O antigo diretor-geral do Ambiente, Moisés Borges, que o Ministério Público pretende acusar na investigação à gestão do Fundo do Ambiente, negou esta quinta-feira, 15, qualquer favorecimento a autarquias do PAICV e “discriminação” das lideradas pelo MpD, argumentando que dos mil milhões de escudos (nove milhões de euros) do Fundo do Ambiente movimentados entre 2012 e 2015, 400 milhões de escudos (3,6 milhões de euros) “foram para municípios do MpD”.
Moisés Borges, hoje deputado do PAICV, reagiu no parlamento, durante a primeira sessão ordinária de outubro, ao ser confrontado por outros deputados com o teor da acusação do Ministério Público (MP), relativo a uma investigação iniciada em 2015.
“Vão ter que provar no tribunal aquilo que disseram em relação à minha pessoa. Estejam cientes que vão todos ter que se justificar”, avisou, durante a sua intervenção, após as críticas à alegada discriminação, de 2012 a 2015, dos municípios liderados pelo MpD no apoio a projetos através do Fundo do Ambiente e suposto favorecimento das autarquias e associações lideradas por militantes do PAICV.
“Das 45 associações que trabalharam com o Fundo do Ambiente, apenas oito eram dirigidas por pessoas ligadas ao PAICV”, afirmou Moisés Borges, negando igualmente qualquer discriminação em relação a autarquias na concessão destes financiamentos.
Explicou mesmo que nos anos em causa, foram distribuídos mil milhões de escudos (nove milhões de euros) do fundo do Ambiente, dos quais 400 milhões de escudos (3,6 milhões de euros) “foram para municípios do MpD”.
“Estamos conversados com relação a essa lengalenga da discriminação dos municípios do MpD”, disse ainda, prometendo “desmontar” o que apelidou de “farsa”, sendo esta a primeira vez que se pronunciou sobre a acusação do MP, que lhe imputa, neste processo, a prática de um crime de corrupção passiva.
O MP não tem dúvidas de que os arguidos na investigação à gestão do fundo do Ambiente, incluindo um antigo ministro, “terão praticado atos contrários” aos seus deveres, mas assumiu a impossibilidade de recolher provas suficientes.
A informação consta do despacho de encerramento de instrução, que o Departamento Central de Ação Penal levou mais de quatro anos a concluir, e que a Lusa noticiou em 23 de setembro, confirmada igualmente por um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR), na sequência de denúncias, em 2015, “dando conta de alegadas ilegalidades cometidas no âmbito da gestão de verbas do Fundo Nacional do Ambiente”.
Trata-se de um dos mais polémicos processos judiciais em Cabo Verde nos últimos anos. Em causa, segundo a PGR, estavam indícios de crimes de abuso de poder e corrupção na atribuição de verbas daquele fundo a favor de associações e câmaras afetas ao PAICV (até 2016 no poder).
A PGR acabou por abrir uma investigação, tendo sido constituídos arguidos, entre outros, o então ministro do Ambiente, Antero Veiga, e o diretor-geral do Ambiente à época, Moisés Borges.
“Dos autos não restam dúvidas de como os arguidos Moisés Borges e Tatiana Neves [funcionária do ministério] – e bem assim o então ministro do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território – terão praticado atos contrários aos deveres do cargo, enquanto gestores da coisa pública, atos contrários aos princípios orientadores da atividade financeira pública, em violação clara, por exemplo, do princípio da legalidade”, acrescenta o despacho.
Contudo, refere ainda, “à exceção de uma única situação”, relativamente a Moisés Borges - que “será alvo do competente despacho de acusação”, depois de detetado “movimento de quantias significativas” na sua conta - “não foi possível recolher qualquer elemento de prova no sentido de que essa violação dos deveres do cargo tenha ocorrido visando obter, para os mesmos ou para terceiros, dinheiro ou qualquer outra dádiva”.
Sobre a conduta do então ministro do Ambiente, o despacho reconhece que alguns dos factos imputados também já prescreveram, por terem ocorrido há mais de cinco anos.
“Dúvidas não restam de como, de 2012 a 2015, câmaras Municipais do PAICV foram as maiores beneficiárias de financiamento do Fundo do Ambiente”, lê-se no despacho, que acrescenta que “o mesmo se verifica relativamente a associações lideradas por pessoas singulares ligadas ao PAICV”.
Porém, o MP iliba a responsabilidade política do então ministro Antero Veiga: “No entanto, e a bem de verdade, diga-se que os financiamentos são concedidos mediante pedidos ou apresentação de projetos, e no caso dos autos não se conseguiu recolher prova de como pedidos de outras associações ou câmaras municipais foram recusados ou preteridos e em que circunstâncias”.
No comunicado, a PGR refere que foram realizadas “todas as diligências de investigação possíveis”, nomeadamente o recurso à “quebra de sigilo bancário de inúmeras contas, de sigilo de telecomunicações e fiscais em relação a vários contactos e a várias pessoas singulares e coletivas”, bem como “buscas domiciliárias, investigações patrimoniais e financeiras, perícias e audição de mais de centena e meia de intervenientes processuais”.
Acabou por ser proferido, em setembro, despacho de encerramento de instrução, que segundo a PGR “comporta uma parte relativa ao arquivamento de alguns factos e uma outra parte acusando e requerendo o julgamento para efeito de efetivação de responsabilidade criminal de dois dos arguidos” – casos do antigo diretor-geral do Ambiente e de uma trabalhadora do Ministério – “por estarem fortemente indiciados da prática de ilícitos criminais”.
Com Lusa
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