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Morreu ‘Toco’, ilustre combatente da independência
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Morreu ‘Toco’, ilustre combatente da independência

Faleceu esta sexta-feira, 13, em Portugal, vítima de doença prolongada, Fernando dos Reis Tavares, mais conhecido por Toco di Somada, um combatente da liberdade da pátria e um dos nomes de maior respeito em Santa Catarina e em toda a ilha de Santiago. Tinha 93 anos.

Com apenas 17 anos, Fernando Tavares abraçou a causa da libertação nacional e foi preso no extinto Campo de Concentração do Tarrafal, entre 1968 e 1971, onde sofreu as duras condições do regime colonial.

Hoje, após a sua morte, o Presidente da República, José Maria Neves, expressou suas condolências destacando o impacto significativo que Toco teve na história do país. “Lembro-me de ouvir falar dele, pela primeira vez, quando foi preso pela PIDE no Campo de Concentração do Tarrafal e a sua loja, no Cutelo de Assomada, encerrada”, escreveu, acrescentando que Toco foi libertado ainda antes do 25 de Abril e que para as crianças nessa altura, ele era “um terrorista, que cometeu a loucura de desafiar Salazar”.

A Câmara Municipal de Santa Catarina também prestou tributo ao ”ilustre combatente”, lamentando profundamente sua perda. Na sua página do Facebook, a Câmara destacou Toco como “um corajoso combatente da Liberdade da Pátria e um homem bom”.

Fernando dos Reis Tavares, “Toco”, nasceu na Assomada, no dia 13 de Abril de 1940. Marcou-o, criança ainda, a grande crise de 1947/49, “uma fome arrasadora, que ceifou milhares de vidas. (…) Para além da fome e da falta de comida, também não havia assistência médica. Portanto, foram anos de horrores. E quando se é criança aquilo ganha uma dimensão enorme, ver a impotência de todo um povo perante a calamidade.” Adolescente, apercebe-se que “havia aqui uma situação desumana que era preciso combater” e que “o poder colonial em Cabo Verde era incapaz de resolver os nossos males”.

O convívio com portugueses deportados na ilha e alguns emigrantes leva-o a imaginar a possibilidade de uma sociedade diferente, e o aparecimento do PAIGC a “sentir o cheiro da mudança.”

Quando, no final dos anos 50, vai para a Praia frequentar o segundo ano dos liceus, encontra alguns colegas já influenciados por Abílio Duarte e, eventualmente, com ligações ao PAIGC. Assim, ao partir para Portugal, para o serviço militar, em 1961, “estava mais ou menos preparado” para as ideias que veio a encontrar em conversas com outros milicianos, próximos do PCP, ou do MPLA: “Aí, na tropa, é que se deu o meu conhecimento com aquele mundo diferente do meu, daqui de Cabo Verde, de colonizado.” 
Enviado para Angola como furriel miliciano, não lhe foram atribuídas tarefas na unidade, acabando por substituir um professor que se ausentara, ensinando os muitos analfabetos da companhia. 

De volta a Cabo Verde, e depois de um amigo que esperava o levasse de barco a Dakar, para se juntar ao PAIGC, lhe ter dito que era demasiado perigoso, dada a vigilância da PIDE, parte para Portugal e daí para França, onde estabelece contacto por carta com o PAIGC e acaba por ser contactado por Pedro Pires. Mas o PAIGC pede-lhe que regresse a Cabo Verde, “dentro da Operação Esperança, que era recrutar ou aliciar pessoas para a luta armada de libertação nacional”. “Toco” hesita. Mas quando o próprio Cabral lhe explica a necessidade que têm de ter alguém em Santa Catarina para garantir o trabalho do Partido, acaba por aceitar: “Se os outros correm esse risco, eu também corro, eu vou!” 

O regresso dá-se em Fevereiro de 1968. Pouco depois, em Julho, é preso, e permanece  na Cadeia Civil da Praia até Abril de 1970, altura em que é enviado para o Tarrafal: “Chegámos da parte da tarde, aí pelas 2/3 horas. A PIDE foi-nos buscar na Cadeia Comarcã da Praia e levou-nos para o Tarrafal, passando pela Assomada. Chegados à porta, mandaram-nos descer com as nossas malas. A polícia recebeu-nos, conduziram-nos até à cela, abriram a porta e meteram-nos lá dentro. Já lá estavam o Lineu Miranda, o Carlos Tavares, o Luís Fonseca e o Jaime Schofield.”

Embora o seu grupo fosse de presos preventivos, o diretor, “Dadinho” Vieira Fontes “deu-nos o tratamento que dava aos condenados. E, para além disso, mandou-nos para cela disciplinar, lá estivemos, salvo erro, três meses.”

A saída da cela disciplinar só se deu após visita do responsável pela organização do processo, “o major Paula”, que “pediu que o levassem a ver os presos” e disse ao diretor: “Este antro é tenebroso, tire-me estes homens daqui, são seres humanos como nós.”
Em Outubro foi transferido para S. Vicente, para ser julgado: “Quando foi do nosso julgamento, conseguimos meter em S. Vicente, como testemunhas, 300 e tal pessoas destas redondezas.” Entre essas pessoas salienta a apresentação voluntária como testemunha de um padre que o conhecia desde criança, o padre Louis Allaz, a quem transmitira uma mensagem de Cabral, dizendo-lhe que “o PAIGC o considerava um homem distinto e de grande valor para Cabo Verde.” 

“O Tribunal agradeceu-lhe o facto de ter ido a S. Vicente fazer uma declaração a nosso favor (…) para que pessoas íntegras não fossem condenadas por crimes que não tinham cometido.”

“Toco” já não voltaria para o Tarrafal. Tal como José Maria Ferreira Querido e Gil Querido Varela, Toco foi libertado no dia 9 de Janeiro, "por falta de prova.”

Portugal atribuiu a Fernando Reis Tavares em 2013 uma pensão vitalícia pelo tempo que ficou confinado no Campo de Concentração do Tarrafal.

Tavares, sempre lúcido e atento, combateu por Cabo Verde até morrer. Foi um dos mentores e, claro, um dos co-fundadores da Associação Vos di Santiago. Colaborou com Santiago Magazine desde o início.

É dele, por exemplo, este irretocável artigo de opinião: Um subsídio para a História de Cabo Verde

Santiago Magazine endereça à família e amigos as sentidas condolências.

C/Infopress e Memorial2019.org

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SOBRE O AUTOR

Redação

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    Comentários

    • Adriano Barbosa, 17 de Set de 2024

      Matimática ka panha!
      2024-1940=84

      93!????

      Toco di Somada Ki Nkonxi tinha 84 anu!
      Um Homem nacionalista convicto de pés à cabeça. Partiu um enorme ser humano e Santa Catarina ficou mais pobre.
      Descanso eterno Mano Toco di Nha Flipa di Fundo Cutelo.
      Meus Sentimentos à familia.


    • Casimiro Centeio, 14 de Set de 2024

      Triste,sem dúvida, mas a dignidade vale mais do que todas as riquezas deste Mundo. Não tem preço!
      Minhas sentidas condolências a toda a família e amigos enlutados.
      Até sempre !


    • Casimiro Centeio, 14 de Set de 2024

      Meus profundos sentimentos a toda a família, familiares e amigos enlutados.
      Descansa em Paz, sempre Amigo, TOCO

      Ontem foi para ti, amanhã será para mim !