CRESCIMENTO PARA QUEM?
Ponto de Vista

CRESCIMENTO PARA QUEM?

É urgente repensar as prioridades de investimento público, redistribuir os ganhos de forma equitativa, fortalecer os serviços essenciais, promover a coesão territorial e criar empregos dignos, sobretudo para os jovens. De outra forma o alargamento do PIB perpetuará a ser um número bonito nos relatórios, mas vazio de significado para quem todos os dias luta para sobreviver. Em suma, enquanto os dados do INE revelam uma economia em expansão a experiência vivida por grande parte dos cabo-verdianos mostra que ainda há um longo caminho a percorrer até que esse crescimento se traduza num verdadeiro desenvolvimento humano e social. A pergunta que persiste é: Crescimento para quem?

Apesar dos indicadores positivos o crescimento de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024 contrasta com o desemprego, a pobreza, a fragilidade dos serviços públicos e as desigualdades entre as ilhas.

Cabo Verde registou um crescimento económico de 7% em 2024, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no passado dia 4 de Abril.

O número impressiona e pode à primeira vista indicar um País em clara ascensão, sobretudo num contexto de recuperação pós-pandemia e de desafios económicos globais, pode ser interpretado como sinal de progresso.

No entanto a realidade enfrentada por grande parte da população não condiz com o otimismo dos indicadores macroeconómicos. A contradição entre o crescimento do PIB e as condições de vida dos cabo-verdianos tem sido um ponto de tensão no debate público.

Embora a economia nacional continue apresentar sinais de recuperação e dinamismo, sobretudo após os impactos da pandemia e das crises externas, os benefícios desse crescimento não chegam às camadas mais vulneráveis da Sociedade.

Essa contradição levanta uma questão central: por que razão este crescimento não se reflete em melhorias visíveis no bem-estar da população?

Desemprego e Subemprego Persistem

Um dos principais paradoxos reside no mercado de trabalho. Apesar do crescimento económico não se verifica um aumento significativo de postos de trabalho. Ainda que haja um acréscimo do PIB os dados do mercado de trabalho revelam um País com sérias dificuldades de inclusão socioeconómica.

Em 2023 a taxa de desemprego fixou-se nos 10,3%, com uma colisão ainda mais acentuada entre as mulheres, cuja taxa atingiu os 11,4%. Os jovens são os mais afetados: entre os 15 e os 24 anos a taxa de desemprego sobe para 23,9%, e no grupo etário dos 25 aos 34 anos chega próximo dos 13%, um número que exige verificação ou explicação adicional por parte das autoridades dada a sua magnitude.

Além disso o subemprego afeta 22.422 indivíduos, correspondendo a uma taxa de 12%. Trata-se de trabalhadores com emprego precário, insuficiente ou mal remunerado para garantir o seu sustento.

A situação agrava-se quando se observa o número de pessoas fora da força de trabalho: a população inativa é de 155.201 cabo-verdianos, dos quais 35,3% são jovens entre os 15 e os 24 anos, um dado preocupante que reflete o desfasamento entre o sistema educativo, o mercado de trabalho e as oportunidades reais para os mais novos.

Face à escassez de oportunidades e de perspetivas muitos cabo-verdianos, especialmente jovens, têm optado pela emigração como forma de procurar melhores condições de vida. Esta saída, embora compreensível, representa uma perda significativa de capital humano para o País e levanta preocupações sobre a sustentabilidade do seu desenvolvimento a médio e longo prazo.

Em paralelo a taxa de pobreza em Cabo Verde mantém-se nos 17% revelando uma frágil distribuição de rendimentos, enquanto a inflação registada em Fevereiro de 2025 situava-se em 1,5%. Embora relativamente moderada tem impacto real no poder de compra dos que menos têm, agravando a desigualdade social, dificultando o acesso a bens e serviços essenciais.

Serviços Públicos Fragilizados

Nos pilares fundamentais do desenvolvimento, saúde, educação, segurança e habitação, os investimentos continuam aquém das necessidades da população. Hospitais enfrentam falta de materiais e profissionais, escolas funcionam com infraestruturas precárias e os bairros periféricos continuam a crescer sem planeamento urbano e sem resposta habitacional eficaz. Portanto esse crescimento precisa impactar a vida das pessoas por meio de políticas públicas.

Transportes: o Elo Frágil do Desenvolvimento

Entre os setores mais afetados pela falta de investimentos estratégicos está o dos transportes. Tanto nas ligações marítimas como no transporte aéreo os problemas persistem: horários irregulares, tarifas elevadas, sem previsibilidade e deficiente manutenção da frota.

A mobilidade, essencial para o acesso a emprego, educação e saúde, permanece como um dos grandes desafios à coesão territorial e ao desenvolvimento sustentável.

A instabilidade nas ligações marítimas e aéreas prejudica o escoamento de produtos agrícolas, compromete o turismo interno e limita o acesso a cuidados de saúde especializados. Os transportes aéreos seguem a perder qualidade e a segurança, cada hora, uma companhia, com aviões velhos. Este cenário contradiz a narrativa de um País em expansão económico.

Um crescimento que, sem medidas de inclusão social e investimentos estruturais, arrisca beneficiar apenas uma minoria. Diante esta situação é legítimo perguntar: podem os habitantes de ilhas como São Nicolau, Maio ou Brava falar de crescimento económico? Estas comunidades, frequentemente esquecidas nas grandes decisões de planeamento e investimento, são das mais penalizadas pela má qualidade das ligações de transporte. Para muitos dos seus residentes, os efeitos do tão falado crescimento económico são inexistentes, ou no mínimo impercetíveis. O sentimento de isolamento aliado à dificuldade de acesso a serviços e oportunidades, alimenta uma perceção generalizada de exclusão e abandono, o crescimento não beneficia o País todo.

Um Crescimento que "Não Chega aos pratos"

Especialistas defendem que o crescimento económico por si só não garante desenvolvimento. O desenvolvimento continua desigual, concentrado em setores e regiões específicas, sem beneficiar de forma direta os cabo-verdianos mais vulneráveis.

É urgente repensar as prioridades de investimento público, redistribuir os ganhos de forma equitativa, fortalecer os serviços essenciais, promover a coesão territorial e criar empregos dignos, sobretudo para os jovens. De outra forma o alargamento do PIB perpetuará a ser um número bonito nos relatórios, mas vazio de significado para quem todos os dias luta para sobreviver.

Em suma, enquanto os dados do INE revelam uma economia em expansão a experiência vivida por grande parte dos cabo-verdianos mostra que ainda há um longo caminho a percorrer até que esse crescimento se traduza num verdadeiro desenvolvimento humano e social.

A pergunta que persiste é: Crescimento para quem?

Partilhe esta notícia

Comentários

  • João Mendes, 15 de Abr de 2025

    Crescimento falacioso. As estatísticas do MpD são mentirosas e não têm credibilidade desde que afirmaram que o Concelho de Santa Cruz é o mais pobre do país, por ser de outra cor política. A verdade é que Santa Cruz é um dos mais poderosos, com um orçamento de 1 milhão de contos. É de longe o mais agrícola de Cabo Verde.

    Responder


  • pedro amado, 14 de Abr de 2025

    Tudo falso e peopaganda do governo deulises correia.Quanto a mim são os acustumados dadosmfalsoa para fazer o boi dormir.

    Responder


Comentar

Caracteres restantes: 500

O privilégio de realizar comentários neste espaço está limitado a leitores registados e a assinantes do Santiago Magazine.
Santiago Magazine reserva-se ao direito de apagar os comentários que não cumpram as regras de moderação.