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Independência Nacional: META OU ETAPA?
Colunista

Independência Nacional: META OU ETAPA?

...cumprida a etapa da independência e a passagem do partido único para o multipartidarismo, com a realização de eleições abertas a cidadãos, grupos de cidadãos e partidos políticos, resultando num aprofundamento da democracia, há que se chamar a atenção para os riscos e desafios que a própria democracia enfrenta, entre os quais, um dos riscos maiores que consiste no surgimento de posições que defendem o não respeito pelos resultados saídos das urnas, através da combinação entre instituições para desferirem golpes e ataques a outras instituições legitimamente eleitas pelo povo – ignorando a legitimidade popular, ou seja, a legitimidade conferida pelo povo. Como tem estado a acontecer em relação ao ataque do MPD à Câmara Municipal da Praia: com quatro inspeções em simultâneo* – depois de doze anos sem uma única que fosse; multas aplicadas à pessoa do Presidente de Câmara (Tribunal de Contas) por falhas no sistema de informática que é do Estado; recusa e discriminação na realização de transferência de recursos e fundos do Estado (PRRA); discriminação no acesso à comunicação social do Estado; chumbo de todas as propostas nas reuniões da Câmara Municipal; etc., etc.;

1. Hoje, 5 de julho de 2023, uma das questões em relação à qual somos todos interpelados a pensar um pouco é sobre de que maneira deveremos encarar a independência nacional: como uma meta, como se fosse um fim em si mesmo, como algo que já fosse suficiente ter sido alcançado, ou, se deveremos ir mais longe, exigir um pouco mais de todos nós, e encararmos a independência nacional como uma etapa, um degrau, uma parte de um processo maior, um processo mais amplo e mais profundo que é o desenvolvimento de Cabo Verde? Sim, o desenvolvimento!

2. Quanto ao valor da independência nacional, estamos seguros de que há quase um posicionamento de unanimidade no que se refere à sua importância e o lugar que ocupa na sociedade caboverdeana. Há um reconhecimento generalizado quanto à profundidade do que significam a “autodeterminação”, a possibilidade da “construção de um governo da República constituído por homens e mulheres caboverdeanos” (nôs tera pa nos povo) e o que representa o “fim do sentimento de se ser estrangeiro dentro da própria terra”. Podemos sempre afirmar que é a independência que abre portas à criação da República, de um sistema de governo de partido único e, depois, ao multipartidarismo. Sem a independência, não haveria nem uma coisa, nem outra;

3. Temos de celebrar a cada 5 de julho como se se tratasse do primeiro, o de 1975, mas é hora de elevarmos a fasquia e não aceitar nada menos do que o desenvolvimento: uma sociedade de igualdade de oportunidades para todos os homens e mulheres que nascem no chão das ilhas, livres e iguais; uma sociedade onde a educação, a saúde, a habitação, a segurança e o emprego sejam de facto para todos; um país com todas as condições criadas para a plena participação da sua imensa diáspora. Esta é que deve ser a meta para a qual a independência terá de ser uma etapa;

4. Contudo, nesse caminho, cumprida a etapa da independência e a passagem do partido único para o multipartidarismo, com a realização de eleições abertas a cidadãos, grupos de cidadãos e partidos políticos, resultando num aprofundamento da democracia, há que se chamar a atenção para os riscos e desafios que a própria democracia enfrenta, entre os quais, um dos riscos maiores que consiste no surgimento de posições que defendem o não respeito pelos resultados saídos das urnas, através da combinação entre instituições para desferirem golpes e ataques a outras instituições legitimamente eleitas pelo povo – ignorando a legitimidade popular, ou seja, a legitimidade conferida pelo povo. Como tem estado a acontecer em relação ao ataque do MPD à Câmara Municipal da Praia: com quatro inspeções em simultâneo* – depois de doze anos sem uma única que fosse; multas aplicadas à pessoa do Presidente de Câmara (Tribunal de Contas) por falhas no sistema de informática que é do Estado; recusa e discriminação na realização de transferência de recursos e fundos do Estado (PRRA); discriminação no acesso à comunicação social do Estado; chumbo de todas as propostas nas reuniões da Câmara Municipal; etc., etc.;

5. É neste contexto de 5 de julho e de ataque feroz à democracia, com percurso progressivamente inverso à meta de desenvolvimento, que somos todos interpelados a olhar sobre cada um de nós mesmos e o papel que temos vindo a cumprir – ou não – para com esta sociedade caboverdeana. É que o ataque à Câmara Municipal da Praia extravasa a Câmara da Praia e atinge o coração da democracia caboverdeana. É parte de sinais preocupantes que chegam da nossa sociedade;

6. É, ainda, neste contexto de 5 de julho e de ataque feroz à democracia que ganha redobrada pertinência o alerta que Helmut Ortner lança no seu livro intitulado “Foram todos nazis”. Poderemos socorrermo-nos deste raciocínio de Ortner ter ido buscar o trabalho de investigação de Norbert Frei que demonstrou que “vários advogados, médicos, empresários, jornalistas e oficiais (...) serviram no regime nazi em cargos importantes (...)” para invocarmos o perigo que representa – neste contexto – o “silêncio conivente” de classes sociais, indivíduos, personalidades, intelectuais e grupos diversos;

7. O ditado popular diz que “quem cala, consente!” Não nos calemos, ergamos as nossas vozes face a este ataque à democracia e juntemo-nos à Praia, Capital de todos nós, caboverdeanos. Juntemo-nos a Cabo Verde! Juntemo-nos em voz e em trabalho para que possamos honrar a memória da Independência e alcancemos o desenvolvimento de verdade com benefícios para todos!

(*) Inspeção Geral das Finanças, Autoridade Reguladora das Aquisições Públicas, Tribunal de Contas e Serviços de Inspeção e Auditoria Autárquica do Ministério da Coesão territorial

Artigo publicado pelo autor no facebook

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine