É importante notar que o orçamento da UniCV, UTA e FICASE juntos perfazem um total de dois milhões e setecentos mil escudos, o que representa quase metade do que o governo atualmente gasta com estudos e consultorias. A gratuidade do ensino superior não é utopia: países como Alemanha, Noruega, República Tcheca, Finlândia, Brasil, Uruguai, Argentina e Egito já a implementaram – inclusive para estrangeiros, em alguns casos. Em Cabo Verde, trata-se de uma escolha política. O que falta não é viabilidade financeira, mas coragem para priorizar a educação como alicerce do desenvolvimento.
O debate sobre o financiamento do ensino superior público entrou na ordem do dia quando Francisco Carvalho, na qualidade de candidato à liderança do PAICV, incluiu na sua lista de prioridades acabar com o pagamento das propinas nas universidades públicas, caso vier a ser eleito Primeiro-Ministro de Cabo Verde.
Em 2004, quando ingressei na carreira docente, era quase que uma heresia falar em acabar com a comparticipação direta dos pais nos custos com a formação dos seus filhos. Geralmente recorriam a dois argumentos para inviabilizar qualquer diálogo neste sentido: primeiro, seria uma medida que poria em perigo a sustentabilidade financeira das escolas, pois grande parte dos custos de funcionamento dependiam das receitas geradas internamente. Segundo, acabar com as propinas faria com que, tanto os pais como os próprios alunos, deixassem de dar devido valor aos estudos, com base na falácia de que os cabo-verdianos só valorizam o que pagam com o dinheiro do seu bolso.
As propinas foram extintas pelo atual governo em todos os subsistemas do ensino (do básico ao último nível do secundário) e nenhum dos receios apontados se efetivou. É verdade que o fim das propinas ainda não significou o fim integral da comparticipação dos pais nas despesas das escolas, pois em muitos agrupamentos ainda se cobra a famosa “caixa escolar”, fotocopias, etc., contudo, tem que se reconhecer que foi dado um passo importante na inclusão social de todos no sistema de ensino.
Entretanto, faltou ousadia e vontade política ao governo para, ainda nesta legislatura estender a gratuidade do acesso ao ensino às universidades. Porém, confrontado com as propostas impactantes avançadas por Francisco Carvalho, o executivo viu-se obrigado a correr atrás do prejuízo e tudo tem feito para apresentar melhorias em todas áreas que têm sido apontados como pontos críticos da atual governação.
Assim, foi em reação às propostas de Francisco Carvalho que Ulisses Correia e Silva agendou rapidamente uma sequência de visitas às universidades do país, onde foi anunciar um ambicioso pacote de apoios à regularização de dívidas de estudantes finalistas com propinas em atraso, e anunciou que o governo está trabalhar para criar melhores condições de acesso, permanência e conclusão do ensino superior em Cabo Verde. Só não ousou usar a expressão “fim das propinas” para não ficar ainda mais óbvio que está a seguir a agenda do Presidente da Câmara Municipal da Praia.
A forma como o Primeiro-Ministro tem abordado esta questão deita por terra toda a narrativa de que se trata de propostas populistas ou que põem em perigo os equilíbrios macroeconómicos do país. Todavia, para os mais céticos, podemos ainda apresentar alguns dados do Orçamento Geral do Estado e que ajudam a comprovar que acabar com as propinas não terá um grande impacto sobre as contas públicas.
Se tomarmos como exemplo a Universidade de Cabo Verde podemos constatar que a referida instituição de ensino tem atualmente um orçamento anual à volta de um milhão de contos. A comparticipação direta do governo é de 34%, portanto cerca de trezentos e quarenta mil contos. Para além da comparticipação direta, o governo é ainda responsável pelo pagamento das propinas de todos os bolseiros da FICASE e de alguns ministérios que apoiam estudantes ao abrigo de protocolos e projetos específicos. Portanto, na verdade, o governo já é responsável por mais de 70% do orçamento da UniCV. Se tivermos em conta que a universidade gera algumas receitas própria através de prestação de serviços, pesquisas e consultorias, o remanescente a ser coberto pelo estado nunca seria superior a 200 mil contos anuais, valor esse que ficaria na posse das famílias para investirem na aquisição de outros bens e serviços.
É importante notar ainda que o orçamento da UniCV, UTA e FICASE juntos perfazem um total de dois milhões e setecentos mil contos, o que representa quase metade do que o governo atualmente gasta com estudos e consultorias.
A gratuidade do ensino superior não é utopia: países como Alemanha, Noruega, República Tcheca, Finlândia, Brasil, Uruguai, Argentina e Egito já a implementaram – inclusive para estrangeiros, em alguns casos. Em Cabo Verde, trata-se de uma escolha política. O que falta não é viabilidade financeira, mas coragem para priorizar a educação como alicerce do desenvolvimento.
Comentários
Silva, José, 12 de Abr de 2025
Se o ensino superior fosse gratuito haveria certamente um custo orçamental muito mais elevado e quiçá insuportável pela atual fase de desenvolvimento económico do país. Creio que precisamos de ter mais financiamento e promoção de cursos profissionais do que maior incentivo à formação superior sem disprimor pela necessidade de se apostar mais no aperfeiçoamento da qualidade da formação universitária , no incentivo à investigação nos mais variados domíneos e por aí em diante.
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Daniel Carvalho, 12 de Abr de 2025
Arnaldo Brito é a pessoa que mais tem batalhado para a revisão do sistema de financiamento do Ensino Superior em CV e quase sempre o acompanhei. Por mim, não deve ser gratuito, todos devem pagar, mas num outro quadro e numa outra lógica, de nodo que ninguém fique de fora ou constrangido por falta de recursos financeiros. Mesmo no Ensino Secundário, penso que devia-se seguir a mesma lógica. Isso por forma a beneficiar tanto os estudantes que alinham para o ensino público como privado.
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José Araújo, 12 de Abr de 2025
É populista, injusta e impensada.
É um via para promover o extermínio das universidades privadas. Resta saber se é tomada por desconhecer as óbvias e desastrosas consequências para o ensino no país, ou se é tomada com êsse propósito expresso de acabar com as universidades privadas, a maior parte delas sedeadas em S.Vicente.
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