Uma brevíssima biografia político-ideológica do maior morto imortal da Guiné e de Cabo Verde - Quinta Parte
Cultura

Uma brevíssima biografia político-ideológica do maior morto imortal da Guiné e de Cabo Verde - Quinta Parte

JORNADAS DE HOMENAGEM A AMÍLCAR LOPES CABRAL (TAMBÉM FESTEJADO COMO ABEL DJASSI) E DE CELEBRAÇÃO DA AMIZADE ENTRE OS POVOS DE CABO VERDE E DA GUINÉ-BISSAU POR OCASIÃO DA COMEMORAÇÃO DO 97º ANIVERSÁRIO NATALÍCIO DO MORTO IMORTAL, HERÓI DO POVO, PAI DAS INDEPENDÊNCIAS E FUNDADOR DAS NACIONALIDADES - ENQUANTO COMUNIDADES POLÍTICAS NACIONAIS INDEPENDENTES E SOBERANAS- DA GUINÉ-BISSAU E DE CABO VERDE CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A VIDA E A OBRA DO REVOLUCIONÁRIO CABOVERDIANO-GUINEENSE AMÍLCAR LOPES CABRAL OU UMA BREVÍSSIMA BIOGRAFIA POLÍTICO-IDEOLÓGICA DO MAIOR MORTO IMORTAL DA GUINÉ E DE CABO VERDE

                                      QUINTA PARTE

iii.  Dos principais e mais visíveis rostos partidários, depois dirigentes do Estado e da sociedade em Cabo Verde, designadamente, por um lado, os altos dirigentes do PAIGC regressados da luta político-diplomática e da luta armada conduzidas a partir das duas Guinés, com destaque para Aristides Pereira (Secretário-Geral e Membro da Comissão Permanente do PAIGC, eleito  Presidente da República), Pedro Pires (Membro do Comité Executivo da Luta, Presidente da Comissão Nacional de Cabo Verde  e antigo Membro do Conselho Supremo de Guerra do PAIGC, eleito Primeiro-Ministro), Abílio Duarte (Membro do Conselho Executivo da Luta e do Secretariado Permanente da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC, eleito Presidente da ANP e designado Ministro dos Negócios Estrangeiros),  Silvino da Luz (Membro do Comité Executivo da Luta e do Secretariado Permanente da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e designado Ministro da Defesa e da Segurança Nacional), Osvaldo Lopes da Silva (Membro do Comité Executivo da Luta e do Secretariado Permanente da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e designado Ministro do Comércio, da Industria e da Economia), Carlos Reis (Membro do Conselho Superior da Luta e do Secretariado Permanente da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e designado Ministro da Educação e Cultura, depois de ter sido Ministro da Justiça e dos Assuntos Sociais no Governo de Transição) e Herculano Vieira (Membro do Conselho Superior da Luta e do Secretariado Permanente da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e designado Ministro dos Transportes e Comunicações), e, por outro lado, alguns dirigentes e militantes provenientes das fileiras da luta política clandestina conduzida em Portugal e em Cabo Verde, como, por exemplo, Manuel Faustino (Membro da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e designado Ministro da Saúde, depois de ter sido Ministro da Educação e Cultura no Governo de Transição), Sérgio Centeio (Membro da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e Ministro da Agricultura e Águas), Silvino Lima (Membro da Direcção Regional de Santo Antão do PAIGC e designado Ministro das Obras Públicas), David Hopffer Almada (designado Ministro da Justiça, depois de ter sido Secretário de Estado da Justiça no Governo de Transição), João Pereira Silva (Membro do Conselho Superior da Luta e da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e designado Ministro do Desenvolvimento Rural, a partir de 1977), Amaro da Luz (Membro da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e designado Governador do Banco de Cabo Verde- então Banco Central e único banco comercial do país, em substituição da filial caboverdiana do Banco Nacional Ultramarino (BNU)-, depois de ter sido responsável máximo, a partir de 1968, do Comité de Coordenação de Portugal do PAIGC e Ministro da Economia e das Finanças no Governo de Transição), José Tomás Veiga (Membro da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC e designado Secretário de Estado das Finanças, a partir de 1977), Pedro Martins (o mais jovem preso político do Campo de Concentração de Chão Bom do Tarrafal, designado Secretário Nacional para Cabo Verde da JAAC, depois substituído por Luís Fonseca, antigo preso político  do Campo de Concentração de Chão Bom do Tarrafal, Membro da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC  antigo responsável do Comité do Sector Urbano da Praia do PAIGC), Afonso Gomes (Membro da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC, eleito Secretário-Geral da UNTC-CS -União Nacional dos Trabalhadores de Cabo Verde-Central Sindical), Crispina Gomes (eleita Secretária-Geral da OMCV - Organização das Mulheres de Cabo Verde), Adélcia Pires (designada Responsável nacional para Cabo Verde da OPAD - Organização dos Pioneiros Abel Djassi), sendo que quase todos eles eram também deputados da ANP, no seio da qual foram escolhidos o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, os únicos doravante com mandato parlamentar suspenso por força dos altos cargos políticos para que foram indigitados/eleitos.

 

iv. Do regime de partido único, conforme imediatamente depois da proclamação da independência política do Estado de Cabo Verde consagrado de jure na célebre LOPE (Lei da Organização Política do Estado), aprovada para vigorar enquanto se não aprovasse a Constituição Política da República de Cabo Verde, a qual, e nos termos da Lei Eleitoral acima referida, vigente no período da transição para a independência política, deveria ser adoptada no prazo de três meses depois da instituição formal da Assembleia Legislativa soberana e constituinte (imediatamente baptizada como Assembleia Nacional Popular), depois alargado para seis meses por deliberação soberana da própria ANP, vindo a primeira Constituição Política da República de Cabo Verde a ser finalmente aprovada na recta final da primeira legislatura, em Setembro de 1980, para começar a vigorar a partir da primeira sessão legislativa da legislatura seguinte da nova ANP a sair das eleições legislativas de Dezembro de 1980, realizadas já com base numa lei eleitoral que outorgava ao PAIGC o exclusivo partidário e o monopólio político de apresentação de todas as listas de candidaturas para as eleições legislativas caboverdianas enquanto força política dirigente do Estado e da sociedade, isto é, como partido único com estatuto supra-constitucional. Acontece que depois da aprovação pela ANP da primeira Constituição Política da República de Cabo Verde ocorreram o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 liderado por Nino Vieira e que depôs o Presidente do Conselho de Estado da Guiné-Bissau, Luís Cabral, mandou para a prisão vários altos dirigentes do PAIGC e do Estado bissau-guineense, como vários altos dirigentes do PAIGC, como Constantino Teixeira (Tchutcho Axon), Umarú Djaló e Constantino Teixeira (Tchutcho Axon, morto na prisão),  provocando a morte de alguns altos dirigentes do Partido e do Estado que se opuseram directamente ao golpe de Estado, como Otto Schacht, André Gomes, António Buscardini ), condenou ao exílio de outros tantos altos dirigentes (como Lúcio Soares, Bobo Keita e Abdulai Bari, sendo sintomático que somente um terço dos membros do CEL aderiu ao golpe) e provocou o fim da unidade Guiné-Cabo Verde com a tentativa de responsabilização de altos dirigentes caboverdianos (incluindo o Secretário-Geral do Partido e Presidente da República de Cabo Verde, Aristides Pereira, e os denominados integrantes caboverdianos do regime de Luís Cabral, incluindo o próprio, mas também outros dirigentes caboverdianos em serviço na Guiné-Bissau, como José Araújo, Honório Chantre e Júlio de Carvalho) pelas atrocidades e por outras flagrantes violações dos direitos humanos na Guiné-Bissau, como o cerco e a execução sumária e sem julgamento prévio de comandos africanos em Abril de 1975 por parte das FARP, as prisões arbitrárias e a prática de torturas e tratamentos desumanos e degradantes a prisioneiros políticos por parte dos serviços de segurança do Estado, etc, culminando o processo de ruptura entre os dois ramos nacionais do PAIGC na constituição do ramo caboverdiano desse partido binacional em partido nacional, exclusivamente islenho caboverdiano em Conferência Nacional transformada em Congresso Constitutivo do PAICV, proclamado a 20 de Janeiro de 1981. Em consequência desses relevantes acontecimentos, a sessão de Fevereiro de 1981 da ANP, a primeira depois da adopção da Constituição Política de Setembro de 1980, procede a uma profunda revisão constituinal que expurga do texto constitucional todas as referências à unidade Guiné-Cabo Verde, incluindo à eventual futura União Orgânica entre as duas Repúblicas independentes e soberanas, à igualdade de direitos entre caboverdianos e guineenses residentes em cada um dos dos países, passando as referências anteriormente feitas ao PAIGC a ser agora feitas ao PAICV, que continua a ser considerada a herdeira para o povo caboverdiano do legado político e ideológico de Amílcar Cabral e do PAIGC binacional e a força política dirigente do Estado e da sociedade no quadro de um regime político denominado de Democracia Nacional Revolucionária.

Relembre-se a este propósito que, com a realização do III Congresso de Novembro de 1977 do PAIGC e a aprovação da Constituição da República de Cabo Verde, de Setembro de 1980, o regime caboverdiano de partido único assumiu a denominação oficial plasmada nas Resoluções do III Congresso de Novembro de 1977 do PAIGC, qual seja a de Democracia Nacional Revolucionária, a qual pretendeu sintetizar o seu carácter amplo e abrangente de aliança de todas as classes e categorias sociais nacionais no todo arquipelágico e em cada uma das ilhas, ao mesmo tempo que sublinha o sentido socializante do modelo de sociedade a construir e o conteúdo revolucionário das mudanças sociais a empreender.

Na verdade, o regime de partido único do PAIGC foi implantado de facto no arquipélago caboverdiano desde a primeira metade de Dezembro de 1974, com:

i.A detenção por responsáveis, militantes e simpatizantes políticos do

PAIGC, nos inícios do mês de Dezembro de 1974, a colocação sob as ordens e a custódia da PSP e do MFA (Movimento das Forças Armadas) locais e o posterior encarceramento político no presídio de Chão Bom do Tarrafal, de muito má memória, de alguns dos mais proeminentes e activos dirigentes e militantes da UDC e da UPICV, e na sequência da tomada, a 9 de Dezembro de 1974, da Rádio Barlavento, instalada na cidade do Mindelo, por jornalistas e populares afectos ao PAIGC, alegadamente em razão do seu excessivo alinhamento político com as posições federalistas e spinolistas da UDC, e da realização, na cidade da Praia, de concorridas e entusiásticas, bastas vezes histéricas, manifestações populares organizadas por esse mesmo partido político, tendo como pretexto imediato a expressão da condenação e do repúdio políticos contra alegados actos (reuniões) preparatórios de atentados contra altos dirigentes caboverdianos do PAIGC, na altura residentes em Cabo Verde, por conhecidos dirigentes da UDC/UPICV, actos esses devidamente gravados por militantes infiltrados do PAIGC e amplamente divulgados na comunicação social caboverdiana, vindo depois todos esses presos/mártires/ vítimas/contraventores da transição política para a independência e a soberania nacionais do Povo das Ilhas a ser libertados, ainda antes da proclamação da independência política de Cabo Verde, a 5 de Julho de 1975, sendo que alguns de entre eles foram exilados/encaminhados/ recambiados para prisões políticas em Portugal, designadamente para a prisão de Caxias, por sobre alguns deles impender a grave acusação de terem sido agentes e informadores da famigerada PIDE/DGS, enquanto outros eram acusados de ameaçarem e porem em causa o processo de descolonização então em curso, assim, e deste modo, ameaçando e colocando em perigo o cumprimento de um dos três Ds do Programa do MFA.

Depois de libertados das prisões portuguesas, alguns deles regressaram ao arquipélago natal, integrando-se, mais ou menos bem, na nova sociedade caboverdiana pós-colonial. A maioria porém preferiu radicar-se definitivamente na bem-amada Mãe-Pátria portuguesa, sem todavia cortar a sua ligação umbilical à terra natal islenha, estando, aliás, alguns deles na origem da fundação, em 13 de Maio de 1978, em Roterdão, da UCID (União Cabo-Verdiana Independente e Democrática, também temporariamente, aquando de uma primeira liderança de Lídio Silva, denominada União Cabo-Verdiana para a Independência e a Democracia, segundo dados constantes de A Nação Cabo-Verdiana, órgão oficial da UCID, dirigido por Virgílio Pires), com nítidos traços de legítima sucessora da UDC, designadamente em razão da sua liderança pelo antigo Governador colonial, o luso-caboverdiano Sérgio Duarte Fonseca; a sua feroz oposição ao projecto pós-colonial da unidade Guiné-Cabo Verde e a outros princípios estruturantes do PAIGC, como o modelo socializante de sociedade com correlativa estatização e colectivação dos mais importantes meios de produção e dos recursos estratégicos do país ou a reforma agrária (desde sempre defendida pelo próprio Amílcar Cabral, que todavia aconselhava muita cautela na sua propaganda e na sua prossecução por forma a não alienar as categorias sociais rurais possidentes e latifundiárias caboverdianas da luta pela independência do país), sendo que todos esses projectos paigcistas eram considerados pela UCID como projectos eminentemente comunistas; a sua pugna por um modelo ocidental de sociedade com base numa compreensão da identidade crioula muito influenciada pela visão claridosa e neo-claridosa do mundo caboverdiano, isto é, entendendo-o primacialmente como de teor europeizante e feição barlaventista, etc., por iso, não sendo por acaso que Baltasar Lopes da Silva foi escolhido, obviamente que em modo clandestino, como o seu Presidente Honorário, a par da conformação desse histórico partido caboverdiano com o facto consumado e o reconhecimento da independência política e da soberania nacional da República de Cabo Verde, mesmo que, na sua opinião, demasiado enredada em opções africanistas e supostamente alinhadas do ponto de vista político-ideológico com os depreciativamente chamados países comunistas. Realce-se, neste contexto, que, tal como a UPICV, vindo do tempo colonial e sobrevivente, ainda de forma periclitante, ao monopartidarismo político oficial, a UCID deve ser considerado um partido histórico na medida em que foi o único partido político surgido durante a vigência do regime caboverdiano de partido único, a par dos oposicionistas Grupo Revolucionário de Intervenção Socialista, de Helena Lopes da Silva, Eugénio Inocêncio e Gualberto do Rosário, situado ideologicamente na extrema esquerda trotskysta, e dos Círculos Cabo-Verdianos para a Democracia (CCPD), de Jorge Carlos Fonseca, então docente universitário da Faculdade de Direito de Lisboa, Eurico Correia Monteiro e outros estudantes universitários em Portugal na altura em transição de posicionamentos da extrema-esquerda trotskysta para posicionamentos democrático-liberais de esquerda e que viriam a desempenhar um crucial papel na fundação, na implantação e na disseminação do MpD (Movimento para a Democracia), autor de um Manifesto fundador tornado público a 14 de Março de 1990, quase um mês depois de declarada a Abertura Política de 19 de Fevereiro de 1990 pelo Conselho Nacional do PAICV.

Quem não teve qualquer hipótese de regresso imediato ao país natal foi o líder da UDC, que se exilou no Brasil, onde fixou residência de forma definitiva, bem como José Leitão da Graça, líder carismático da UPICV que, tendo escapado à onda de prisões políticas de Dezembro de 1974, por nessa altura alegadamente se encontrar em missão partidária no estrangeiro, somente regressaria ao país em 1986, seis anos depois da clamorosa falência pós-colonial do projecto paigcista de unidade Guiné-Cabo Verde, isto é, da derrocada do seu principal pomo de discórdia com o extinto PAIGC e com os militantes e dirigentes deste mesmo partido, alguns deles seus amigos dos tempos de estudante universitário, como, por exemplo, José Araújo, com quem, aliás, e aparentemente de forma contraditória, comungava os ideais pan-africanistas, ilustrados, por exemplo, no título África Negra, folha periódica que José Leitão da Graça passou a publicar a partir da Abertura Política de 19 de Fevereiro de 1990.

Quem também não teve possibilidade nenhuma de integração no novo Cabo Verde a nascer com a independência nacional foi Sílvio Ferreira Querido, expulso do país natal por ordem do Governo de Transição por razões políticas não explicitadas e fundamentadas na ordem de expulsão, mas que provavelmente teriam a ver com o facto de ele se ter recusado a integrar a luta armada conduzida no território da Guiné-Bissau e ter desistido da militância no PAIGC, depois de ter integrado o Grupo de pouco mais de trinta caboverdianos (sendo ele o mais velho de todos) que receberam preparação político-militar em Cuba para depois efectivarem a chamada Operação Esperança, de desembarque em algumas ilhas de Cabo Verde, para o início da luta armada no arquipélago, acerrimamente defendida por Amílcar Cabral na célebre Reunião de Dakar, de Julho de 1963, sobre a Situação da Luta em Cabo Verde, e na qual, dirigida pelo próprio Amílcar Cabral, participaram os caboverdianos Aristides Pereira, Abílio Duarte, Pedro Pires, José Araújo, Lilica Boal e Silvino da Luz e os guineenses Vasco Cabral, Victor Saúde Maria e Armando Ramos. Tendo a Operação Esperança sido abortada em razão da denúncia do plano de desembarque à PIDE por Bibino (um agente/informador da PIDE infiltrado no PAIGC, quiçá desde o recrutamento de emigrantes caboverdianos radicados em Moselle, França, para as fileiras do PAIGC por Pedro Pires), também integrante do grupo político-militar de Cuba, aliada à captura em combate e ao assassinato na Bolívia do mítico guerrilheiro argentino-cubano Ernesto Che Guevara, os combatentes caboverdianos preparados político-militarmente na Sierra Maestra, em Cuba, para o desembarque armado em Cabo Verde foram na sua totalidade (salvo o caso Sílvio Ferreira Querido, acima referido) integrados nas várias frentes político-militares da Guiné-Bissau, vindo a desempenhar um papel crucial na neutralização da Força Aérea Portuguesa, a mais temida das forças coloniais de ocupação na fase final dessa guerra por conferir nítida superioridade militar às Forças Armadas coloniais portuguesas, tendo, assim, contribuído decisivamente para a derrocada final dessas mesmas Forças Armadas coloniais no território da Guiné-Bissau. A luta em Cabo Verde pareceu merecer um renovado interesse de Amílcar Cabral na sua Mensagem de Ano Novo de 1973 (o seu célebre Testamento Político) quando anuncia a criação de uma Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC para se ocupar exclusivamente de questões e problemáticas relacionadas com a luta em Cabo Verde. Regressado a Cabo Verde no período pós-25 de Abril de 1974 para assistir à independência de Cabo Verde, pelo qual os seus irmãos e filhos tanto tinham contribuído, e arbitrariamente expulso nas vésperas da consumação desse evento maior da História do nosso Sahel insular, Sílvio Querido só pôde voltar ao seu país natal na sequência da transição política democrática de 1990/1991 que culminou politicamente na clamorosa vitória do MpD nas eleições legislativas, presidenciais e autárquicas de 1991. Interessante neste caso é que o irmão mais novo, Jorge Querido, o qual foi o dirigente máximo do PAIGC na clandestinidade em Portugal (até 1968) e em Cabo Verde (de 1968 a Maio de 1974), tendo sido vítima de prisões várias e atrozes torturas pela PIDE, enquanto estudante universitário em Portugal, foi afastado da coordenação política e da militância do PAIGC em Cabo Verde, supostamente tramado pela chamada ala/facção/fracção trotskysta do ramo caboverdiano do PAIGC apoiada por (ou aliada a) alguns dirigentes vindos de Conacry em representação da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC, nomeadamente Abílio Duarte, Olívio Pires e Carlos Reis, e com quem o mesmo Jorge Querido se encontrou, logo depois do 25 de Abril de 1974, numa derradeira reunião na cidade de Roterdão, na Holanda, e na sequência do surgimento do mesmo partido/movimento histórico de libertação nacional na praça pública da cidade da Praia sob o rosto semi-legal de Frente Ampla Anti-Colonial (FAAC) e da realização por esta das primeiras grandes movimentações de massas de apoio ao PAIGC em solo caboverdiano, tendo-se-lhe comunicado a suspensão da sua militância no PAIGC e consequentemente das suas funções de responsável máximo do Comité de Coordenação do PAIGC em Cabo Verde, tendo sido designado José Luís Fernandes para doravante passar a exercer essas altas funções partidárias no território caboverdiano, doravante em profunda convulsão político-social e cultural pós-25 de Abril de 1974 e acelerada mudança política, e num contexto multipartidário, tendo no seu cerne a questão da independência nacional e como pano de fundo as problemáticas da adjacência político-cultural a Portugal (agora reciclada para um federalismo de teor spinolista), da unidade Guiné-Cabo Verde e da unidade africana.

ii. O banimento de facto dos dois partidos políticos, curiosamente de sinal contrário mas assertiva e acerbamente adversários do PAIGC em Cabo Verde, designadamente:

a)A UDC (União Democrática de Cabo Verde), do advogado João Baptista

Monteiro, de feição e intenção spinolistas, especialmente apoiada pelo último Governador colonial português, o luso-caboverdiano Sérgio Duarte Fonseca, na sua intransigente defesa de uma solução federalista com Portugal, depois de um longo período de transição política para a independência política como Região ou Estado semi-autónomo da antiga potência colonial. O curioso é que a UDC parece ter sido sucessora da Associação Democrática do Barlavento, criada ou apoiada por importantes intelectuais claridosos e neo-claridosos, como Baltasar Lopes da Silva, António Aurélio Gonçalves e Henrique Teixeira de Sousa, sendo este ultimo autor do opúsculo Cabo Verde e o seu Destino Político, no qual, partindo de pontos de vista anti-africanistas, anti-negritudinistas e francamente contrários ao princípio paigcista da unidade Guiné-Cabo Verde e optando por uma visão predominantemente europeísta da cultura crioula caboverdiana, faz a defesa de um referendo de autodeterminação política em Cabo Verde, por a luta armada para a independência não ter sido levada a cabo no arquipélago, a contrário do que tinha ocorrido na Guiné-Bissau, em Angola e em Moçambique. Segundo Henrique Teixeira de Sousa estariam em liça na consulta popular referendária três opções fundamentais e mutuamente excludentes: i. a integração pura e simples na nova Nação portuguesa; b) a integração como Região Autónoma no novo Portugal nascido com o 25 de Abril de 1974; c) a independência total e imediata. O escritor e médico nutricionista considerava a independência política de Cabo Verde como altamente inviável, por isso mesmo, desaconselhando-a convictamente, sendo a sua preferência inequívoca a integração em Portugal como uma uma sua Região Autónoma, numa clara reciclagem da antiga ideia da adjacência político-cultural de Cabo Verde a Portugal defendida tanto por nativistas, claridosos e neo-claridosos, agora conjugada com a antiquíssima ideia nativista de autonomização político-cultural do arquipélago caboverdiano. Curiosamente, esse posicionamento de Teixeira de Sousa seria reiterado pelo mesmo autor, mas com importantes correcções revisionistas na entrevista que concedeu a Michel Laban para o livro Cabo Verde-Encontro com Escritores, Volume I, e no romance Entre Duas Bandeiras, publicado depois das mudanças políticas de 1991. Flagrante é a mudança de Teixeira de Sousa e das suas personagens literárias para uma posição nitidamente independentista, com quase obliteração dos posicionamentos autonomistas, significando tal mudança o reconhecimento de dois importantes factos consumados, designadamente, a derrocada do projecto pós-colonial da unidade Guiné-Cabo Verde e a paulatina viabilização de Cabo Verde como país independente e soberano.

A proposta de Teixeira de Sousa da realização de um refendo de autodeterminação foi total e inteiramente assumida pela UDC e liminarmente rejeitada tanto pelo PAIGC, como também pela UPICV, que argumentavam que nunca se devia perguntar a um escravo se queria ser livre. Paradigmático desse posicionamento abertamente independentista e soberanista é o artigo “Não ao Referendo”, de David Hopffer Almada, publicado no jornal Alerta, acérrimo defensor das posições políticas do PAIGC.

b) A UPICV (União do Povo de Cabo Verde), do ex-exilado político em

Acra e Dakar, José André Leitão da Graça, de ideologia maoista e posicionado expressamente “contra o imperialismo americano e o social-imperialismo soviético”, de que, aliás, considerava o PAIGC um mero instrumento, avatar e lacaio político, defensor de um nacionalismo caboverdiano estrito e, por isso mesmo, ferreamente oposto ao princípio cabraliano da unidade Guiné-Cabo Verde e ao projecto paigcista de União Orgânica pós-colonial entre as Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, que anatemizava e estigmatizava como “união forçada de Cabo Verde com a Guiné-Bissau” e/ou “anexação de Cabo Verde pela Guiné-Bissau”, para alegadamente satisfazer “os interesses elitistas e expansionistas da pequena-burguesia caboverdiana emigrada e radicada na Guiné” e de que o PAIGC, por ela criada, seria a consubstanciação plena e o verdadeiro paradigma. É fiel a essa linha de pensamento que José Leitão da Graça se posiciona contra a realização de um referendo de auto-determinação política, nos termos propostos pela UDC, mas defende com garra e veemência a realização de um referendo sobre a para ele candente questão da unidade Guiné-Cabo Verde.

Relembre-se que, antes da sua precipitada fuga, em 1960, para Dakar, onde viria a exilar-se por mais de uma dezena de anos e procederia à refundação da UPICV, fundada pelo irmão Aires Leitáo da Graça, em 1958/1959, nos Estados Unidos da América, José Leitão da Graça foi o responsável pelas primeiras mobilizações políticas para o nacionalismo caboverdiano de militantes políticos residentes na cidade da Praia, certamente ainda inspirado no movimento literário-cultural da Nova Largada, no qual pontificaram importantes poetas e ensaístas caboverdianos, como Aguinaldo Fonseca, Manuel Duarte, Gabriel Mariano, Ovídio Martins e Yolanda Morazzo, e de que foi partícipe em Lisboa, tal como também José Araújo.

Esses jovens militantes independentistas mobilizados por José Leitão da Graça viriam a ser os primeiros presos políticos do moderno nacionalismo caboverdiano, salientando-se de entre eles os nomes de Manuel Chantre, Aires Leitão da Graça, Francisco Correia, Alcides Barros, Filinto Correia Silva, Osvaldo Azevedo, Lucílio Braga Tavares, Joaquim Silva, Mário Fonseca e Arménio Vieira, quase todos tornados depois militantes, simpatizantes ou até combatentes do PAIGC, com a evidente excepção de Aires Leitão da Graça, e, de certo modo, de Manuel Chantre, que militou durante algum tempo nas estruturas clandestinas do PAIGC em Portugal, tendo feito a ruptura com esse partido por divergências sobre a questão da unidade Guiné-Cabo Verde, mas tendo como pretexto imediato a sua promoção da fundação da Casa de Cabo Verde, considerada pela ala radical de esquerda então dominante no Comité de Coordenação do PAIGC em Portugal como uma forma de colaboracionismo com as autoridades colonial-fascistas portuguesas. Constitui também excepção à posterior militância no PAIGC dos primeiros presos políticos caboverdianos mobilizados para a causa da independência nacional de Cabo Verde por José Leitão da Graça o caso de Lucílio Braga Tavares que, com José Leitão da Graça, criou na Bélgica, onde estava exilado, já no pós-25 de Abril de 1974, uma Frente Popular de Libertação de Cabo Verde e de que , aliás, não se conhece nenhuma actividade política relevante. Tal como José Leitão da Graça, Lucílio Braga Tavares regressaria definitivamente a Cabo Verde, depois de gorado o projecto pós-colonial de unidade Guiné-Cabo Verde, o seu principal ponto de discordância com o PAIGC.

Curiosamente, o tempo de recrutamento político para o nacionalismo caboverdiano por parte de José Leitão da Graça coincide temporalmente com o mesmo trabalho político pioneiro encetado por Abílio Duarte, se bem que numa visão de maior abrangência pan-africanista porque conduzida sob a égide do princípio da unidade Guiné-Cabo Verde, mas tendo como foco o operariado sanvicentino e os estudantes do terceiro ciclo do Liceu Gil Eanes do Mindelo, dos quais alguns viriam a ser importantes militantes da clandestinidade políttica em Cabo Verde e proeminentes dirigentes e comandantes do PAIGC nas duas Guinés.

Em razão do severo ostracismo político a que a UDC foi sujeita depois da queda em desgraça política do General António de Spínola e da sua maioria silenciosa, muitos dos seus militantes e dirigentes transitaram com armas e bagagens para a UPICV, fundamentando-se essa translação na comum e feroz oposição de ambos os partidos contra o projecto pós-colonial de unidade Guiné-Cabo Verde, defendido e propugnado pelo PAIGC. Independentemente de se situarem em polos opostos extremos do espectro político-ideológico caboverdiano, diria alguém a este propósito que, por essa altura, a UPICV se tinha transformado num partido nominalmente nacionalista e pan-africanista caboverdiano da extrema-esquerda maoista (que, aliás, sempre afirmou ser pela voz monolítica e nos numerosos comunicados e panfletos do seu líder, José Leitão da Graça) mas amplamente colonizado por militantes luso-autonomistas e anti-africanistas, maioritariamente da direita e da extrema-direita caboverdianas colonial-saudosistas, e anteriormente conotados com a UDC, da qual eram oriundos.

iii. O encetamento de negociações políticas em Lisboa para a transição para a independência e a soberania nacionais de Cabo Verde, tendo o Governo Português como único e exclusivo interlocutor, o PAIGC, reconhecido tanto pela ONU como também pela OUA como o único e legítimo representante dos Povos da Guiné e de Cabo Verde, tal como, aliás, ocorrera anteriormente nas negociações de Londres e de Argel incidentes sobre o reconhecimento de jure por parte de Portugal da já proclamada e internacionalmente afirmada República da Guiné-Bissau e do direito do Povo de Cabo Verde à autodeterminação e à independência, devidamente consagrados no Acordo de Argel. Em resultado dessas negociações entre o Governo Português, representado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, e pelo Ministro da Coordenação Interterritorial, António de Almeida Santos, e o PAIGC, representado por Pedro Pires, o chefe da Delegação, Amaro da Luz, José Luís Fernandes e Manuel Faustino, é celebrado o Acordo de Lisboa no qual se determina o seguinte:

i.A fixação do dia 5 de Julho de 1975 como a data da proclamação solene da independência política e da soberania nacional e internacional do Estado de Cabo Verde;

ii.O estabelecimento de um Governo de Transição do Estado semi-autónomo de Cabo Verde, instituído desde 1972 pelo Governo colonial-fascista de Marcelo Caetano, Governo de Transição esse que seria presidido por um Alto-Comissário português, o Comodoro Almeida d´Eça, curiosamente nascido na cidade do Mindelo, da ilha de São Vicente de Cabo Verde, e integrado por Ministros indicados tanto pela parte portuguesa como também pelo PAIGC, e ao qual incumbiria a gestão do país insular no período de transição política, aliás, muito marcada pela continuação de um severo período de secas e estiagens, bem como a organização de eleições para uma Assembleia Legislativa dotada de poderes soberanos e constituintes para proclamar a independência do país na data aprazada e referida em i. anterior, e dotá-lo de uma Constituição Política que, nos termos da Lei Eleitoral depois aprovada pelas autoridades competentes portuguesas, devia ser promulgada três meses depois da proclamação da independência política de Cabo Verde. É essa mesma Lei Eleitoral que também preceituava que as listas de candidaturas à acima referida Assembleia Legislativa soberana e constituinte seriam apresentadas não por partidos políticos, mas por grupos de cidadãos em todos os círculos eleitorais do arquipélago caboverdiano.

3.Tudo o que veio depois a acontecer no período pós-colonial nas

Repúblicas da Guiné-Bissau e de Cabo Verde tem sido visto, total e/ou parcialmente, a um e mesmo tempo, e em tempos, momentos e circunstâncias sequenciais, paradoxais e contraditórios entre si nos dois países irmãos, como consubstanciação e traição da auspiciosa profecia de Amílcar Cabral (dita através das palavras poéticas do “sonho” do seu amigo e camarada poeta Aguinaldo Fonseca) de se construir uma outra terra dentro da nossa terra, isto é, de uma sociedade de prosperidade, de liberdade e de democracia, de bem-estar, de felicidade e de progresso para todos os filhos da Guiné e de Cabo Verde e, por outras, quiçá utópicas, mas sempre produtivas palavras, de uma sociedade liberta da exploração do homem pelo homem e da sujeição do ser humano a interesses egoístas e degradantes de pessoas, grupos e categorias sociais e na qual estejam expurgados o medo, a ignorância (o obscurantismo), a miséria (a pobreza) e a humilhação e na qual floresça uma cultura nacional, popular, científica, humanista e universal, com a contribuição de todos, individualmente e colectivamente considerados por classes, categorias e grupos sociais.

Tal como, aliás, também cogitado em certas dimensões do "Poema de Amanhã", de António Nunes.

/José Luís Hopffer Almada/ 

Membro-fundador e membro efectivo (correspondente)

da Academia Cabo-Verdiana de Letras (ACL)

 e da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC)        

                                       

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