CABO VERDE NO BANCO DOS SUPLENTES.
Um silêncio diplomático que envergonha a cultura cabo-verdiana nos Países Baixos
Colunista

CABO VERDE NO BANCO DOS SUPLENTES.
Um silêncio diplomático que envergonha a cultura cabo-verdiana nos Países Baixos

Cabo Verde precisa, com urgência, de adidos culturais nas suas missões diplomáticas. A ausência de quadros com responsabilidade directa pela cultura não é apenas simbólica, é estrutural. Num mundo onde a cultura é cada vez mais instrumento diplomático e ferramenta de afirmação internacional, continuamos a tratá-la como enfeite de ocasião. A improvisação continua a substituir a estratégia. E os resultados estão à vista. Não nos falta cultura. Não nos falta talento. Não nos faltam representantes à altura. Faltou, ontem, como tantas vezes, apenas uma coisa: vontade de fazer bem feito. E isso, sim, envergonha.

Por ocasião do Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebrado no passado dia 7 de Maio em Roterdão, os países lusófonos apresentaram-se com orgulho, identidade e diversidade. Todos estiveram representados ao mais alto nível pelas suas embaixadas e consulados, num evento elegante, bem organizado, e repleto de música, literatura, gastronomia e arte. Todos, menos Cabo Verde.

A representação cabo-verdiana foi fraca, quase imperceptível. Um silêncio constrangedor, traduzido na ausência da nossa bandeira no palco, na ausência de qualquer narrativa ou enquadramento cultural, e numa presença física e simbólica reduzida a um canto de mesa. Um cuscuz seco, sem manteiga ou melaço, e uns quantos pastéis de milho, sem qualquer explicação, identificação ou contexto. Uma imagem pobre, desprovida de alma, como se a nossa riquíssima gastronomia se resumisse a restos improvisados.

Na feira do livro, onde as várias literaturas da lusofonia foram destacadas, Cabo Verde foi novamente omitido. Nenhum autor nosso esteve representado. Nenhuma obra, nenhum nome, nenhuma voz. Isto apesar de termos uma tradição literária consolidada, autores galardoados com o Prémio Camões e um património literário que ultrapassa fronteiras e se afirma como parte essencial da produção cultural lusófona.

No que toca à música, houve apenas uma actuação cabo-verdiana. Solitária, sem acompanhamento, sem instrumentos tradicionais, sem o brilho e a dignidade que a nossa sonoridade merece. Um gesto simbólico que, por mais digno e esforçado que tenha sido, ficou aquém da dimensão e da riqueza da música de Cabo Verde.

E tudo isto aconteceu nos Países Baixos. Um país com uma das maiores e mais activas comunidades cabo-verdianas da Europa. Uma terra onde a nossa história se entrelaça com décadas de migração, trabalho árduo, luta, resistência e construção de identidade. Um território onde devíamos brilhar com a força da nossa cultura, e não encolher-nos num canto de mesa como figurantes esquecidos.

Cabo Verde precisa, com urgência, de adidos culturais nas suas missões diplomáticas. A ausência de quadros com responsabilidade directa pela cultura não é apenas simbólica, é estrutural. Num mundo onde a cultura é cada vez mais instrumento diplomático e ferramenta de afirmação internacional, continuamos a tratá-la como enfeite de ocasião. A improvisação continua a substituir a estratégia. E os resultados estão à vista.

Não nos falta cultura. Não nos falta talento. Não nos faltam representantes à altura. Faltou, ontem, como tantas vezes, apenas uma coisa: vontade de fazer bem feito. E isso, sim, envergonha.

FORTE APLAUSO, a quem ainda insiste em representar Cabo Verde, mesmo sem convite.

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Comentários

  • Casimiro centeio, 8 de Mai de 2025

    Tudo por que a verdadeira meritocracia é posta nas prateleiras, cobertas de pós, em privilégio ao compadrismo, filhotismo, favoritismo, nepotismo político/partidário e " comissarismo " político.
    Depois " berram" no Parlamento, histericamente, que Cabo Verde está no caminho certo. Pois, caminho certo, mas trem errado !
    Importantes informações, Any Delegado !
    Cordiais abraços !

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