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Neusa Lopes. “O sistema de ensino está a mudar de forma brusca para o digital. A pandemia acelerou tudo”
Entrevista

Neusa Lopes. “O sistema de ensino está a mudar de forma brusca para o digital. A pandemia acelerou tudo”

Nasceu na Praia e andou por vários países até assentar arraiais nos Estados Unidos da América, onde há largos anos é professora universitária de inglês para professores de inglês, activista, além de escritora com obra aclamada sobre educação e pandemia. Neusa Correia Lopes, poliglota que fala sete idiomas, está na Praia para apresentar, no dia 1 de Setembro, no novo Campus da Universidade Santiago, na Praia, a sua mais recente obra “Educando o nosso psico-emocional e estado social através da Pandemia - Impacto das máscaras no domínio da Educação”, tradução livre de “Educating our Psycho-Emotional and Social State Trough Pandemic – Mask impact on Education Realm”, tema que volta a ganhar destaque com o ressurgimento de novos casos de covid-19 no país, à semelhança do que já acontece noutras paragens com novas variantes do vírus. Antes, Neusa Lopes fará a apresentação do livro “Enigma – Retrato de uma Vida” no Centro Cultural Português. Dia 24, quinta-feira, às 17 horas. Depois será no Eco-Centro, em São Domingos.

Santiago Magazine – Antes de mais, e para quem não a conhece, diz-nos quem é Neusa Lopes.

Neusa Lopes – Eu sou uma cabo-verdiana, nascida na cidade da Praia. Vivi em vários países – Holanda, Portugal …  – até acabar residente nos Estados Unidos, onde ainda estou a viver como professora universitária, além de escritora.

 

- Dá aulas de quê?

- Dou aulas de inglês. Não a simples disciplina de língua inglesa, mas sim sou formadora de professores de inglês, isto é, sou professora dos professores de inglês. E faço isso tanto nos EUA quanto noutros países. Por exemplo, já dei aulas na Universidade de Santiago, na Uni-Piaget… Antes, eu era vice-directora para assuntos Sociais na Escola Cesaltina Ramos,na Achada Santo António.

 

- Mas tem actividades paralelas, além de dar aulas, pois não?

- Sim, para além de dar aulas faço outros tipos de trabalho. Fui durante algum tempo – mas já não o faço mais – terapeuta mental no Brockton Inclusion Center, trabalho com a comunidade cabo-verdiana e dou aulas de inglês como segunda língua para emigrantes recém-chegados aos EUA, emigrantes profissionais e não profissionais. É uma formação para poderem lançar-se no mercado do trabalho, portanto, são aulas do currículo educacional americano para esses trabalhadores profissionais. Todos os alunos são submetidos a um teste diagnóstico standard, do Estado. São aulas multiculturais porque são alunos de diferentes países, chineses, brasileiros, cabo-verdianos, vietnamitas, dominicanos que querem trabalhar na sua área de formação mas que encontram barreiras na língua. Por isso, o programa se chama ‘Englih for work force’, que visa preparar esses profissionais para ‘life skills’ (competências para a vida, para a carreira), pelo que não se tratar de ensinar apenas o inglês normal.

 

"O terceiro capítulo (do livro “Educating our Psycho-Emotional and Social State Trough Pandemic – Mask impact on Education Real") fala inclusive da ‘revolução industrial digital’ no seio do sector da Educação. O que está a acontecer e o que vai acontecer em 2030-2050"

- Está a promover o seu livro ‘Educação durante a Pandemia’. Do que trata concretamente esta obra?

- Para já, até este momento já publiquei quatro livros. O primeiro, que se chama Enigma – Portrait of a life, lançado em 2019, é uma obra que fala precisamente sobre mim. Já foi apresentado em Cabo verde e diversas cidades como em Las Vegas, Nevada. 

O segundo livro é “Educação durante a Pandemia”, que foi traduzido pela Universidade de Santiago e que será lançado com a chancela da Rosa de Porcelana. É um livro que está a fazer parte da história dos EUA, porque está registado na Library of Congress (Biblioteca do Congresso), em Washington D.C., onde também foi lançado.

Devo sublinhar que sou a primeira mulher cabo-verdiana a escrever sobre pandemia e educação. E sou pioneira a escrever sobre estes temas nos EUA.

A minha terceira publicação é um Magazine, intitulado ‘Invisible’. Saiu o primeiro número em Julho de 2022 e será publicado de seis em seis meses. O magazine aborda a questão da actualização da pandemia no seio educacional, trazendo factos, muitas fotografias… a propósito estou em Portugal e o que trouxe cá é uma pesquisa da pandemia a nível fotográfico para a segunda edição que deveria sair agora em Dezembro.

O meu quarto livro, que foi apresentado no dia 19 de Dezembro na Associação cabo-verdiana em Lisboa, é sequela do primeiro sobre a educação e pandemia ( “Educating our Psycho-Emotional and Social State Trough Pandemic – Mask impact on Education Realm). Em ambos, devo referir, não falo apenas sobre a pandemia em si, é também sobre cultura, barreira da língua e emigração dentro do contexto da pandemia.

No primeiro estávamos a viver a esperança de uma vacina, neste aqui abordo a pandemia pós-vacina, sua evolução e o eu aconteceu desde então. Mais do que isso, foco no nosso estado emocional, no nosso estado psico-emocional e social dentro do Estado. Isto é, que transformações ocorreram nos nossos relacionamentos e como estamos a lidar com isso.

O terceiro capítulo fala inclusive da ‘revolução industrial digital’ no seio do sector da Educação. O que está a acontecer e o que vai acontecer em 2030-2050.

 

- É esse o horizonte temático do livro?

- Sim, sim. Porque a partir de 2030 estraremos num outro tipo de educação…

 

- …Que seria como? Que Educação teremos a partir desse período?

- (risos) Isso já vai ter de ler no livro. Não posso dizer assim. É baseado em pesquisas e trata-se de uma projecção para 2030. Repare, neste momento todo o mundo está a usar o computador para estudar. Dentro do nosso sistema de ensino estamos a incluir cada vez mais o ensino digital. Estamos a ‘alfabetizar’ as pessoas que não tinham conhecimento do digital para os transformar de modo a poderem acompanhar as aulas. Portanto, é a nossa quarta revolução industrial

 

- Na verdade, esse processo já está em andamento…

- Está a entrar, mas precisa de muita aprendizagem, quer dizer, é necessário hoje educar o mundo para o digital

 

- Essa revolução que defende implica custos, Cabo Verde tem como acompanhar esse processo em simultâneo com outros países?

- Olha, na capa do primeiro livro estão pessoas a segurar o globo, o planeta Terra. Já no segundo a ilustração é de pessoas segurando esse mesmo mundo mas apontando para África. Porque África, e Cabo Verde claro, vai ser o foco, tanto do ponto de vista económico, quanto do ponto de vista de equipamentos, materiais. Repare, as vacinas não chegaram a todo o continente africano, assim como máscaras, desinfectantes etc., que eram abundantes nos países do primeiro mundo. O meu pensamento vai sempre para as pessoas que não têm, para os com mais necessidade.

 

"Percebi que é incómodo para certas pessoas assistir ou dar aulas, vivendo numa casa com outros familiares, mas para quem mora numa habitação sem barulho a ideia é boa, porque não tens que apanhar transporte, andar na chuva, por exemplo, para ir assistir as aulas, se o podes fazer a partir de casa. Agora, coloca-se a questão se a qualidade do ensino à distância é igual à presencial"

- De certo modo era esperada essa revolução digital, mas acha que a pandemia veio acelerar o processo?

- Não sei se estava para acontecer. Tudo foi rápido, um acontecimento muito brusco. A partir do aparecimento da pandemia surgiu repentinamente, agressivamente, obrigando pessoas a recorrerem ao Zoom e outros meios digitais para poderem se comunicar. E não só, também a nível do ensino, saúde, etc.

 

- O ensino à distância chegou e permitiu dar continuidade às aulas em tempos de pandemia. Pode identificar os prós e contras deste método digital de educação?

- O meu primeiro livro sobre a matéria fala deste assunto, após pesquisas junto dos meus alunos e colegas. Percebi que é incómodo para certas pessoas assistir ou dar aulas, vivendo numa casa com outros familiares, mas para quem mora numa habitação sem barulho a ideia é boa, porque não tens que apanhar transporte, andar na chuva, por exemplo, para ir assistir as aulas, se o podes fazer a partir de casa. Agora, coloca-se a questão se a qualidade do ensino à distância é igual à presencial, e creio que isso depende da capacidade de cada pessoa e de cada aluno. Aliás, muitos professores desistiram no princípio porque diziam que era muito estressante, outros há, como eu, que se adaptaram a esta nova realidade.

 

- Outro aspecto, já referindo concretamente a Cabo Verde, tem a ver com o aceso aos materiais, isto é muitas pessoas não têm recursos financeiros para comprar um computador e instalar internet para acompanhar as aulas no sistema de ensino à distância.

- Dei aulas à distância, dos EUA para a Uni-Piaget e Universidade de Santiago, e notei isso, ou seja, foi totalmente diferente do que vinha fazendo nos Estados Unidos. Isto porque, por falta de condições dos alunos, a escolas tiveram que arranjar um televisor que instalaram nas salas onde os alunos assistiam às aulas, por exemplo na Jean Piaget, todos juntos. Perguntei sobre isso e um dos alunos me disse que não tinham um laptop que era através de um televisor que assistiam.

 

- A vantagem é que, estando juntos, os alunos podem se interagir e se conhecerem pessoalmente, coisa que não seria possível através de contacto virtual.

- Sem dúvida, a interação é maior e a aprendizagem acaba por ser maior. No zoom também se aprende, mas estando em contacto pessoal o impacto social e emocional é menos.

 

- E estes dias na Praia, tem uma agenda de trabalho ou vem também gozar férias?

- As duas coisas. Nunca que venho a Cabo Verde só para gozar as férias a 100%. Sempre aproveito para fazer isto e aquilo. Trabalho e férias.

 

- É uma workaholic então…

- (risos) Sim, sim ufff. (risos) Gosto de trabalhar, tenho sempre que estar a fazer alguma coisa e estar em funcionamento 24 horas por dia. Mas também relaxo.

 

- E o que faz quando não está a trabalhar?

- Ah, ouvir música. Adoro música. Até porque uso música para dar aulas também e falo disso neste segundo livro, sobre como utilizo a música para diminuir a tensão emocional dentro da sala de aula. Normalmente se usa as chamadas ‘healing music’ (músicas terapêuticas), bastante relaxantes, como bossa nova, jazz e são utilizadas durante os momentos em que os alunos têm necessidade de pensar para escrever algo, aí sim, ponho estas healing musics para os ajudar.

Todos os dias, antes de iniciarmos as aulas faço três a quatro minutos de meditação com os meus alunos utilizando as healing music. Porque muitos chegam agitados, atrasados, por isso tento acalmar a turma opara podermos iniciar as aulas com tranquilidade. Faço isso também com os estudantes adultos, profissionais, cada um com seu problema familiar ou laboral, enfim, é a música que ajuda.

 

 

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine