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Independência Nacional valeu a pena quando a alma não era pequena
Ponto de Vista

Independência Nacional valeu a pena quando a alma não era pequena

O momento é, creio eu, ser de se exigir novas políticas e novos políticos para um novo Cabo Verde. Só assim podemos abrir novos horizontes de expectativas e criar novas oportunidades para os descamisados da independência e da democracia.

Cabo Verde, o meu país, completa, hoje, 5 de julho de 2023, 48 anos da sua Independência Nacional. Valeu a pena porque a alma não era pequena. Fernando Pessoa ensinou-nos que vale sempre a pena quando a alma não é pequena. De facto, eram ingentes os desafios e nobre os propósitos ainda que, reconhecidamente, sinuosos e pedregosos os caminhos a trilhar.

De sorte em sorte, lá onde quase todos os outros falharam, nós vencemos. Dizem e explicam que triunfou a nossa resiliência, o nosso cabedal, cuja natureza incógnita encontra-se por revelar. 

O certo é que, com ou sem o nosso esforço, demos passos largos, fizemos a longa e incrédula caminhada e atingimos um inesperado ápice. Sim, por momentos, estivemos num ápice. Mas, mudaram os tempos mudam os sinais. O retrocesso e a involução estão à vista, com sinais mais do que evidentes. O desenvolvimento tem surgido agora como efeito resíduo da atuação dos políticos, quando deveria ser produto de uma aturada execução, na sequência de um planejamento inteligente.

Sem poder capitalizar e desenvolver os seus recursos estratégicos e contando apenas com recursos alheios o país faz a gestão corrente da situação. Sem inovar no modus operandi e nas instituições, Cabo Verde faz gestão corrente da pobreza, da educação, da saúde, da justiça e da segurança, ensombrado por rastilhos sociais. 

Se outrora, nos primórdios da construção do Estado, fomos maiores que o contexto, não nas abstrações mas no enfrentamento à realidade, hoje, por nossa incompetência, apequenamos na sombra das dificuldades. Voltamos a implorar, não sem vexames, que abram as portas das embaixadas estrangeiras para fazermos, forçosamente, emigrar os nossos jovens - as nossas forças produtivas; com mais acuidade pedimos que recebam os nossos doentes enfermos para o tratamento nos hospitais estrangeiros; mimetizamos desavergonhadamente na educação, querendo transformar crianças e adolescentes cabo-verdianas do século XXI em crianças europeias do século XIX, nos padrões da OCDE; injustiçamos os nossos cidadãos com uma justiça a duas velocidades: célere para proteger a elite política e econômica e lenta para dar segurança às pessoas comuns que diuturnamente laboram;

Choramos em ágoras públicas internacionais pela perdão da dívida pública quando internamente somos esbanjadores e corruptos idiossincráticos.

Valeu sim a pena a independência nacional no contexto de 1975 porque a alma era grande mas de pouco vale, atualmente, a independência nacional com o raquitismo da alma e da inteligência que nos obriga a ir de encontro ao colonizador. Talvez seja a dialética de eterno retorno (Friedrich Nietzsche) e a dialética do senhor e do escravo a manifestarem-se tristemente na sua plenitude (Hegel). Uma vez liberto o escravo este reconhece a incapacidade de se usufruir da sua liberdade e volta para o colo do amo contra o qual outrora lutava. 

O momento é, creio eu, ser de se exigir novas políticas e novos políticos para um novo Cabo Verde. Só assim podemos abrir novos horizontes de expectativas e criar novas oportunidades para os descamisados da independência e da democracia.

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