...logo após o 25 de Abril de 1974, medidas de grande impacto político foram tomadas ou influenciadas pelas diferentes correntes político-ideológicas conotadas com o PAIGC. Foram os casos da libertação dos presos políticos do Tarrafal, a 1 de Maio de 1974; dos confrontos de jovens praienses com os militares portugueses no dia 19 de Maio de 1974; da fundação do jornal independentista Alerta para substituir, e em resultado da repectiva extinção, do oficioso e (arqui-) colonial-fascista semanário O Arquipélago; da recusa dos mancebos caboverdianos aquartelados no Centro de Instrução Militar do Morro Branco, na ilha de São Vicente, em prestar juramento à bandeira portuguesa; da manifestação de protesto na ilha do Sal contra o encontro entre o Presidente da República Portuguesa, General António Ribeiro de Spínola e o Presidente do Zaíre, Marechal Mobutu Sese Seko, e as suas correlativas e alegadas manobras neo-coloniais em relação a Angola e a Cabo Verde e que engendrou a demissão presencial e in loco do Governador de Cabo Verde e impossibilitou a deslocação do General Spínola à cidade da Praia, nessa sequência tendo-se o Ministro da Coordenação Interterritorial, António de Almeida Santos, deslocado para a capital de Cabo Verde, onde foi organizada uma grande manifestação de apoio ao PAIGC e contra o referendo; do impedimento pela Polícia Militar portuguesa de uma manifestação da UPICV aprazada para o dia 1 de Novembro de 1974 na cidade da Praia mediante a proibição de entrada na cidade de camiões vindos do interior da ilha de Santiago com militantes e simpatizantes do mesmo partido político; da greve geral da função pública; da ocupação da Rádio Barlavento e da mudança da sua linha editorial pró-portuguesa e pró-federalista para um cariz inequivocamente paigcista e da alteração da sua denominação de Rádio Barlavento para Rádio Voz de São Vicente; dos inumeráveis comícios, sessões de esclarecimento, saraus culturais e outras acções de mobilização político-cultural.
PRIMEIRA PARTE
O PERÍODO PÓS-25 DE ABRIL DE 1974 EM CABO VERDE E AS DISSENSÕES POLÍTICAS E CULTURAIS ENTRE OS DIVERSOS PROTAGONISTAS POLÍTICO-PARTIDÁRIOS EM LIÇA
1.1. Um marco importante da transição para independência política de Cabo Verde foi a preponderância da via pan-africanista para a sua obtenção e conquista. Essa via pan-africanista, desde há muito propugnada pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde) e pelo seu líder carismático Amílcar Cabral, ficou patente no período imediatamente posterior ao 25 de Abril de 1974, quando, reunidos na Frente Ampla Anti-Colonial (FAAC), alguns antigos militantes na clandestinidade, alguns antigos presos políticos recentemente libertados e algumas personalidades desde há muito avessas ao regime colonial-fascista, aos quais depois se juntaram alguns estudantes universitários e de cursos médios regressados de várias cidades da Metrópole colonial portuguesa, como Lisboa, Porto, Coimbra e Santarém, para a mobilização das populações pasra a causa da independência política de Cabo Verde, se declararam de forma clara e inequívoca favoráveis aos princípios e objectivos políticos do PAIGC. Esclareça-se neste contexto que, segundo declarações de Jorge Querido, o responsável máximo do PAIGC em Cabo Verde, constantes do livro Cabo Verde-Os Bastidores da Independência, de José Vicente Lopes, a criação da FAAC se deveu à necessidade de se manter o PAIGC, partido/ movimento de libertação binacional a que a FAAC queria dar cobertura e rosto públicos, temporariamente na (semi-) clandestinidade em face da natureza incerta e nebulosa da situação política resultante do golpe de Estado militar do 25 de Abril de 1974 e da colocação do General António Ribeiro de Spínola à frente da Junta de Salvação Nacional (JSN).
Tais posicionamentos políticos da FAAC contribuíram de forma decisiva para a larga disseminação dos postulados político-ideológicos e das palavras de ordem políticas do partido-movimento de libertação binacional.
Tanto mais que, como estrategicamente previsível, a luta político-armada conduzida pelo PAIGC no território da antiga Guiné dita Portuguesa/da actual Guiné-Bissau foi de valor determinante para o colapso do colonial-fascismo português e para a eclosão do 25 de Abril de 1974 e o vigoroso despoletar da Revolução dos Cravos em Portugal, a qual por sua vez inaugurou novas e inéditas perspectivas para o exercício do direito à autodeterminação e independência política ao povo caboverdiano e aos demais povos das colónias portuguesas e abriu novas oportunidades democráticas e desenvolvimentistas para o próprio povo português.
1.2. Novas e inéditas perspectivas para os povos africanos das colónias portuguesas que tiveram o seu primeiro selo inaugural logo nos primeiros dias de Maio de 1974, quando depois de se ter reunido na região libertada de Madina do Boé, o Comité Executivo da Luta (CEL) do PAIGC emitiu uma Declaração a saudar a nova situação política em Portugal engendrada pelo golpe de Estado militar do 25 de Abril de 1974, perpetrado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), e avançou com as condições do PAIGC para a declaração de um cessar-fogo imediato no teatro da guerra da Guiné-Bissau, designadamente o reconhecimento imediato e incondicional da República da Guiné-Bissau, proclamada unilateralmente a 24 de Setembro de 1973, na zona libertada de Madina do Boé, e o reconhecimento imediato do direito do povo de Cabo Verde e dos povos de todos os países africanos colonizados por Portugal à autodeterminação e independência política. É na sequência dessa Declaração que houve um primeiro encontro na cidade de Dacar, capital da República do Senegal, entre Aristides Pereira, Secretário-Geral do PAIGC, e Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros do recém-empossado Primeiro Governo Provísório português, liderado pelo advogado anti-fascista de simpatias spinolistas Adelino da Palma Carlos. Nesse encontro foi acordada a continuação dos contactos políticos entre o PAIGC e o Governo Provisório português, tendo-se iniciado as negociações entre as Delegações das duas partes na cidade de Londres nesse mesmo mês de Maio. Relembre-se que anteriormente tinham sido já encetadas negociações secretas entre uma Delegação do PAIGC, chefiada por Silvino da Luz, e uma Delegação do Governo colonial-fascista de Marcelo Caetano, nessa mesma cidade de Londres, em Março desse mesmo ano de 1974 (isto é, nas vésperas da eclosão vitoriosa do golpe de Estado militar do 25 de Abril de 1974), tendo as duas partes de então decidido prosseguir as negociações secretas em Maio desse mesmo ano na mesma cidade de Londres.
Tendo esbarrado em vários impasses, relativos designadamente à conexão entre a questão do reconhecimento de jure do Estado independente e soberano da Guiné-Bissau e a questão do direito à autodeterminação e independência política do povo de Cabo Verde, decidiu-se, neste segundo encontro de Londres entre as Delegações do PAIGC e do Governo Provisório Português, então chefiadas respectivamente pelo Comandante Pedro Pires, membro do Comité Executivo da Luta (CEL) do PAIGC, e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros do Primeiro Governo Provisório português, Mário Soares, prosseguir as negociações, desta feita na cidade de Argel, capital da Argélia, delas finalmente resultando a celebração do Acordo de Argel, de 26 de Agosto de 1974. Este mesmo Acordo procedeu ao reconhecimento de jure da República da Guiné-Bissau por parte da República Portuguesa, estipulando o dia 10 de Setembro de 1974 como a data para a realização, em Lisboa, da cerimónia solene desse mesmo reconhecimento de jure, bem como ao reconhecimento do direito à autodeterminação e independência política do povo de Cabo Verde por parte de Portugal, “conforme as pertinentes Resoluções da ONU (Organização das Nações Unidas) e da OUA (Organização sa Unidade Africana)”.
1.3. Entretanto, estudantes universitários e do ensino médio regressados da Metrópole colonial portuguesa e estudantes liceais e activistas dos centros urbanos identificados com o PAIGC ensinavam jovens e adolescentes politicamente rebeldes, ávidos de curiosidade ideológica e sedentos de acção combativa a fazer ressoar nas ruas palavras de ordem e slogans políticos enaltecedores da independência total e imediata, da unidade e luta, da unidade Guiné-Cabo Verde, da unidade e da revolução africanas, da vitória ou morte, da luta continua, de enaltecimento e da louvação da memória de Amílcar como mártir maior da independência e Herói do Povo e contra a reacção, invariavelmente botada abaixo. Reacção essa que se ia descredibilizando quer pela sua aliança com aquele que era considerado e invectivado como o mentor intelectual do traiçoeiro e bárbaro assassinato de Amílcar Cabral (o General António Ribeiro de Spínola) e com as suas teses de reciclagem do execrado e moribundo adjacentismo político-cultural de Cabo Verde a Portugal no recém-inventado federalismo no seio de uma denominada Comunidade Lusíada ou Luso-Africana, quer com os círculos mais retrógrados da Igreja Católica e das classes e categorias sociais oligárquicas, possidentes e privilegiadas dos meios urbanos e rurais.
1.4. A via nacionalista estritamente islenha corporizada e representada pela UPICV (União do Povo das Ilhas de Cabo Verde), liderada por José André Leitão da Graça enquanto corrente política ferreamente uni-nacionalista caboverdiana, se bem que também nominalmente identificada com o pan-africanismo político propugnado pelo antigo dirigente político ganês e Presidente do Gana independente, Kwame Nkrumah, e ideologicamente situada na extrema-esquerda maoísta/enver-hoxhista, seria, por sua vez, vítima do regresso tardio às ilhas desse veterano político do seu exílio euro-africano (Gana, Senegal e Suécia) e do amalgamento político que se pôde fazer da argumentação crioulista de feição neo-claridosa e teor aparentemente nova-largadista, de todo o modo estritamente avessa à pugna cabraliana/cabralista pela reafricanização dos espíritos e ao correlativo projecto paigcista da unidade Guiné-Cabo Verde, com as correntes políticas consideradas mais aberta e assumidamente reacionárias, luso-tropicalistas no seu formato islenho luso-crioulista, colonial-saudosistas, neo-adjacentistas/federalistas e spinolistas. Tal amalgamento político tornou-se possível e foi facilitsado em grande medida devido ao facto de, depois da queda em desgraça e da renúncia do Presidente da República Portuguesa, o General António Ribeiro de Spínola, a 28 de Setembro de 1974, na decorrência dos acontecimentos que na Metrópole colonial portuguesa levaram ao fracasso da manifestação/intentona de uma alegada maioria silenciosa liderada na sombra pelo mesmo General António Ribeiro de Spínola, muitos dos militantes da UDC (União Democrática de Cabo Verde), de João Baptista Monteiro, se terem mudado com armas e bagagens e passado a militar activamente na UPICV (União do Povo das Ilhas de Cabo Verde), de José André Leitão da Graça, dando assim o caso de um partido formal e ideologicamente identificado com a extrema-esquerda uni-nacionalista caboverdiana ter maioritariamente como militantes pessoas ideologicamente situadas na direita e na extrema-direita políticas caboverdianas e aberta e asssumidamente identificadas com o federalismo spinolista. Aproveitando as ambiguidades políticas dos seus adversários políticos imediatos nas questões relativas à controversa questão do referendo de auto-deterrminação política do povo caboverdiano bem como ao seu comum posicionamento contra o princípio e o projecto da unidade Guiné-Cabo Verde, os responsáveis políticos do PAIGC em Cabo Verde puderam fazer com pleno sucesso o acima referido amalgamento político entre a UPICV e a UDC, não obstante as nítidas diferenças e as gritantes, senão antagónicas, discrepâncias político-ideológicas entre os dois partidos políticos caboverdianos adversários do mesmo PAIGC. Como se disse já, as discrepâncias político-ideológicas entre os adversários políticos do PAIGC consubstanciavam-se na assumida ideologia pan-africanista, no radicalismo de esquerda de feição maoísta/enver-hoxhista e no independentismo soberanista e crioulista integral, porque adverso à unidade Guiné-Cabo Verde, professados pelo antigo exilado político e veterano resistente anti-colonial José André Leitão Graça e pelos seus escassos seguidores políticamente mais esclarecidos da UPICV, em contraponto ao federalismo tardo- e neo-adjacentista de feição luso-crioulista defendido pelos responsáveis políticos e pelos militantes da UDC. Curiosamente, terá sido a exacerbação de um férreo uni-nacionalismo caboverdiano, alicerçado nas especificidades geográfico-insulanas e culturais mestiças crioulas da caboverdianidade que foram adversas e, finalmente, fatais para a conjuntura política de José André Leitão da Graça e da sua UPICV. Apesar de ter a favor do historial do seu partido a circunstância histórica de os primeiros presos políticos caboverdianos, entre os quais se contavam Manuel Chantre, Aires Leitão da Graça, Anastásio Filinto Silva, Alcides Barros, Arménio Vieira, Mário Fonseca e Osvaldo Azevedo, todos presos na Cadeia Civil da Praia e absolvidos no processo e no julgamento políticos que lhes foi movido pela polícia política colonial-fascista portuguesa no dealbar nos anos sessenta do século XX, mas sem os pergaminhos míticos de que o PAIGC (a que, aliás, quase todos os presos políticos acima referidos viriam a aderir quer na luta clandestina nas ilhas, quer na luta político-armada e na luta diplomática a partir das duas Guinés) e os seus dirigentes, combatentes, presos políticos e militantes da clandestinidade eram portadores, o nacionalismo estritamente caboverdiano de José André Leitão da Graça e da sua UPICV foi primacialmente dirigido contra os muito vituperados princípio de unidade Guiné-Cabo Verde e projecto de união orgânica/de associação política pós-colonial entre os dois territórios africanos. Os mesmos princípio de unidade Guiné-Cabo Verde e o correlativo projecto pós-colonial de união orgânica entre os dois países eram recorrentemente apodados por José André Leitão da Graça e pela sua UPICV de união forçada de Cabo Verde com a Guiné, sobretudo numa primeira fase em que o mesmo solitário líder uni-nacionalista e a organização política por ele chefiada exigiam em combativos comunicados que a questão da unidade Guiné-Cabo Verde fosse objecto preferencial de referendo, em lugar da questão da independência política, como exigiam os NEO-adjacentistas/federalistas da UDC ou alguns autonomistas e tardo-independentistas, como o médico e escritor neo-claridoso Henrique Teixeira de Sousa. Por isso mesmo, o uni-nacionalismo de José André Leitão da Graça e da sua UPICV foi facilmente confundido com a ideologia crioulo-lusitana (ou luso-crioulista) dos claridosos e neo-claridosos, na altura em rápido refluxo e acelerado descrédito, do ponto de vista do seu ideário culturalista de activa promoção da diluição da África na cultura caboverdiana.
1.5. Nem mesmo o radicalismo de esquerda dos comunicados da UPICV (consultar a propósito o livro Golpe de Estado em Portugal...Traída a Descolonização em Cabo Verde!, de compilação por José André Leitão da Graça dos documentos, comunicados e memorandos da UPICV), os quais propugnavam o duplo combate, quer contra o imperialismo americano e os seus aliados spinolistas/federalistas internos alegadamente reunidos à volta da UDC, quer ainda contra o chamado social-imperialismo soviético e os seus alegados aliados internos paigecistas, com vista à futura instauração pós-colonial, em Cabo Verde, de uma sociedade socialista regida por uma democracia popular, também denominada poder popular ou ditadura democrática do povo, pôde ter acolhimento na juventude estudantil caboverdiana. Seduzida pelo esquerdismo, o qual fora estigmatizado e desqualificado pelo mítico Vladimir Ilich Ulianov, celebrizado como Lenine, como a doença infantil do comunismo, essa mesma juventide estudantil caboverdiana estava comprometida, na sua esmagadora maioria, com o PAIGC e com o seu ideário progressista e pan-africanista de “construção progressiva nas nossas terras africanas da Guiné e de Cabo Verde de uma nova sociedade expurgada da exploração do homem pelo homem e protagonizada por um homem novo, desalienado e liberto das taras coloniais”.
É essa mesma juventude independentista e pan-africanista que começava a preparar-se para, aberta ou semi-clandestinamente, se digladiar entre as correntes trotskista (presumivelmente liderada por Amaro da Luz, José Luís Fernandes e Manuel Faustino) e maoísta (tendo supostamente Silvino da Luz como líder e principal mentor político-ideológico), com alguns dos integrantes do chamado Grupo dos Vindos de Conacri e das duas Guinés (mais tarde também impropriamente denominado Grupo de Cuba) liderados por Pedro Pires, na sua disputa pelo respectivo maior protagonismo no processo independentista então em curso e, depois, pela liderança política do processo revolucionário pós-colonial Essas dissensões intra-partidárias decorreriam sem quaisquer notoriedade e espalhafato públicos durante toda a vasta, massiva, aguerrida e festiva campanha político-cultural em prol da independência política de Cabo Verde. Relembre-se que essa mesma campanha político-cultural foi toda ela desenvolvida na legalidade possibilitada pelo 25 de Abril de Abril de 1974, tendo sido liderada por Silvino da Luz e Osvaldo Lopes da Silva, desde o seu regresso definitivo a Cabo Verde, em fins de Agosto de 1974, e, depois, por Pedro Pires, recebido entusiasticamente, no mês de Outubro de 1974, no aeroporto da Praia, pelas “grandes massas populares” da ilha de Santiago mobilizadas pelo PAIGC contra as posturas diferenciadas das forças políticas suas adversárias, designadamente a UDC e a UPICV. A disputa interna no seio do PAIGC teria um primeiro desfecho numa reunião, realizada em 1976, da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC, a qual fora entretanto alargada, na sua primeira reunião em solo caboverdiano, realizada em Março de 1975, a alguns ex-presos políticos dos Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, e do Campo de Concentração de São Nicolau, na Foz do Cunene, em Angola, designadamente Lineu Miranda, Luís Fonseca, Carlos Tavares e Alexandre (Alexa) de Pina, e a alguns antigos estudantes universitários do Comité de Coordenação de Lisboa, conotados com a corrente trotskista, com destaque para Manuel Faustino (Tilela) , Sérgio Centeio e José Tomás Veiga, tendo sido visível, por outro lado, a não inclusão (pelos directamente interessados entendida como flagrante exclusão) de destacados ex-presos políticos e militantes da clandestinidade e no imediato pós-25 de Abril de 1974, tanto em Portugal como em Cabo Verde, com destaque para Oswaldo Osório (nominho e pseudónimo literário de Osvaldo Alcântara Medina Custódio), Manuel (Lela) Rodrigues, Fernando dos Reis Tavares (Toco), Gil Querido Varela (Quide), Felisberto Vieira Lopes (Kaoberdiano Dambará), Arlindo Vicente Silva, David Hopffer Almada e Pedro Martins. Relembre-se neste preciso contexto que Jorge Ferreira Querido, o antigo responsável do Comité de coordenação do PAIGC clandestino em Portugal, depois substituído nessas funções por Amaro da Luz aquando do seu regresso a Cabo Verde em 1968, onde assumiu as funções de responsável do Comité de Coordenação de Cabo Verde do PAIGC na clandestinidade, tinha sido suspenso dessas funções numa reunião do PAIGC realizada na Holanda, logo depois do 25 de Abril, em Maio de 1974, com a presença de Abílio Duarte, Olívio Pires, Carlos Reis e José Luís Fernandes (Djidjê), todos membros da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC. Relembre-se ainda que a criação da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC tinha sido anunciada por Amílcar Cabral na sua Mensagem de Ano Novo de 1973, considerada o seu Testamento Político, tendo sido efectivamente criada pelo II Congresso do PAIGC, de Julho de 1973, e na qual, para além de Pedro Pires, como seu Presidente, Abílio Duarte, Silvino da Luz, Olívio Pires, Osvaldo Lopes da Silva, Carlos Reis, André Corsino Tolentino, João José Lopes da Silva, Álvaro Dantas Tavares, Agnelo Dantas, Armindo Ferreira, entre outros integrantes das fileiras da rectaguarda logística e da luta diplomática e/ou político-militar do PAIGC, foram integrados Jorge Querido (Ioti Kunta), responsável máximo do PAIGC em Cabo Verde, bem como Amaro da Luz (Morna) e José Luís Fernandes (Djidjê), do Comité de Coordenação do PAIGC em Portugal. O curioso é que o destacado comandante militar Manuel (Manecas) Santos não foi integrado na mesma Comissão Nacional, segundo o testemunho do próprio em livro recentemente publicado pela editora Rosa de Porcelana (Manecas Santos- Uma Biografia da Luta, de Rosário da Luz), por alegadamente se ter pronunciado contra a criacão dessa estrutura partidária exclusivamente para Cabo Verde, sem que se criasse estrurura política similar também para a Guiné(-Bissau), quiçá, ignorando-se e/ou esquecendo-se que a criação da mesma Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC foi considerada por Amílcar Cabral, no seu Testamento Político, com uma das tarefas prioritárias do PAIGC para fazer avançar a luta em Cabo Verde. Acrescente-se ainda neste preciso contexto que a criação da Comissão Nacional de Cabo Verde do PAIGC tinha sido uma ideia quase obsessiva de Abílio Duarte, que, segundo Manecas Santos, a ouvira, pela primeira vez e de forma pública, da própria boca do mesmo Abílio Duarte que, na reunião do Conselho Superior da Luta do PAIGC, realizada em Boké, em 1972, e na presença do próprio líder Amílcar Cabral, expôs e defendeu a sua premente necessidade para colmatar o alegado atraso na luta na frente de Cabo Verde.
1.6. Por sua vez, logo após o 25 de Abril de 1974, medidas de grande impacto político foram tomadas ou influenciadas pelas diferentes correntes político-ideológicas conotadas com o PAIGC. Foram os casos da libertação dos presos políticos do Tarrafal, a 1 de Maio de 1974; dos confrontos de jovens praienses com os militares portugueses no dia 19 de Maio de 1974; da fundação do jornal independentista Alerta para substituir, e em resultado da repectiva extinção, do oficioso e (arqui-) colonial-fascista semanário O Arquipélago; da recusa dos mancebos caboverdianos aquartelados no Centro de Instrução Militar do Morro Branco, na ilha de São Vicente, em prestar juramento à bandeira portuguesa; da manifestação de protesto na ilha do Sal contra o encontro entre o Presidente da República Portuguesa, General António Ribeiro de Spínola e o Presidente do Zaíre, Marechal Mobutu Sese Seko, e as suas correlativas e alegadas manobras neo-coloniais em relação a Angola e a Cabo Verde e que engendrou a demissão presencial e in loco do Governador de Cabo Verde e impossibilitou a deslocação do General Spínola à cidade da Praia, nessa sequência tendo-se o Ministro da Coordenação Interterritorial, António de Almeida Santos, deslocado para a capital de Cabo Verde, onde foi organizada uma grande manifestação de apoio ao PAIGC e contra o referendo; do impedimento pela Polícia Militar portuguesa de uma manifestação da UPICV aprazada para o dia 1 de Novembro de 1974 na cidade da Praia mediante a proibição de entrada na cidade de camiões vindos do interior da ilha de Santiago com militantes e simpatizantes do mesmo partido político; da greve geral da função pública; da ocupação da Rádio Barlavento e da mudança da sua linha editorial pró-portuguesa e pró-federalista para um cariz inequivocamente paigcista e da alteração da sua denominação de Rádio Barlavento para Rádio Voz de São Vicente; dos inumeráveis comícios, sessões de esclarecimento, saraus culturais e outras acções de mobilização político-cultural. Esses mesmos actos políticos e culturais públicos eram precedidos, sempre e invariavelmente, de “um minuto de silêncio em memória do Camarada Amílcar Cabral, Militante Número Um do nosso Partido e Herói do nosso Povo na Guiné e em Cabo Verde”, bem como de outros mártires (bissau) guineenses e caboverdianos tombados na luta político-armada na Guiné, tais como Domingos Ramos, Jaime Mota, Justino Lopes ou Titina Silá. As mesmas sessões políticas e culturais eram preenchidas com slogans, palavras de ordem e excorsos político-heróicos às tragédias e histórias do multissecular sofrimento dos caboverdianos. Nesses excorsos histórico-políticos eram sempre destacados alguns indeléveis marcos das vivências e atribulações coloniais dos caboverdianos e dos seus antepassados africanos como a escravatura, as fomes, a emigração forçada e o trabalho servil e semi-escravo nas roças de São Tomé e Príncipe e Angola, os inumeráveis vexames sofridos às mãos dos morgados e das autoridades coloniais (incluindo as religiosas), etc.. Era ademais ressaltada e vincada a lendária resistência anti-colonial do povo caboverdiano consubstanciada nas Revoltas dos Engenhos, da Achada Falcão e de Ribeirão Manuel (ainda os Valentes de Julangue e o seu Quilombo na freguesia de Santa Catarina, na ilha de Santiago, não eram conhecidos e rememorados) e nas figuras de Lázaro, o Salteador sedento de justiça social, e do Capitão Ambrósio, o porta-estandarte da bandeira negra contra a fome na ilha de São Vicente do poderoso poema homónimo de Gabriel Mariano, a par da denúncia da repressão das “nossas manifestações culturais mais genuínas”, com destaque para o batuco, a tabanca, o funaná e o colá sanjon, do inculcamento colonial da vergonha em relação às nossas características raciais de feição ou matriz negras, enfim, quase tudo o que tinha sido aflorado e severa e veementemente denunciado, em 1962, por Manuel Duarte, no panfleto político “Cabo Verde e a Revolução Africana”, assinado pelo seu pseudónimo da clandestinidade política A. Punói. Tudo muito regado e condimentado com música revolucionária, nossa e dos outros africanos, com especial destaque para José Carlos Schwarz e os Cobiana Jazz, da Guiné-Bissau, e de muita “poesia de protesto e luta”, da autoria de poetas cabo-verdianos, africanos e progressistas do mundo inteiro. Nos comícios e sessões de esclarecimento, jovens e adolescentes recitavam com fervor “Labanta bo anda fidjo di África/ labanta negro/ obi grito’l povo/África Djustisa Liberdadi” do poema “Labanta, Negro”, de Kaoberdiano Dambará, e os versos de outros poemas, tais o “Poema de Amanhã”, de António Nunes, “Kabral ka More”, de Emanuel Braga Tavares, “Os Flagelados do Vento Leste”, de Ovídio Martins, “Caminho Longe” e “Capitão Ambrósio”, de Gabriel Mariano, “Canta co alma sem ser magoado” e “Toti Cadabra”, de Arménio Vieira, “Bandera di Strela Negro (Black Star Over Africa”)” e “Batuco”, de Kaoberdiano Dambará, “Poeta e Povo”, de Aguinaldo Fonseca, “Um Poema Diferente”, “Hora Grande” e “Têtêia”, de Onésimo Silveira, “Casebre”, de Jorge Barbosa”, “Ressaca”, de Osvaldo Alcântara”, entre outros também de outros poetas caboverdianos e africanos contestatários ou de denúncia social e política, e entoavam o hino “Esta é a nosssa Pátria Amada”, popularmente mais conhecido por “Sol, Suor e o Verde Mar”, de Amílcar Cabral e hino do PAIGC e da Guiné-Bissau, “Guerra Mendes”, de Abílio Duarte, “Tchom di Morgado”, de Caló Querido, “Korda Skrabo”, “Minino Manso” e “Amílcar Cabral, Bu More Cedo”, de Tony Lima e do grupo Kaoguiamo, “Cabral ca Morre”, de Daniel Rendall, e “Nos Raça”, de Manuel de Novas, entre muitas outras canções em voga nesses tempos de renovação da música caboverdiana, em especial das suas letras.
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