O Banco de Cabo Verde determinou a “liquidação administrativa” do banco BIC Cabo Verde (BIC-CV), detido pela empresária angolana Isabel dos Santos, e nomeou uma comissão liquidatária que passa a gerir “imediatamente” aquela instituição.
A medida surge na sequência da decisão da administração do BIC-CV de não avançar com a transformação da sua licença restrita em genérica, para poder trabalhar com clientes locais e não apenas com não residentes, no âmbito do fim do regime de bancos ‘offshore’ em Cabo Verde em 31 de dezembro de 2021.
De acordo com uma informação do Banco de Cabo Verde (BCV), deste mês e consultada hoje pela Lusa, o conselho de administração do banco central determinou a “liquidação administrativa” do BIC-CV e nomeou uma comissão liquidatária constituída por três elementos.
“Determinar que a instituição de crédito é imediatamente entregue à comissão liquidatária”, refere a mesma informação do BCV, acrescentando que a administração deverá fornecer a relação provisória de credores, com indicação dos montantes, data de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, a relação e identificação das ações e execuções pendentes em que a instituição de crédito seja parte, e indique as atividades a que se tenha dedicado nos últimos três anos.
Deve também fornecer à comissão liquidatária a relação de bens, documentos de prestação de contas relativos aos últimos três anos e mapa de pessoal.
Segundo informação anterior do BCV, Isabel dos Santos detém, indiretamente, através da Santoro Financial Holdings, SGPS, SA e da Finisantoro Holding Limited, 42,5% do capital social do Banco BIC Cabo Verde, embora "não exercendo qualquer função nos órgãos sociais da instituição".
O conselho de administração do BIC-CV explicou em fevereiro que o novo quadro regulatório no arquipélago, que acabou com os bancos ‘offshore’, levou à decisão de saída do país.
“A revogação da licença do banco BIC-CV não resulta de qualquer ato ou processo sancionatório derivado de comportamentos que pudessem ter como consequência tal sanção mas, tão só, da decisão do BIC-CV de não pretender continuar a exercer a sua atividade no mercado cabo-verdiano como instituição de crédito de autorização genérica”, lê-se num comunicado divulgado na ocasião pelo conselho de administração.
O comunicado recordava que o regime que permitia ao BIC-CV – desde 2014 - funcionar como instituição de crédito de autorização restrita, apenas para clientes não residentes, enquadrava aquela atividade “num quadro regulatório com incentivos fiscais”, tal como “acontecia e acontece ainda em certos países, como forma de atraírem investimento estrangeiro”, que entretanto acabou.
O conselho de administração do BIC-CV garantiu que “tendo de forma livre optado por não proceder ao pedido de reconversão da sua licença para banco de autorização genérica”, que o podia ter feito até ao final de 2021, “como disposto na lei, teve como consequência a revogação da licença e não qualquer tipo de sanção derivada de medida contraordenacional ou outra”.
A Lusa noticiou em 11 de fevereiro que o banco central cabo-verdiano revogou a autorização do BIC-CV.
Questionada pela Lusa, fonte oficial do BCV confirmou que o BIC-CV "desistiu do processo de conversão em banco de autorização genérica", o qual tinha iniciado em 2021, conforme anunciado pela própria administração.
"Estando revogada a autorização, o banco BIC Cabo Verde já não tem licença para operar em Cabo Verde", explicou o BCV.
"Seguir-se-á o processo de liquidação da instituição financeira, nos termos da lei", disse ainda na altura a mesma fonte.
O BIC-CV apresentou lucros de seis milhões de euros em 2019, um aumento de 14,8% face ao ano anterior, com apenas 11 trabalhadores.
O BIC-CV era um dos quatro bancos que operavam em Cabo Verde com autorização restrita, apenas para clientes não residentes e considerados por isso 'offshore', regime que, por força da alteração legal aprovado pelo parlamento cabo-verdiano terminaria no final de 2020, mas que foi estendido pelo Governo por um ano devido à pandemia de covid-19.
O BCV confirmou em dezembro de 2020 que recebeu a deliberação da administração do Banco Privado Internacional, um desses quatro bancos 'offshore', para a sua liquidação e que foi uma decisão voluntária dos acionistas. O mesmo aconteceu depois com o português Montepio Geral Cabo Verde, enquanto o Banco de Fomento Internacional (BFI) concluiu entretanto a transformação para banco de autorização genérica.
Além dos quatro bancos que funcionaram com autorização restrita até 31 de dezembro de 2021, Cabo Verde conta com mais sete bancos comerciais de licença genérica (a que acresce agora o BFI).
O BCV podia encerrar compulsivamente os bancos com autorização restrita que funcionam no país, apenas para clientes não residentes, considerados 'offshore', que não se adequassem aos novos requisitos, ou seja a transformação de Instituições de Crédito de Autorização Restrita (ICAR) para licença de Instituições de Crédito de Autorização Genérica (ICAG), passando a trabalhar com clientes locais.
No texto do diploma aprovado pelo parlamento refere-se que a alteração legislativa introduzida no sistema financeiro em 2014 "não foi o suficiente para que Cabo Verde deixasse de ser considerado um ordenamento jurídico 'offshore' e uma jurisdição não cooperante" pela União Europeia, algo que só aconteceu em fevereiro de 2020.
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