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Matchu Lopes: Cabo Verde está comigo, onde quer que eu vá!
Entrevista

Matchu Lopes: Cabo Verde está comigo, onde quer que eu vá!

Antes mesmo de aprender a nadar, ele já “apanhava” ondas aos cinco anos de idade com o pai, um dos pioneiros do surf cabo-verdiano. Sempre de pranchas debaixo dos braços, a sua infância inteira era entre idas e vindas à praia de Santa Maria. Ali aprendeu a fazer bodyboard, skinboard, surf e windsurf. Na adolescência descobriu o kitesurf, a modalidade que fez dele campeão mundial em 2016, aos 23 anos. Hoje, aos 27 anos, soma vários títulos, entre os quais dois vices e um terceiro do mundo. Seu nome de nascimento é Marciel Lopes Almeida, o Matchu, que está em Cabo Verde desde os finais de novembro, para aproveitar o alto período de vento e ondas. Em conversa com o Santiago Magazine, o kitesurfista recordou a emoção de se tornar o número um do kite, falou do seu dia a dia de treinos, do turismo desportivo e da falta de investimentos nos desportos náuticos e na educação desportiva, do seu sonho de desenvolver um projeto social voltado para crianças e tocou no assunto mais polémico que envolve a sua vida profissional: a decisão de adquirir a nacionalidade espanhola. Mas garante que em qualquer competição que participa, Cabo Verde está sempre consigo.

Santiago Magazine: Quatro anos depois de levantar o troféu de campeão mundial de kitesurf, como está hoje Matchu Lopes?

Matchu Lopes: Estou onde sempre quis estar. Nestes quatro anos, cresci muito a nível pessoal, profissional e psicológico. Tudo o que tem acontecido na minha vida, do bom e do mau, me tem feito crescer, me tem amadurecido e entender o porquê das coisas, o que quero, o que não quero e quem eu quero ter ao meu redor.

Está de regresso há quanto tempo?

Estou de regresso há quatro semanas para treinar e preparar-me para novas temporadas.

Quer dizer que veio a convite do vento e das ondas? Ou veio também aproveitar as festas com a família?

As duas coisas. Estou no meu confort zone, na minha praia, no meu mar, na minha terra, na minha ilha, rodeado dos meus familiares e amigos, com a nossa comida boa, o nosso povo acolhedor e na simplicidade da nossa gente. Sou muito sortudo. Enquanto na Europa começa a ficar muito frio, em Cabo Verde inicia-se a temporada de vento e ondas no período do Natal. O clima quente do meu país permite-me regressar à casa todos os anos para aperfeiçoar as manobras do kite, e ainda curtir o meu pai e a minha irmã, assim como toda a minha família e amigos, num momento especial de troca e partilha. Esta época do ano é superimportante para mim.

Como tem sido os teus dias?

Passo o dia todo na água. Recuperei-me agora de uma lesão no ombro que me fez parar por quase um ano, e hoje sinto-me bastante em forma e de boa saúde. Por isso tenho aproveitado o máximo do meu tempo para estar onde mais me sinto bem. Se tiver onda, treino o dia todo. E se não tiver, vou pescar ou faço freediving (mergulho livre). Os meus dias têm sido maravilhosos, porque estou na minha terra, no melhor sítio do mundo.

E tens um mar praticamente todo livre para ti…

Verdade. Este seria o período de alta procura de turistas, mas por não haver voos internacionais para o Sal, a mar tem estado praticamente vazio, apenas com alguns desportistas nacionais. Acabaram de inaugurar a rota Lisboa-Sal da SATA-Açores, com dois voos semanais e isenção da taxa para bagagens desportivas. Aplaudo muito esta iniciativa, pois as condições climáticas em Cabo Verde estão muito boas para a prática de desportos náuticos, e a facilidade de poupar entre 150 a 200 euros pode ser uma oportunidade para trazer mais atletas a Cabo Verde. É uma luz para os desportistas náuticos.

A isenção seria uma forma de incentivar o turismo desportivo?

Trazer uma mala desportiva custa muito caro e é, basicamente, um travão para o turismo desportivo, ainda por cima numa ilha sem oferta a nível de equipamentos para desportos náuticos e com pouca oferta de diversão e entretenimento. Uma excursão à volta da ilha demora apenas a metade de um dia e a night life não é atrativa para os desportistas. Não há atracões para este tipo de turistas, a não ser o clima quente, o vento forte e as grandes ondas. Acho que pode ser sim um incentivo, porque o bilhete de passagem não é barato, sobretudo nesta altura do ano. Usei as minhas redes sociais para falar do assunto e convidar os meus amigos e seguidores a virem para cá. Muitos têm respondido positivamente e já podemos ver alguns por cá.

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Ao falar disso nas redes sociais, acabas por ser um dos promotores do Sal enquanto destino turístico desportivo.

Sendo cabo-verdiano e um atleta internacional, é o meu papel promover Cabo Verde. Represento a Espanha profissionalmente, porque tenho mais suporte. Mas Cabo Verde é e sempre será o meu país, o meu lugar no mundo. E faço-o com muito amor. Temos algo que não existe em nenhuma outra parte. Aqui há outra energia, há mais companheirismo, mais sentimento de partilha e de entreajuda.

É o que procuram em Cabo Verde?

Vêm à procura do vento, da onda, do sol e do calor, mas também vêm pela amabilidade com que são recebidos e pela cultura. Mas o meu receio é que percamos a nossa essência, porque temos a apostado na oferta do que existe lá fora, do que copiamos, do que vemos noutros países. Não que isso não seja bom. Mas o que deve sobressair é o genuinamente nosso. Repara nas construções que dominam a cidade de Santa Maria. Antigamente haviam umas casas mais autênticas, pequenas, típicas daqui. Porém, não quer dizer que não devemos apostar na modernidade. O que estou a sugerir é que mantenhamos as nossas características arquitetónicas, usando-as como mais uma atração turística. É preciso criar condições para que hajam outras formas de se fazer turismo. Apostar no turismo desportivo, cultural, arquitetónico e de experiências. Viajo muito e o que mais desperta a minha atenção é a autenticidade de cada povo e dos locais que visito.

É esse diferencial que falta ao Sal?

Temos tão pouco para oferecer, mas o pouco que temos é somente nosso. Deveríamos dar aquilo que nos é genuíno, pois é isso que os turistas vêm cá procurar: a autenticidade, o diferente, a diversidade e não aquilo a que estão habituado a ver. Quando viajo para Santiago, Santo Antão ou São Nicolau, por exemplo, fico encantado, vivo experiências incríveis, através da gastronomia, das localidades e aldeias com as suas casinhas simples, da forma como recebem as pessoas, da simplicidade de suas gentes e das histórias. Estas ilhas ainda preservam aquilo que o Sal está a perder aos poucos.

A preservação da autenticidade é da responsabilidade exclusiva das autoridades?

É de cada um de nós. Contudo, cabe às autoridades desenvolver políticas mais assertivas. Não falo só de políticas voltadas para o turismo. Falo de ações em diversas áreas e setores que, conjuntamente, vão favorecer o turismo e o crescimento local e nacional. A nível arquitetónico, deveria haver orientação e mecanismos legais para a sua preservação, por exemplo. Os investimentos públicos devem ser feitos no tempo certo, com equipamentos e materiais de qualidade e respeitando a nossa identidade. Ora vejamos. O que a nossa juventude tem para fazer no Sal em termos de ocupação de tempos livres? Além da praia, o que tem são as noites com muita oferta de álcool e drogas. Mesmo que tenham muito potencial, sem uma boa orientação os jovens acabam por seguir o caminho da dependência e violência.

O que falta aos jovens?

Faltam, fundamentalmente, o incentivo, a orientação e a educação desportiva. Vejo crianças e adolescentes com grandes potenciais desportivos, mas não têm acesso à informação desde muito cedo sobre o que querem, como querem e onde querem chegar. Eu tive o meu pai e o Mitu como exemplo a seguir, mas muitos não tiveram ou não têm. Não estou a vislumbrar futuros atletas profissionais nesta atual geração de adolescentes e jovens, porque não foram trabalhados para tal. Talvez os filhos do Mitu, do Djô, do Josh e de surfistas, que estão a ser treinados desde criancinhas, que possuem uma base e muita disciplina, que estudam e têm boas notas, possam vir a ser também futuros desportistas. Ser atleta não basta ser bom em alguma modalidade. É fundamental estudar, falar outros idiomas, saber vender o teu desporto e a tua imagem, saber alimentar-se bem, como preparar-se fisicamente e saber que deve ter acompanhamento psicológico e fisioterapêutico. Eu não me limito a entrar na água e fazer as manobras. Tenho que saber comunicar com os patrocinadores, fãs e atletas. Tenho que saber negociar, e vender, porque no fundo, cada atleta internacional é um embaixador de uma ou várias marcas, de um país, da modalidade que representa, do desporto e da juventude. Tenho cerca de 40 mil seguidores nas redes sociais, onde estou constantemente a vender e passar informações sobre tudo à volta do kite, do desporto, da marca que me patrocina, do país que represento e do país de que sou natural. Resumindo, falta a educação voltada para o desporto.

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Também faltam sonhos...

Falta encarar o desporto como uma profissão, sonhar que sim é possível ser um desportista profissional.  Eu tive de abrir mão de muita coisa. Não bebo, não fumo, não uso nenhuma droga, alimento-me equilibradamente, faço exercício físico e mental, durmo oito horas por dia, porque o meu foco é o kitesurf. No final, os sacrifícios são gratificantes. Não há preço que pague cada manobra ou cada vitória alcançada. Não há sensação nenhuma capaz de superar os prémios e os pódios.

É hora de se pensar na inclusão dos desportos náuticos nas escolas?

A educação desportiva deve ser introduzida nas escolas de acordo com a vocação de cada ilha. Porque não incluir as modalidades de água no Sal e Boa Vista? Os desportos náuticos fazem parte da realidade escolar na Europa, em que os alunos com melhores notas são premiados com viagens de intercâmbio para outros países, incluindo Cabo Verde. Além de levar o nome de sua escola e de seu país, passam as suas férias a treinar e em contato com atletas profissionais. Imagina se tivéssemos essa oportunidade em Cabo Verde, onde temos todas as condições naturais e climáticas para tal. Teríamos um número sem conta de grandes campões. Deus nos deu tudo, mas não estamos a aproveitar.

Já algumas vez pensaste em trabalhar com as escolas do país?

Claro que sim. Ao fim de cada temporada sempre renovam os meus equipamentos e o que tenho estado a pensar é recolher alguns equipamentos usados e doar para as escolas. Esses materiais devem ser entregues aos alunos que almejam ser desportistas náuticos ou que gostam das modalidades de água. Porém deve ser levado em conta o aproveitamento escolar. Seria uma forma de ajudar. Penso buscar parceria do Ministério da Educação, Alfândegas e outras instituições ou organizações, porque trazer equipamentos é muito custoso. Outro projeto que tenho em mente é oferecer cursos periódicos aos alunos que mais se destacam em termos de notas. Pois além de incentivar o desporto, quero estimular o aproveitamento e reduzir o abandono escolar. O meu grande sonho é dar aulas de kite para as crianças e ser instrutor ou mentor de futuros atletas. É o que têm feito lá fora. Preparam as crianças para serem grandes competidores. O surf e o kite vão entrar para os jogos Olímpicos e Cabo Verde reúne todas as condições para preparar futuros atletas olímpicos.

Além de estar no ranking dos países com grandes campeões mundiais, Cabo Verde também é destaque como o país onde nasceu o strapless, com o Mitu Monteiro como o percursor desta modalidade...

Lá fora o Mitu é um rock star.  Todos querem abraçá-lo, fazer fotos, saber mais sobre o strapless e sobre ele. Afinal ele é o grande mentor deste novo estilo de manobras aéreas em uma pequena prancha, sem alças e solta dos pés. As dificuldades para adquirir equipamentos obrigaram-no a desenvolver esta técnica complexa, que hoje faz parte de grandes competições e faz do nosso país e de seus competidores destaques internacionais. O strapless é muito valorizado pela sua complexidade e pela beleza das manobras. Devemos isso ao Mitu.

O strapless é uma marca nossa?

Devia ser, mas Cabo Verde não tem sabido tirar proveito disso. O que é lamentável.

Mundialmente, já há muitos amantes e praticantes desta modalidade do kite. Atletas muito bons, como australianos, franceses, italianos e brasileiros. A este tipo de turistas é fundamental vender o que realmente eles querem: Cabo Verde o país do Strapless, o país das grandes ondas e ventos, o país do Mitu Monteiro, do Airton Cazzolino...

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E de Matchu Lopes...

Sim, do Macthu Lopes, do Djô Silva e do Josh Angulo. Vender não só o país de sol e mar.

Como os atletas têm enfrentado esta crise sanitária mundial, devido à pandemia do Covid-19?

A crise afetou a todos, inclusive a nós desportistas. Mas a crise também serve para nos fazer ver o lado positivo da vida e com ela crescer. Eu aproveitei para passar mais tempo com a minha família e comigo mesmo, para treinar mais, focar mais nos meus objetivos, desenvolver projetos com os meus patrocinadores. Comecei a praticar atividades que me permitem fazer uma visita para dentro de mim mesmo, como a pesca e o freediving, que é praticamente uma meditação. Qualquer atleta precisa ter esse equilíbrio entre o corpo e a mente para conhecer a si mesmo e saber ter o autocontrolo, principalmente durante as competições. A minha família também me tem ajudado muito nesse sentido.

Por falar em família, o teu pai foi o teu grande mestre.

O meu pai me ensinou a pegar as primeiras ondas, me ensinou tudo. E até hoje ele me orienta, me ajuda na tomada de decisões. Sem ele na minha vida é como estar sem a minha bússola. Eu morava do lado da casa do Mitu, que é 10 anos mais velho de que eu. Ele é como um irmão e muita coisa que eu sou hoje também devo a ele. Quando não estava com o meu pai, estava com o Mitu. Eu tive a sorte de ter os dois na minha vida desde cedo como mentores, como instrutores e como ídolos.

Há quatro anos, o mundo conheceu um novo campeão de kitesurf, Matchu Lopes. Ainda se lembra da sensação de receber esta notícia?

Não queria acreditar. Quando recebi a informação questionei se não era brincadeira, porque eu ocupava o quarto lugar. Tive que fazer as contas, somar os pontos para confirmar que era verdade. A sensação é inexplicável. Até hoje não consigo explicar como realmente eu me senti. Festejamos muito e fui dormir com a taça do lado da cama. Acordei várias vezes assustado. Era como se tudo aquilo fosse um sonho. Aí, eu via a taça do lado, abraçava-a para ter a certeza que era de verdade, e dizia para mim mesmo, ‘meu Deus eu sou campeão do mundo’.

Estás a trabalhar por mais um título de campeão do mundo?

Eu gosto da simplicidade. Quando sagrei campeão eu não consegui lidar muito bem com isso. As pessoas me paravam a toda hora para conversar, para fazer fotos. Eram muitos holofotes. Na época, eu pensava, ‘esse não sou eu e não é o que eu quero para mim’. Eu gosto que as pessoas me tratem bem pelo que sou e não pelo que conquistei. Desde criança sonhei ser campeão e quando fui, não era como imaginei. Eu vi que era apenas um título e perdi o feeling de ser campeão. Percebi que afinal o que sempre quis era estar e manter-me por longo tempo no top três do mundo, e ser considerado um dos melhores de todos os tempos no kitesurf e strapless.

E és um dos melhores?

Sim. Sou considerado um dos melhores, a nível de estilo, técnica e elegância. Entre os atletas, sou praticamente o número um na promoção da marca patrocinadora, falo e escrevo seis idiomas. Repara nas prateleiras! A maioria das minhas taças é de segundo lugar. Mas normalmente vou para a final com o Mitu ou Airton e a taça de campeão acaba por ficar sempre entre nós. E então, está sempre tudo bem. Ao ficar no segundo, acabo por retirar das minhas costas o peso da responsabilidade de um campeão. Apesar de tudo, hoje mais amadurecido, tenho vontade sim de voltar a ser o número um, mais uma vez. Estou a trabalhar para isso.

Como te estás a preparar?

Tive uma lesão no ombro, uma bursite. Passei por muito tratamento, com médicos e máquinas top de gama, mas sempre que me sentia bom entrava na água e a dor voltava. Fui abaixo muitas vezes por causa disso, pensei que nunca mais iria voltar a praticar o kite. Hoje, após muita preparação física e psicológica, estou muito bem e recuperado. Tenho focado muito na técnica, no meu preparo físico e mental e na alimentação equilibrada e de qualidade.

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Quantos títulos somas até hoje? Vejo muitas taças nas tuas prateleiras.

Este ano, fui vice-campeão do mundo. Ou seja, tenho um campeão, dois vices e um terceiro do mundo. Sem contar os títulos que acumulo dos single eventos.

Em tempo de pandemia, há datas definidas para novas competições?

Está tudo indefinido. Talvez entre Março e Abril possamos ter alguma luz do que vai ser.

Falar do passaporte Espanhol é ainda um assunto proibido para ti?

Claro que não. Podemos falar abertamente sobre a minha decisão, a qual não me arrependo até hoje. Todos os cabo-verdianos que não possuem alguma nacionalidade de países europeus ou americano, sabem o que é pedir visto em Cabo Verde. É muita humilhação. Eu, sendo um atleta de competição internacional, não podia permanecer nas mãos e nas vontades das pessoas, e sempre que precisar sair para uma competição, ter que esperar uma ou duas semanas para ter o Visto carimbado. Muitas vezes me falavam, basta meio dia para teres tudo, mas ao fim e ao cabo, a espera demorava uma semana.  Só eu, o meu pai, os meus amigos próximos e os meus patrocinadores sabem o que passei. Perdi muitas viagens, cheguei muitas vezes em cima da hora das competições, corria o risco de perder os meus patrocinadores, de perder a minha posição dentro da marca. Eu sou um atleta de alta competição e eu não podia ficar naquela insegurança. Tentei negociar várias vezes, mas sempre voltávamos à estaca zero. Recebi muitos nãos, e quando era do interesse de pessoas de ‘lá de cima’, o Visto saia com um simples telefonema. Chegou a uma altura em que sentia que estavam a gozar com a minha cara. E já não podia aguantar mais. A decisão estava nas minhas mãos, e eu tomei a que era certa para mim.

Foste muito aplaudido por muitos com a tomada da decisão, mas também muito criticado.

Fui muito julgado. Fiquei chocado com pessoas com alto postos, pessoas que sabiam da situação e que optaram por dizer coisas sobre mim que não correspondiam à verdade. Eu nunca pedi dinheiro ou bens materiais. Apenas pedi facilidades para viagens, como qualquer atleta de alta competição possui lá fora. Eu sei que muitos passam o que eu passei, temos vários casos de atletas, de músicos que não conseguem viajar por causa desta burocracia. O que posso dizer aos cabo-verdianos hoje, é que ter um passaporte Espanhol significa que estou federado, que tenho seguros, que tenho acesso a qualquer país do mundo, que consigo viajar sempre que precisar, que consigo chegar a tempo para uma competição, que eu aceitei ter uma segunda nacionalidade pelo meu trabalho, pela minha carreira, pelo meu futuro e pelos meus filhos que um dia terei. Dizer que o passaporte diplomático, que me foi atribuído pelo Governo de Cabo Verde, não é por toda a vida, que tem a validade de apenas cinco anos, podendo ser renovado ou não. E outra coisa. Eu nunca serei considerado um espanhol nativo. Sou e sempre serei, com muito orgulho, um cabo-verdiano, um preto de cabelo crespo.

Mesmo levantando a bandeira espanhola?

Pelo meu trabalho, eu tenho que levantar a bandeira espanhola e não tenho nenhum problema em fazer isso. Respeito muito a Espanha e pelo que fizeram e fazem por mim como atleta e como pessoa, levanto a bandeira com vontade e com amor. Mas em qualquer competição que participo, Cabo Verde está sempre presente, o meu país está comigo sempre. Fiquei arrepiado só de falar nisso. Quando levanto uma taça, quando venço uma competição lá fora, não sinto a mesma vibração que sinto aqui com os cabo-verdianos, não sou recebido nos aeroportos como aqui em Cabo Verde, as minhas vitórias não têm o mesmo sabor.

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Mas tens a noção de que apesar de tudo, os cabo-verdianos continuam a vibrar contigo?

Apesar de ser muito criticado, sinto que os cabo-verdianos estão comigo sempre, que vibram comigo pelas minhas conquistas, que sentem que as minhas vitórias também são suas, que as taças que levanto também são levantadas pelo povo cabo-verdiano. Mas é isso, Cabo Verde está comigo, onde quer que eu vá, onde quer que eu esteja, no pódio ou não, dentro e fora da água.

 

 

 

 

 

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