Cofre com mornas de Eugénio Tavares é tesouro guardado por sobrinho-neto em Sintra
Cultura

Cofre com mornas de Eugénio Tavares é tesouro guardado por sobrinho-neto em Sintra

Um cofre de ferro guardou durante décadas várias mornas escritas pelo punho de Eugénio Tavares, considerado o Camões de Cabo Verde, sendo uma das várias relíquias que o sobrinho-neto guarda na sua casa-museu, em Sintra.

Eugénio Tavares de Sena, 90 anos, tem dedicado a vida a divulgar e a preservar a obra do tio-avô e reúne na sua casa um espólio com dezenas de peças, entre poemas manuscritos pelo poeta, escritor, compositor e jornalista, condecorações, fotografias e até a cama e outros móveis que mandou vir da ilha cabo-verdiana da Brava, a ilha onde Eugénio Tavares nasceu.

Um desses objetos é um cofre de ferro, que guardava os poemas escritos pelo compositor, entre os quais os originais de “Mar Eterno” e “Força di Cretcheu”. Quando morreu, em 1930, o cofre continuou a guardar a sua poesia, até que o sobrinho-neto a trouxe para Portugal, onde vive desde 1950.

É um dos 36 sobrinhos-netos do compositor e deve-se a ele a criação, em 1995, da Fundação Eugénio Tavares, em Sintra, cidade geminada com Nova Sintra, na ilha Brava, em Cabo Verde.

À Lusa, contou que a ideia nascera quatro décadas antes, quando a morna começou a ser cantada em Lisboa e registada com um gravador de bobines, que Eugénio Tavares de Sena mostra com orgulho.

Na Emissora Nacional, coube a Fernando Quejas as primeiras interpretações de mornas de Eugénio Tavares, que por essa altura também se ouviam em cafés de Algés e Lisboa, contou o sobrinho-neto.

Pelo mundo onde a diáspora cabo-verdiana se espalhou, nomeadamente nos Estados Unidos, onde Eugénio Tavares viveu e fundou o jornal Alvorada, começou então a recolha de material e o compositor passou a ser um nome falado a par de outros vultos da literatura portuguesa, entre os quais Camões.

O intelectual foi condecorado em 1995 pelo então Presidente da República cabo-verdiano, António Mascarenhas Monteiro, e hoje é o sobrinho-neto que é o fiel guardião da medalha da Ordem do Dragoeiro, que celebra atos excecionais de solidariedade e desenvolvimento.

A fundação arrancou no espaço da “primeira unidade de turismo rural em Sintra”, que ainda existe, e por lá passaram grandes cantores de morna, entre os quais Celina Pereira, com quem Eugénio Tavares de Sena muito falou sobre a importância de uma candidatura da morna a Património Mundial da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o que viria a acontecer há cinco anos, em 11 de dezembro de 2019.

A par de espetáculos, exposições e festas, a Fundação criou uma página online que “é o primeiro site da intelectualidade cabo-verdiana sobre Eugénio Tavares”, disse.

A casa de Eugénio Tavares de Sena é uma espécie de exposição permanente sobre o seu tio-avô. Espalhadas por várias divisões, fotografias acompanhadas de textos dão conta da vida do poeta, a sua convicção republicana, os seus amores que resultaram nas mornas mais famosas e até a cadeira onde, aos 63 anos, e após uma conversa divertida com os amigos, o poeta morreu devido a uma angina de peito.

E, em lugar de destaque, o famoso cofre de metal, onde estiveram e ainda permanecem os poemas escritos pela mão de Eugénio Tavares e que já foram cantados por todos os grandes cantores de Cabo Verde e não só.

Eugénio Tavares de Sena sublinha que a melodia destas mornas foi transmitida oralmente e que o compositor fundou, em 1922, a Troupe Musical Bravense, cujos músicos registaram de ouvido as famosas melodias.

Estas mornas só seriam transcritas para pauta convencional pelo também compositor Jotamonte, que as publicou apenas em 1980, já as mesmas eram ouvidas e cantadas há décadas em Cabo Verde e onde a sua diáspora chegou.

Apesar disso, nunca foram pagos direitos de autor pelas composições de Eugénio Tavares, uma situação que não incomoda os herdeiros, uma vez que nunca chegaram a acordo para reclamar este valor.

Grande parte da obra de Eugénio Tavares está reunida em três livros, em cuja elaboração o sobrinho-neto do poeta esteve particularmente empenhado, nomeadamente um volume com a poesia, os contos e os teatros, um outro com a sua atividade nos jornais e ainda outro dedicado às viagens, tormentas, cartas e postais.

O poeta publicou o primeiro poema (A Badinha) aos 15 anos, no "Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro". Pouco antes, tinha aprendido a tocar guitarra portuguesa.

Pela “figura ímpar” que Eugénio Tavares representa, Cabo Verde comemora o Dia da Cultura a 18 de outubro, data do nascimento do seu poeta maior, sobre o qual o seu sobrinho-neto acredita que ainda há muito por contar.

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