O Presidente da República, José Maria Neves, devolveu ao parlamento a alteração à lei proposta pelo Governo da supervisão do Fundo Soberano de Garantia do Investimento Privado (FSGIP), de 100 milhões de euros, por não entender a motivação.
Na carta divulgada hoje pela Presidência da República, dirigida ao presidente da Assembleia Nacional, que aprovou a alteração ao artigo 21.º da Lei n.º 65/IX/2019, de 14 de agosto, prevendo a passagem da supervisão do Fundo do Banco de Cabo Verde (BCV) para a Auditoria Geral do Mercado de Valores Mobiliários (AGMVM), José Maria Neves pede “melhor análise e ponderação” ao parlamento, como prevê a Constituição, “antes da decisão formal de promulgação ou veto”.
José Maria Neves, antigo primeiro-ministro (2001 a 2016), recorda na carta que “o BCV já dispõe de competências legais de supervisão, nomeadamente em termos de matéria contraordenacional, iguais ou até superiores” às que, diz, “pretender o Governo com a ‘revisão dos aspetos do regime contraordenacional dos Organismos de Investimento Coletivo, no sentido de garantir o respeito pelas normas previstas no respetivo regime jurídico’”.
“Por outro, o BCV já vem exercendo a supervisão das instituições por ele reguladas e supervisionadas há já várias décadas, pelo que já acumulou um leque bastante vasto de experiências vivenciadas e de ‘expertise’, para além de dispor de muito mais recursos (humanos, materiais, tecnológicos, etc.) do que a AGMVM”, lê-se na carta dirigida a Austelino Correia.
“Não menos importante”, escreve ainda, é o facto de a AGMVM “funcionar na dependência do governador do Banco de Cabo Verde, não obstante gozar de autonomia funcional e administrativa”, pelo que “não goza do mesmo grau de independência que o BCV, para além de depender financeiramente desta instituição para poder funcionar”.
“Não me parece que as razões apresentadas justificam a transferência da competência de supervisão do FSGIP, do BCV para a AGMVM. Na verdade, a não ser que sejam melhor explicitados, não resulta claro quais são os reais motivos de alteração do status quo. Particularmente, não se explica por quê que o FSGIP veria a sua supervisão reforçada, caso fosse a AGMVM a entidade responsável para o efeito”, afirma igualmente José Maria Neves.
Trata-se da primeira decisão do género, conhecida publicamente, de José Maria Neves, empossado quinto Presidente da República de Cabo Verde em novembro passado, e eleito com o apoio do Partido Africano da independência de Cabo Verde (PAICV, oposição).
A alteração proposta pelo Governo foi aprovada no parlamento cabo-verdiano em 28 de novembro de 2021 com os votos favoráveis da maioria do Movimento para a Democracia (MpD, poder) e da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID), enquanto os deputados do PAICV votaram contra, levantando as mesmas dúvidas agora apontadas por José Maria Neves.
O FSGIP foi criado em 2019 pelo Governo cabo-verdiano liderado por Ulisses Correia e Silva (MpD) após a extinção do International Support For Cabo Verde Stabilization Trust Fund. Tem por objeto garantir a emissão de valores mobiliários, em particular títulos de dívida, por empresas comerciais privadas de direito cabo-verdiano em mercados regulamentados para financiamento dos respetivos investimentos, bem como conceder garantias a operações financeiras de natureza equivalente de que sejam beneficiárias empresas comerciais privadas de direito cabo-verdiano.
“Assim, considerando a natureza, a dimensão e a peculiaridade do FSGIP, entendo que o mesmo deve continuar a ser supervisionado pelo BCV, enquanto banco central da República de Cabo Verde, regulador e supervisor do sistema financeiro nacional, pelas garantias que esta instituição dá relativamente à qualidade e rigor da supervisão das instituições financeiras. O BCV, também, está melhor posicionado para o acompanhamento da operacionalização de um instrumento financeiro tão complexo como é o FSGIP”, afirma o Presidente da República.
No preâmbulo da alteração à lei aprovada no parlamento a mesma é explicada com a reforma do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, “que tem como principal objetivo proceder à sua atualização, no que toca ao papel e aos deveres dos agentes do mercado” e que atribuiu à AGMVM “a competência para processar contraordenações, aplicar as respetivas coimas e sanções acessórias, assim como as medidas de natureza cautelar previstas no Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo”.
Justifica o Governo “que é de todo relevante, reconhecida a mais-valia da AGMVM, decorrente das reformas em curso, enquanto entidade com competência em matéria de Organismos de Investimento Coletivo em valores mobiliários, reforçar a credibilidade das garantias a prestar pelo FSGIP, sob supervisão da AGMVM, na plenitude e extensão dos seus poderes legais, consagrados no Código do Mercado de Valores Mobiliários”.
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