Quando o Desenvolvimento se Torna Refém da Partidarização
Colunista

Quando o Desenvolvimento se Torna Refém da Partidarização

Chegou o momento de dizer basta e de romper com o silêncio conveniente que tem perpetuado uma governação feita à margem das reais necessidades do povo. Esh dez grãzinhos di terra não pode continuar a sustentar estruturas públicas que falham consecutivamente em cumprir a sua missão. Não podemos aceitar que, em nome da estabilidade ou da cor partidária, se sacrifique o futuro das ilhas, das famílias e das próximas gerações. Este não é um apelo político, é um apelo PATRIÓTICO aos cidadãos de Boa Vista e do Maio, e também a todos os cabo-verdianos, nas comunidades emigradas de todas as ilhas, a erguerem a voz. Reivindiquem o vosso direito a um país que serve o seu povo, e não as conveniências partidárias. Manifestem-se! Escrevam e denunciem como eu! Exijam reformas! Façam-se ouvir nas câmaras municipais, nos órgãos de comunicação social, nas redes sociais e nas ruas.

Na minha última crónica, abordei o fenómeno dos “Jobs for the Boys”, denunciando a prática recorrente de nomeações políticas que transformam instituições públicas em plataformas de acomodação partidária. Infelizmente, a recente nomeação de Miguel Rosa como presidente do Conselho de Administração da Sociedade de Desenvolvimento Turístico das Ilhas da Boa Vista e Maio (SDTIBM) exemplifica de forma gritante essa realidade.

Miguel Rosa, ex-presidente da Câmara Municipal do Maio, foi nomeado para liderar a SDTIBM após uma derrota eleitoral significativa nas últimas autárquicas. A sua nomeação ocorreu exclusivamente com os votos do accionista Estado, enquanto os municípios da Boa Vista e do Maio, que detêm conjuntamente 49% das acções da SDTIBM, votaram contra. Na prática, foram os presidentes das câmaras municipais da Boa Vista e do Maio que votaram contra essa nomeação, conforme a própria SDTIBM admitiu publicamente, afirmando que é prática estabelecida serem os presidentes das câmaras os representantes nas assembleias gerais da sociedade. Esta divergência tornou-se o principal fundamento do pedido formal de anulação da última Assembleia Geral, uma vez que a vontade dos representantes legítimos das ilhas foi ignorada em nome de uma decisão política verticalizada.

Estas autarquias expressaram publicamente a sua rejeição, alertando para o risco de a SDTIBM se tornar um instrumento de combate político e de partidarização institucional, em detrimento da função para a qual foi criada: servir o interesse público e o desenvolvimento sustentável das duas ilhas.

A indignação não se limita às esferas políticas. Um grupo de empresários e cidadãos da Boa Vista, profundamente frustrado com a estagnação do território, apresentou um pedido formal de impugnação da nomeação, denunciando irregularidades processuais e a falta de idoneidade do processo de escolha. A crítica foi clara: ao longo de quase duas décadas de existência, a SDTIBM falhou sistematicamente em atrair investimentos consistentes, executar infraestruturas fundamentais e garantir um planeamento urbano digno das populações que serve.

A nomeação de Miguel Rosa ganhou ainda maior destaque quando revelado o seu vencimento, que ultrapassa os 450 mil escudos mensais, um valor superior ao salário do próprio Presidente da República. Esta remuneração elevada contrasta de forma obscena com os resultados financeiros da SDTIBM, que declarou um prejuízo líquido superior a 154 milhões de escudos em 2022, mantendo custos fixos anuais acima dos 150 mil contos e acumulando uma dívida junto da banca que já ultrapassa 1.250.000 contos.

Tudo isto sem retorno económico palpável, sem investimentos concretizados, sem infraestruturas entregues, sem progresso visível. A gestão territorial da SDTIBM está marcada por incumprimentos sucessivos de contratos com promotores turísticos, como nos casos dos projectos White Sands, CALTCON, Bucan ou Nova Procave, todos rescindidos por incumprimento. E no entanto, os salários de topo mantêm-se intocáveis, enquanto o silêncio institucional se torna cada vez mais ensurdecedor.

O Boletim Oficial nº 37 de 2016 já previa salários consideráveis para gestores públicos e membros de conselhos de administração, mas sempre sob a condição de que os resultados justificassem as remunerações. No caso da SDTIBM, a situação é inversa: quanto maiores os prejuízos, mais dispendiosa se torna a estrutura. Esta sociedade vive do adiantamento de terrenos que nunca chegam a ser construídos, da execução parcial de projectos que esgotam-se na fase dos memorandos e do reforço de capital por parte do Estado, que nunca é revertido em bem público.

É imperativo perguntar:
O que justifica a manutenção de uma estrutura como esta?
Como se pode continuar a justificar salários e subsídios sem resultados concretos?
Que plano existe para reverter a tendência crónica de insustentabilidade económica, técnica e social que compromete o futuro da Boa Vista e do Maio?

A ilha da Boa Vista, que recebe mais de um milhão de dormidas turísticas por ano e cerca de 250 mil visitantes, continua com 70% da população a viver em bairros de barracas, sem acesso pleno a água, luz ou habitação condigna. “DjarMai”, ainda está à espera da prometida "explosão turística", e vive com a incerteza de um planeamento que nunca sai do papel.

A verdade crua é que, enquanto o turismo cresce, as condições de vida das populações locais destas ilhas continuam a deteriorar-se. A assimetria entre o que se arrecada e o que se devolve à população é chocante e institucionalmente irresponsável.

Em 19 anos de existência, a SDTIBM não conseguiu atrair um único investidor relevante. O único grande investimento que permanece operacional é o do grupo RIU/TUI, que se instalou na Boa Vista em 2004, antes da criação da própria SDTIBM. Desde então, o insucesso tem sido a única constante.

O futuro destas ilhas não pode continuar a ser gerido como extensão de agendas partidárias. A SDTIBM precisa urgentemente de uma auditoria independente, de uma redefinição clara dos seus objectivos, de um novo modelo de governação assente na transparência e na competência técnica. O país não pode continuar a aceitar que o desenvolvimento seja adiado por compromissos eleitorais vencidos. É tempo de pôr fim à normalização da mediocridade institucional. É tempo de dizer NÃO a mais “Jobs for the boys”.

Chegou o momento de dizer basta e de romper com o silêncio conveniente que tem perpetuado uma governação feita à margem das reais necessidades do povo. Esh dez grãzinhos di terra não pode continuar a sustentar estruturas públicas que falham consecutivamente em cumprir a sua missão. Não podemos aceitar que, em nome da estabilidade ou da cor partidária, se sacrifique o futuro das ilhas, das famílias e das próximas gerações.

Este não é um apelo político, é um apelo PATRIÓTICO aos cidadãos de Boa Vista e do Maio, e também a todos os cabo-verdianos, nas comunidades emigradas de todas as ilhas, a erguerem a voz. Reivindiquem o vosso direito a um país que serve o seu povo, e não as conveniências partidárias. Manifestem-se! Escrevam e denunciem como eu! Exijam reformas! Façam-se ouvir nas câmaras municipais, nos órgãos de comunicação social, nas redes sociais e nas ruas.

A pátria é o que deixamos aos nossos filhos.
E ela exige de nós coragem, lucidez e união.
Cabo Verde não é propriedade transitória de quem governa.
É pertença de todos.
É a herança de sangue que herdámos dos nossos pais.
E é nosso dever zelar por um Estado mais justo, mais ético e mais transparente.

Já chega de esperar... o tempo de agir é agora!

10 ilhas, UMA SÓ NAÇÃO.

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