtiva, que reconheça os erros sem apagar os sucessos, e que permita a todas as gerações apropriar-se de uma história rica, complexa e digna, para um Cabo Verde para todos, como sempre sonhou Amílcar Cabral. O revolucionário morreu, mas as suas ideias continuam vivas e eternas.

Hoje, é imperativo responder com rigor e honestidade intelectual ao que, infelizmente, pode ser considerado uma tentativa redutora e negativa de interpretar o período sombrio da história política de Cabo Verde como sendo apenas o do partido único, que alguns qualificam como um regime autoritário a condenar, chegando a exigir desculpas oficiais. Esta postura insere-se numa lógica que podemos chamar de pensamento único, uma visão egoísta e unilateral que nega a riqueza, a complexidade, a pluralidade e a multidimensionalidade da nossa história nacional.

A memória de um grupo não pode ser neutra nem estática. Os estudos estatísticos não conseguem descrever tudo, pois a memória coletiva está em constante movimento, em construção, fortemente dependente do passado, do presente e do futuro, permitindo construir a nossa identidade nacional e política.

No entanto, certos discursos que podem ser considerados seletivos, redutores, parciais e tendenciosos tentam hoje impor uma memória única segundo a qual o período do partido único sob o PAICV foi uma fase negra da história nacional, e que desculpas devem ser apresentadas ao povo cabo-verdiano, ocultando assim as nuances e as contradições históricas.

O pensamento único divide, estigmatiza em vez de unir e reunir, nega o trabalho do PAICV e faz com que a exigência de desculpas aos cabo-verdianos por este período se torne um mecanismo de redução e exclusão, impedindo o pluralismo dos relatos e das ideias, o que é contrário aos valores democráticos que gostamos de mostrar ao mundo e que moldam a imagem política de Cabo Verde.

Devemos reconhecer que o período do partido único foi um tempo de construção da nação, de esquemas políticos, culturais e sociais, pedir ao PAICV que peça desculpas seria negar essa dinâmica complexa. Poderíamos estar diante do que se chama «vitimização concorrente», onde um grupo tende a reforçar a sua posição de vítima. Ao exigir desculpas públicas apenas para o período do partido único, sem reconhecer o peso do colonialismo português nem os esforços de construção nacional, caímos nessa armadilha.

Se seguirmos esta lógica rigorosamente, então também seria necessário exigir desculpas a Portugal, potência colonial responsável por décadas de exploração, violência, deportações e espoliações. Esta dominação colonial marcou profundamente Cabo Verde, e o seu legado estrutural explica em grande parte os desafios que o país enfrentou após a independência.

A memória transcultural obriga-nos a ultrapassar este tipo de pensamento redutor e a optar pela construção de uma memória que integre também os traumas coloniais, abrindo ao mesmo tempo um debate sobre o futuro. Ignorar este passado colonial na exigência de desculpas é uma forma de amnésia política que impede uma compreensão global e honesta da nossa história. Além disso, seria também necessário apresentar desculpas ao povo cabo-verdiano pelas dificuldades atuais, como os problemas de transporte e o isolamento da ilha do Maio no ecossistema cabo-verdiano, afetando as populações da Brava e do Maio.

O melhor caminho a seguir seria optar pela reconciliação com a nossa história, pois não são desculpas que repararão as falhas e erros do passado. A gestão do passado deve ser equilibrada e cuidadosa, reconhecendo os sofrimentos sem apagar os contextos, as responsabilidades partilhadas, e sobretudo visando reconstruir a nação em vez de a fracturar.

O PAIGC lutou pela independência, sinónimo de liberdade e democracia, que em Cabo Verde nasceu não em 1991, mas no dia 5 de julho de 1975. A transição pacífica para o multipartidarismo em 1991 é prova da maturidade política e do compromisso com o interesse nacional.

Para uma memória plural e uma nação unida, devemos ultrapassar o pensamento único, e a exigência de desculpas não é, na minha opinião, politicamente pertinente. Se assim fosse, então que se exijam desculpas à antiga potência colonial.

Cabo Verde merece uma memória plural e construtiva, que reconheça os erros sem apagar os sucessos, e que permita a todas as gerações apropriar-se de uma história rica, complexa e digna, para um Cabo Verde para todos, como sempre sonhou Amílcar Cabral. O revolucionário morreu, mas as suas ideias continuam vivas e eternas.

Que Deus abençoe Cabo Verde
Viva a República de Cabo Verde
Viva a liberdade e a democracia
Viva os combatentes da liberdade
Viva a memória de Amílcar Cabral
Viva o povo digno, solidário e sonhador de um Cabo Verde para todos

 

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